Especialista defende criação de associação de vítimas

"Seria fundamental [uma associação de vítimas] para haver uma contranarrativa e uma outra definição dos apoios e das necessidades" das pessoas afetadas pelo incêndio que deflagrou a 17 de junho em Pedrógão Grande e que provocou 64 mortos e mais de 200 feridos, disse o coordenador do Observatório de Risco da Universidade de Coimbra, José Manuel Mendes.
Um instrumento deste tipo permitiria às pessoas "ajudar a definir prioridades" na intervenção pós-catástrofe, mas também a dar mais força a um processo de indemnizações, referiu.
"As indemnizações dificilmente serão atribuídas, porque para isso era preciso uma associação de vítimas forte", notou o especialista em situações de risco, considerando que a associação também daria hipótese às pessoas de se organizarem "de forma autónoma" e de garantirem "pressão sobre o poder político".
Para José Manuel Mendes, a pressão sobre o poder político, por parte dos familiares das vítimas e dos feridos, neste momento, "é zero", por não haver uma organização das populações afetadas.
A presença "do Estado por excesso" na região, seja através de membros do Governo ou através do Presidente da República, permite também que seja o Estado a definir a narrativa.
Depois das primeiras semanas com uma forte presença de jornalistas no terreno, a narrativa, na sua perspetiva, vai ficar cada vez mais circunscrita ao "institucional e governamental", não entrando no espaço público a narrativa das populações afetadas, vincou.
"São tudo lições da ponte de Entre-os-Rios [onde morreram 59 pessoas]. O Estado aprendeu com Entre-os-Rios que não pode deixar que a narrativa seja definida pelos outros", notou.
O investigador recordou também o caso recente do incêndio na torre Grenfell, em Londres, onde morreram pelo menos 80 pessoas, em que os moradores "imediatamente se organizaram e o poder político tem sido obrigado a responder".
No entanto, no caso dos concelhos de Castanheira de Pera, Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, por ser um território mais vasto, "muito heterogéneo" - com várias casas de segunda habitação - poderá tornar-se difícil a criação de uma associação de vítimas, algo pouco usual em Portugal e que tem como um dos poucos exemplos o caso de Entre-os-Rios.
O investigador, que já esteve no terreno, afirmou também que vai avançar com um projeto de investigação participativo, com base em voluntariado de investigadores do Centro de Estudos Sociais, em torno das causas e das necessidades de reconstrução das comunidades.
O projeto, que deve arrancar em setembro, pretende ser feito com a participação das populações afetadas, tendo em conta os seus conhecimentos "da floresta, do ordenamento, das necessidades, da relação com entidades".