Esclerose Múltipla afeta mais de 2 milhões
A distribuição da doença no mundo parece ser mais complexa do que se supunha no passado, mas em termos gerais, parece seguir o chamado “gradiente de latitude” baseado no facto da prevalência da esclerose múltipla em regra aumentar conforme nos afastamos do equador. Em Portugal, estima-se uma prevalência de cerca de 50 por 100.000 habitantes.
Existe uma larga evidência científica sugerindo que a esclerose múltipla seja uma doença autoimune, embora a sua causa primária, tal como doutras doenças autoimunes, permaneça desconhecida.
Os dados biológicos e epidemiológicos existentes confirmam a existência de susceptibilidade genética para a esclerose múltipla, parecendo igualmente inequívoco o papel de fatores ambientais entre os quais se salientam a exposição solar / vitamina D, o fumo do tabaco e os agentes infecciosos, nomeadamente o vírus Epstein-Barr.
Classicamente, são consideradas duas formas de apresentação: a forma surto-remissão e a primária progressiva. O chamado síndrome clínico isolado corresponde a um primeiro episódio de doença desmielinizante afetando o sistema nervoso, sugestivo de esclerose múltipla, mas sem critérios para o seu diagnóstico definitivo.
Os surtos são eventos agudos em que se instalam novos défices neurológicos ou existe um agravamento significativo dum défice já existente, seguindo-se habitualmente recuperação frequentemente completa.
As queixas / défices apresentados pelo doente irão depender de quais as estruturas do sistema nervoso afetadas durante cada surto.
Passado um número variável de anos, uma percentagem significativa dos doentes com a forma surto-remissão assume um curso progressivo, com ou sem sobreposição de surtos, a chamada forma secundária progressiva.
Na ausência dum teste específico da esclerose múltipla, o diagnóstico continua a ser efetuado por meio de critérios clínicos, suportados por exames complementares, nomeadamente a ressonância magnética, se bem que o exame do líquido cefalorraquidiano continue a ter o seu papel.
Uma caraterística da doença é a sua grande variabilidade de doente para doente, desde casos ditos benignos com uma longa evolução praticamente assintomáticos, ao outro extremo de casos evoluindo rapidamente para um grau elevado de incapacidade.
O grau de incapacidade determinado pelos défices acumulados é habitualmente quantificado pelos neurologistas de acordo com uma escala designada EDSS (“Expanded Disability Status Scale”), em que 0 significa um exame normal e 10 morte por esclerose múltipla.
As pontuações de 4 e de 6 são usadas como etapas importantes da doença, podendo o tempo de duração para se atingir essas pontuações ser considerado como um indicador de progressão.
O indicador dum EDSS 4 é tanto mais importante porque hoje se considera que o tempo desde o início da doença até se atingir um EDDS 4 corresponde ao período de grande variabilidade individual da progressão da doença. Uma vez atingido um grau de incapacidade correspondente a um EDSS 4, a evolução da doença e respetiva progressão de incapacidade passa a ser bastante uniforme entre os doentes. Na prática, esse período corresponde também à chamada janela terapêutica, isto é o período durante o qual as terapêuticas poderão influenciar a evolução da doença, se bem que quanto mais cedo se iniciar a terapêutica, melhor.
A terapêutica na esclerose múltipla incide fundamentalmente em dois aspetos: tratamento sintomático e tratamento modificador da evolução da doença. São exemplos da primeira categoria os fármacos para a espasticidade, fadiga e incontinência urinária, entre outros.
Quanto à segunda categoria, para além dos benefícios duma dieta saudável, prática regular de exercício físico e abstinência tabágica, existe já uma experiência substancial com alguns fármacos injetáveis, os interferons (interferão ß-1a intramuscular e subcutâneo, interferon ß-1b) e o acetato de glatirâmero, a que se juntaram recentemente os chamados fármacos orais (fumarato de dimetilo e teriflunomida) com indicação de primeira linha para o tratamento da forma surto-remissão, e para os casos mais graves o natalizumab, fingolimod e alemtuzumab.
Vários outros fármacos estão em desenvolvimento e/ou já em fase de aprovação.
O benefício de todos estes fármacos reflete-se sobretudo na diminuição no número de surtos e de novas lesões na ressonância magnética e numa diminuição de progressão da incapacidade, especialmente quando iniciados precocemente na evolução da doença.
Torna-se, portanto, essencial reconhecer precocemente perfis evolutivos menos favoráveis e/ou de previsível insucesso com as terapêuticas ditas de primeira linha, para adequar as medidas terapêuticas da forma mais eficiente possível à situação clínica do doente individual.
Os estudos epidemiológicos e da história natural da doença identificaram um conjunto de variáveis clínicas que permitem precocemente, no início da doença, elaborar uma previsão, em termos populacionais, da progressão da doença a longo termo, salientando-se: o género, idade no início da doença, sintomas iniciais e perfil evolutivo (surto-remissão versus progressivo), grau de recuperação do surto inicial e número de surtos nos 5 primeiros anos de doença.
Presentemente, a ressonância magnética não só é o melhor marcador em termos de previsão prognóstica a longo termo (o número de lesões na ressonância magnética inicial, volume lesional e atrofia cerebral, são bons exemplos), como ainda, em associação com o número de surtos no primeiro ano, permite prever o insucesso de tratamento com os fármacos de primeira linha.
Em conclusão, a esclerose múltipla é uma doença do sistema nervoso central crónica e incapacitante, afetando principalmente adultos jovens, de causa desconhecida de provável natureza autoimune, com apresentação tipicamente por surtos e remissões, e para a qual existe já um arsenal terapêutico (e em franco crescimento) que, se devidamente utilizado, poderá minimizar os malefícios da doença e melhorar a qualidade de vida do doente com esclerose múltipla.