Falta de resposta do SNS empurra doentes com psoríase para o privado
O estudo “Pessoa – viver com psoríase”, desenvolvido pela Faculdade de Farmácia de Lisboa e a Associação de doentes de psoríase, é o maior estudo epidemiológico alguma vez feito sobre a doença, pela dimensão da amostra (cerca de 600 doentes), pela abrangência geográfica (continente e ilhas) e pela abrangência dos domínios estudados – caracterização dos doentes, acesso aos cuidado de saúde, qualidade de vida dos doentes e os aspetos terapêuticos.
Segundo a investigadora que coordenou o estudo, Sofia Oliveira Martins, da Faculdade de Farmácia, este estudo surgiu da necessidade de se ter uma “fotografia desta população”, uma vez que havia muitos dados parciais sobre doentes de psoríase, mas não havia ainda dados globais.
E esta necessidade surgiu porque em 2016 a Organização Mundial da Saúde (OMS) mudou a visão sobre a psoríase e emitiu um ‘report’ especial, focando o facto de que a psoríase devia deixar de ser vista como doença da pele e passar a ser vista como doença sistémica, em que as principais manifestações são da pele, mas com muitas outras comorbilidades, nomeadamente cardíaca e depressão.
Na opinião da investigadora, este estudo nacional tem ainda a mais-valia de transmitir uma visão que é a reportada pelo próprio doente.
Entre as principais conclusões do estudo, a que Sofia Oliveira Martins mais destaca pela sua gravidade é a de que apesar de haver uma boa referenciação para diagnóstico - os doentes com facilidade tiveram acesso ao dermatologista para fazer diagnóstico – depois para serem seguidos, mais de 50% da amostra é seguida no setor privado.
De acordo com os dados do estudo, 51,9% são seguidos no privado, 27,4% nos hospitais públicos e 20,8% nos centros de saúde.
Uma das razões para isto acontecer, invocada pelos doentes, é que o SNS não dá resposta de todo para o seguimento para os casos de psoríase.
“Em termos de custos para o doente isto é extremamente gravoso”, até porque os medicamentos usados no público são diferentes do privado.
“Alguns medicamentos são só de uso hospitalar ao nível do SNS e aos quais, porque são tão caros, o doente do privado não tem acesso”, afirmou.
Trata-se de medicamentos mais inovadores e que abordam a doença na sua globalidade, ao contrário dos que são usados pela maioria da população inquirida e que são os aplicados na pele.
Em termos de impacto financeiro, cerca de 34% referem que gastam mais de 50 euros por consulta e quase 70% gastam pelo menos 43 euros por mês em medicamentos.
A estes valores acrescem os custos com as deslocações, que podem ir dos 5 euros até mais de 20 euros.
Outra conclusão que saltou à vista foi que apesar de a maior parte dos doentes estarem tratados, mais de metade continua a ter sintomas quase todos os dias, ou seja o seguimento que é feito não permite ao doente deixar de lidar diariamente com os sintomas.
O impacto na qualidade de vida dos doentes é outro dos aspetos dominantes, sobretudo na componente dor e mau estar e ansiedade e depressão.
Com este estudo, que vai ser hoje apresentado na Assembleia da República, a investigadora pretende influenciar os decisores políticos no sentido de tentar mudar o acesso aos cuidados de saúde do SNS, alertando para que se trata de uma doença crónica que não tem cura, sendo pois “fundamental que os doentes possam ter acesso a este sistema para que possam ser tratados”.
O segundo passo a ser dado é o de sensibilizar os doentes e a população em geral para que “a psoríase não é uma doença de pele, é uma doença sistémica que tem que ser tratada como tal, uma doença do organismo todo, do sistema imune, autoimune, e que tem que ser tratada como um todo e não apenas como dermatológica”.
Na opinião de Sofia Oliveira Martins é importante também sensibilizar a própria comunidade clínica, não os dermatologistas que o sabem, mas os médicos de medicina geral e familiar, no sentido, por exemplo, das comorbilidades, em que “cerca de 30% da população tem depressão, outro tanto hipertensão, artrite psoriática”.
A investigadora diz querer mudar o paradigma, da mesma forma que a Organização Mundial da Saúde o fez, mas baseado em dados nacionais.