Escolas obrigadas a comunicar casos de alunos sem vacinas em dia
As escolas públicas estão obrigadas a comunicar ao centro de saúde da sua zona as falhas nos boletins de vacina dos alunos, informa o gabinete de comunicação do Ministério da Educação (ME). Mas, apesar de na hora das matrículas, ser prática os estabelecimentos de ensino pedirem o boletim de vacinas em dia, nenhum aluno pode ser impedido de se inscrever se não o tiver, acrescenta o ME.
O período de matrículas para o próximo ano lectivo começou na segunda-feira. E as práticas quanto à exigência do boletim de vacinas em dia variam consoante o agrupamento ou a direção escolar. No entanto, nenhuma das escolas ou associações contactadas pelo jornal Público se deparou com o incumprimento deliberado da vacinação do Programa Nacional de Vacinas por pais "anti-vacinas".
O tema foi levantado recentemente por causa do surto de sarampo: desde Janeiro foram confirmados 21 casos, um ano depois de a doença ter sido considerada eliminada em Portugal. Uma adolescente de 17 anos estava internada no Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, depois de ter sido infetada por um bebé de 13 meses, não vacinado — morreu nesta quarta-feira de madrugada.
Matrícula "condicionada"
O diretor do agrupamento de escolas de Carcavelos, Adelino Calado, diz que ali os alunos que não tenham as vacinas em dia ficam com a matrícula "condicionada" até que as regularizem. Mas que nunca se deparou com um caso em que a sugestão da escola, às famílias, para vacinarem as crianças, não tenha sido cumprida.
Seja como for, o diretor deste agrupamento de sete escolas, que não conhece nenhum pai ou mãe "anti-vacinas", admite desconhecer indicações "sobre que procedimento tomar no caso de alguém dizer que não quer vacinar o filhos” deliberadamente.
Já em outras escolas a regra seguida é não impedir a matrícula se o aluno não tiver o boletim em dia, sem condicionamentos. “Não se recusa a inscrição, mas pedimos às pessoas para se irem vacinar”, diz ao jornal Público o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, Manuel Pereira.
Este é o procedimento também relatado pela Associação Nacional Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas. “Alertamos os pais que se esquecem e que depois comprovam que os alunos tomaram, de facto, a vacina", diz o diretor, Filinto Lima.
Apesar disso, "a Direcção-Geral da Saúde e o Ministério da Educação deviam esclarecer as escolas", acrescenta. "Ainda hoje um pai me perguntou se podia pedir ao diretor de uma escola que dissesse quais os alunos que não tinham feito as vacinas." A sua resposta foi imediata: “Não pode, tem a ver com as liberdades individuais.”
O que diz a lei?
Já na Escola Secundária Rainha D. Amélia, em Lisboa, deixaram de fazer a verificação de vacinas no ato da matrícula, cabendo essa tarefa aos diretores de turma de “forma mais personalizada”, explica a diretora Isabel le Guê. Mas, face ao recente surto de sarampo, a diretora pondera contactar o centro de saúde para “saber se há recomendações”. “Nunca pensei impedir uma criança ou jovem de não frequentar a escola por não estar vacinada", diz. "São realidades recentes que requerem reflexão." O tema deverá ser discutido na próxima reunião da Confederação Nacional das Associações de Pais, nesta quinta-feira, revela Jorge Ascensão, presidente.
O diretor executivo da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, Rodrigo Queirós e Melo, que representa cerca de 500 instituições, diz que nunca os associados pediram consulta jurídica sobre algum aluno que não tivesse as vacinas em dia e não quisesse fazê-lo.
O que fazer, então, no caso de alguém não querer mesmo vacinar os filhos? O jurista André Dias Pereira, presidente do Centro de Direito Biomédico, diz que a legislação em Portugal dificilmente permitirá agir. Mesmo nos casos mais extremos – alguém que tivesse uma tuberculose –, a Constituição não permite o internamento compulsivo, defende. Este só está previsto em caso de doença mentalmente grave que ponha em perigo a sociedade.
Também o artigo do Código Penal que prevê a punição em caso de propagação de doença dificilmente se aplica à não-vacinação porque “exige dolo” e, no caso do sarampo, o que existiria seria “negligência”, adianta André Pereira. O jurista sugere a via da educação ou, quanto muito, um sistema de obrigações indiretas em que para se aceder a determinados cargos ou serviços é necessário ter o boletim de vacinas em dia. É o que acontece na Austrália, onde os pais têm que vacinar os filhos antes de receberem o abono de família.
Já sobre a obrigatoriedade da vacinação, o professor catedrático e constitucionalista Paulo Otero defende que "não há nada na Constituição" que a proíba. Isto porque "é a saúde pública que está em primeiro lugar" em situações de "contágio alargado da doença".