Haverá relação entre a propensão para o autismo e a exposição ao DDT na gravidez?
Sabe-se que a exposição a alguns insecticidas pode ter efeitos nefastos para a saúde humana. O dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), um composto químico que pertence ao grupo dos organoclorados, foi um insecticida bastante utilizado durante a Segunda Guerra Mundial pela sua eficácia no combate às pragas de insectos que transmitiam doenças e arruinavam plantações.
Até que surgiram provas sobre os efeitos nocivos do DDT para o ambiente e o seu uso foi banido em vários países. Nos Estados Unidos, proibiram-no em 1972 e, no espaço comunitário, em 1986. Hoje em dia, acredita-se que ainda continua a ser usado nalguns países de África e, em situações de emergência, no controlo da malária, tendo acabado por ser recomendado de novo pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2006.
Já em 2015, um estudo da OMS alertou para a probabilidade de o DDT – que leva várias décadas a decompor-se e vai permanecendo nos ecossistemas através da cadeia alimentar – ser cancerígeno para os seres humanos. Agora, uma investigação vem revelar que o DDT pode estar também associado a uma maior probabilidade de autismo nos filhos de mulheres expostas a este químico na fase inicial da gravidez, que passa para o feto através da placenta.
O estudo foi realizado por uma equipa internacional, liderada pelo epidemiologista Alan Brown, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e publicado na revista American Journal of Psychiatry. Contou ainda com a colaboração de cientistas da Universidade de Turku e do Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar, na Finlândia.
Os investigadores analisaram amostras sanguíneas, recolhidas entre 1987 e 2005 para uma base de dados, de mais de um milhão de mulheres grávidas na Finlândia e os registos de saúde dos respectivos filhos (acompanhados até 2007). Posteriormente, compararam os dados de 778 crianças que revelaram ter autismo (e respectivas mães) com outras 778 sem qualquer diagnóstico da doença (o grupo de controlo), tendo em conta factores como a data e local de nascimento, sexo e residência dos indivíduos.
Os resultados revelaram que as mulheres que apresentaram níveis mais elevados (acima do 75.º percentil de distribuição) de DDE, um metabolito do composto DDT, no sangue durante a gravidez tinham até mais 32% de probabilidade de terem filhos com autismo do que aquelas que apresentavam níveis mais baixos. O estudo mostrou ainda que as mães com altas concentrações de DDE tinham duas vezes mais probabilidade de ter filhos que desenvolvessem autismo associado a deficiência intelectual, atendendo a variáveis como a idade da mãe, estatuto socioeconómico e o histórico psiquiátrico familiar.
“O autismo (ou perturbações do espectro do autismo) é um distúrbio complexo do neurodesenvolvimento com uma etiologia amplamente desconhecida”, definem os autores no artigo, que é caracterizado por dificuldades a nível comunicacional, social e comportamental. A sua expressão varia bastante, não só de pessoa para pessoa, mas também ao longo da vida de um indivíduo e de acordo com as comorbilidades – condições associadas ao autismo – como, por exemplo, a deficiência intelectual à qual os autores se referem.
A OMS estima que, globalmente, uma em cada 160 crianças tem autismo, enquanto estudos realizados nos últimos 50 anos indicam que a prevalência do autismo tem vindo a aumentar, esclarece o site especialista em saúde News Medical. Em Portugal, à semelhança de outros países, em dez mil pessoas há dez com autismo, afectando mais os rapazes, avança a Federação Portuguesa de Autismo.
Alan Brown, principal autor do estudo em questão, confirma ao jornal Público por e-mail estes dados e nota ainda que, no geral, o risco de uma criança desenvolver autismo é relativamente baixo: em média, afecta entre 1 e 1,5% da população mundial. Segundo o autor, o desenvolvimento deste distúrbio neurológico deve-se a uma série de factores, incluindo genéticos e ambientais.
O recente estudo é o primeiro a usar um biomarcador – através das análises de sangue – para determinar, de forma direta, a exposição ao insecticida, enquanto as investigações anteriores se baseavam na proximidade geográfica dos indivíduos a locais contaminados ou a poluição do ar. Os cientistas analisaram ainda a exposição das mães a outro tipo de poluentes, os policlorobifenilos (PCB), mas não encontraram correlação entre essas substâncias e a propensão para o autismo.
Porém, os autores são cuidadosos na abordagem e sublinham que as descobertas não provam que o autismo é causado pelo DDT, mas sim que a substância poderá funcionar como um gatilho, sendo necessários mais estudos para determinar exatamente o mecanismo, caso haja algum, através do qual a exposição ao DDT pode afectar o cérebro durante o desenvolvimento da criança.
Alan Brown deixa hipóteses no ar. Por um lado, está demonstrado que o DDT pode aumentar o risco de baixo peso à nascença, de nascimento prematuro e comprometer as funções cognitivas, factores de risco para o desenvolvimento de autismo. Por outro, estudos em ratinhos mostraram que o DDE pode inibir a ligação de hormonas aos receptores androgénicos (afectando assim a ação das hormonas sexuais masculinas), com impacto no desenvolvimento cerebral, particularmente em rapazes, o que não acontece com os PCB. Mas poderá estar também associado à epigenética, em que ocorrem modificações genéticas durante o desenvolvimento fetal, mas não há alterações na própria molécula de ADN, explica o investigador.
Certo é que a população continua em risco de exposição a este insecticida que “poderá estar [presente] em níveis mensuráveis, pelo menos, por mais uma geração”, acrescenta ao jornal Público Alan Brown. Embora tenha sido proibido em muitos países ocidentais, o cientista acredita que o DDT continua a ser usado em certos países, dificultando uma redução dos níveis de concentração. Um primeiro passo seria, então, uma proibição total do seu uso. Ao nível individual, a prevenção pode passar por conhecer o ambiente que nos rodeia, evitar viver perto de locais de resíduos tóxicos ou consumir alimentos biológicos. Essencialmente, conclui Alan Brown, “as pessoas devem estar informadas sobre os riscos para a sua saúde”.
Quanto ao estudo, revela um pouco mais sobre a incidência do autismo na população finlandesa. “Tem potenciais implicações para a prevenção do autismo e pode fornecer uma melhor compreensão de sua patogénese”, diz o artigo. Bruce Lanphear, epidemiologista da Universidade Simon Fraser, em Burnaby (Canadá) e que não fez parte desta descoberta, sublinha ainda à revista Nature que “são estes estudos que levam aos maiores avanços na saúde”.