A importância da terapia da fala

Gaguez: quando a fala “corre” mal

Atualizado: 
22/10/2020 - 15:03
Uma das características da fala, desta nossa capacidade de nos exprimirmos oralmente usando sons em contínuo, é a fluência. A fala flui, corre como a água num rio, os sons da fala formando palavras e frases num contínuo mais ou menos rápido, com sobressaltos aqui e ali, suavemente ou com mais força.

A fluência da fala é um conceito difícil de precisar. Varia de pessoa para pessoa (há pessoas que falam com mais velocidade do que outras), e frequentemente ao falar todos já sentimos que a nossa fala não fluiu como de costume, ou porque fizemos mais pausas, ou repetimos alguma palavra, som ou expressão. Conforme o nosso estado de espírito e as nossas emoções, a fala soa também mais insegura ou presa ou antes confiante e solta. O nosso conhecimento, cultura e aprendizagens, evoluindo ao longo da vida, influenciam também a fluência da fala.

Mas estas interrupções na fala, no normal “correr” da nossa fala, chamadas disfluências[1], são para a maioria das pessoas, transitórias e breves e não constituem um problema nas suas vidas. Para muitas pessoas, contudo, estas disfluências podem impedir a comunicação quando ocorrem com maior frequência e de forma mais intensa.

Chama-se gaguez portanto à perturbação da fluência da fala. A gaguez e outras disfluências caracterizam-se muitas vezes pela presença de repetições de palavras ou partes de palavras, de sílabas ou sons, ou pelo prolongamento de sons da fala (por exemplo: “A meeeeeenina comeu uuuuum bolo…). Algumas pessoas que gaguejam falam com esforço ou tensão e a sua voz soa dessa forma, tensa e com pouco ar. Por vezes a fala pode mesmo ficar parada ou bloqueada, com a boca (os lábios ou a língua) na posição para dizer esse som, sem que a pessoa consiga produzir nada por alguns segundos, e é com esforço que a palavra ou expressão é dita. Outros usam interjeições ou prolongam sons (“huuumm” ou “eee eee”) como forma de evitar ou adiar aquelas palavras que têm sons mais “difíceis” no início e que lhes causam mais problemas, e nas quais os falantes acham que vão “encalhar”. Outras pessoas ainda podem apresentar movimentos da face ou do tronco associados à fala, alguns podem "piscar" rapidamente os olhos, apresentar tremor nos lábios ou tiques na face.

Muitas pessoas que gaguejam sentem-se stressadas em falar, em especial em determinadas situações do dia-a-dia como falar ao telefone ou para grupos maiores de pessoas. Há pessoas que gaguejam mais quando estão cansadas ou tensas ou pressionadas. Esta tensão, desconforto físico e receio de gaguejar levam muitas pessoas a evitar situações em que tenham de falar. Tantas situações, portanto! A gaguez origina assim para muitos problemas na comunicação com os outros na escola, no trabalho e na interação social.

A gaguez afeta a fluência da fala, inicia-se na infância e nalguns casos prolonga-se na vida adulta, e é mais frequente nos rapazes do que nas raparigas. A causa é ainda desconhecida mas sabe-se que há vários fatores combinados que podem estar na origem da gaguez, nomeadamente diferenças no controle motor da fala e aspetos genéticos, já que é frequente haver vários membros de uma família que gaguejam.

Entre os 2 e os 5 anos de idade são muitas as crianças que vão apresentar disfluências na sua fala, sem que essas disfluências se possam ou devam considerar patológicas. Antes pelo contrário, elas decorrem do desenvolvimento normal da linguagem e da socialização, numa fase em que as crianças aprendem as regras gramaticais da sua língua, adquirem muito vocabulário, formam frases cada vez mais extensas e passam nesse período a dominar os sons da fala, mesmo em palavras mais complexas e longas. A sua integração alarga-se em contextos sociais em que cada vez interagem com mais pessoas, outras crianças mas também adultos para além da família. Estas exigências linguísticas, cognitivas e motoras são para muitas crianças um desafio complicado nomeadamente no controle e coordenação motora da fala.

Pensemos como os movimentos que nós fazemos para falar, e que requerem a coordenação à fração de segundo, da respiração, com as cordas vocais na laringe, e com os lábios e língua, são os movimentos mais rápidos, mais finos e mais precisos que o corpo humano consegue realizar. Há outras crianças, em menor número, que começam a gaguejar no início da escolaridade e nestas idades as crianças ganham mais consciência das suas dificuldades em falar, ao contrário das crianças em idade pré-escolar.

De todas as crianças que gaguejam temporariamente no seu desenvolvimento, cerca de 75% vai deixar de o fazer mais cedo ou mais tarde.

Como em todas as dificuldades que podem surgir no desenvolvimento, o diagnóstico e a intervenção precoces na gaguez podem prevenir outros problemas para além dos da fala. Logo os meninos em que a gaguez persiste por mais de 6 meses ou está associada a outros problemas de linguagem ou de fala, que se torna mais frequente ou mais grave e com mais tensão muscular e esforço, necessitam de terapia da fala e a referenciação para este tratamento deve ser feita o quanto antes pelo médico de família ou pediatra.

Na adolescência e na idade adulta as pessoas que gaguejam podem beneficiar também de terapia da fala, com o objetivo de melhorar a fluência, desenvolver uma comunicação mais efetiva de forma a participar mais ativa e completamente  na sua vida escolar, familiar, de trabalho e social.

Mais informação sobre a gaguez pode ser obtida em:

Associação Portuguesa de Gagos
http://www.gaguez-apg.com/

Associação Portuguesa de Terapeutas da Fala
http://www.aptf.org/home

The Stuttering Foundation
https://www.stutteringhelp.org/




[1] O prefixo “dis-“ exprime a noção de uma perturbação ou dificuldade, neste caso uma perturbação da fluência. 

 

Autor: 
António Carvalhal - Terapeuta da Fala Clínica Europa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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