Enfermeiros apontam graves deficiências na resposta espanhola ao vírus
As conclusões fazem parte de uma investigação detalhada realizada por especialistas do Conselho Geral de Enfermagem (CGE) sobre o primeiro caso de contágio de Ébola fora de África, o da auxiliar de enfermagem espanhola Teresa Romero, infectada em Madrid.
“Os profissionais asseguram que não receberam formação necessária e não conhecem os protocolos. Não se sentem com garantias suficientes para atender estes pacientes. E queixam-se de ter estado em situações em que não sabiam o que fazer”, disse Maximo Gonzalez Jurado, um dos autores da investigação.
Óculos inadequados fornecidos para o tratamento e outras deficiências nos uniformes, contacto com resíduos, uso de antisséticos inadequados na medicina preventiva (que podiam provocar danos nos próximos uniformes), e falta de formação para o processo pós-morte são outros dos problemas.
Além do uniforme em si, o estudo detectou erros na forma como o seu uso foi explicado, tanto na colocação como, posteriormente, e depois de contacto com o paciente, na retirada.
“Em matéria de vigilância da saúde, o profissional deve ser consultado e isso nunca foi tido em conta na hora de avaliar o risco. Os profissionais tiveram que ser eles, em vários casos, a pedir formação às autoridades. Quando há uma lei que obriga a que isto se faça e como se tem que fazer”, explicou.
Em conferência de imprensa, Gonzalez Jurado disse que, mesmo antes do contágio, um primeiro relatório sobre a resposta ao vírus do Ébola, conhecido na véspera do alerta pela infecção de Teresa Romero, 05 de Outubro, confirmava que “havia deficiências importantes do ponto de vista da segurança dos profissionais”, algo confirmado com o relatório final.
A investigação detalhada começou a 06 de Outubro e, horas depois, “surge o alerta” do contágio da auxiliar de enfermagem, que, disse, acabou por ser “bode expiatório” do caso de infecção.
“Quando ocorreu o contágio era claro desde o primeiro momento que se ia penalizar e culpabilizar Teresa como a responsável do seu contágio. Não tínhamos dúvidas. Porque este é o manual que existe normalmente”, disse.
“Jamais o sistema erra, só erram os profissionais. Sempre achámos que se ia encontrar um bode expiatório que, neste caso, seria a profissional”, afirmou.
A divulgação do relatório ocorre no dia em que, previsivelmente, será conhecido o resultado da última prova a Teresa Romero que, a ser negativa como a anterior, realizada no domingo, confirmaria que superou a doença.
O relatório - centrado nos âmbitos profissionais, jurídicos e éticos - analisa três aspectos fundamentais: a formação dos profissionais, avaliação dos riscos e a vigilância da saúde, recordando que, além dos protocolos específicos para o Ébola, Espanha e a UE têm um quadro jurídico importante no que toca à protecção da saúde dos profissionais e à protecção dos riscos laborais.
Recordando que a resposta ao Ébola é um processo “novo”, com contágios também noutros países, com sistemas de saúde muito avançados, como é o caso dos Estados Unidos, Gonzalez Jurado afirmou que todo o relatório foi feito com “transparência e humildade”.
“O nosso objecivo é tentar procurar a verdade, do que podia estar a ocorrer neste processo que pusesse em risco a segurança dos profissionais que lidam com pacientes com Ébola. E dizer às autoridades o que se pode melhorar no futuro para que eventuais deficiências se possam corrigir”, disse.
“O relatório foi feito com veracidade, transparência, independência e com finalidade profissional, ética e jurídica. Queremos saber como devemos intervir e actuar, eticamente o que deve ser feito e o que se fez bem e mal neste caso” sublinhou.
O relatório foi feito por uma equipa de especialistas, fundamentalmente enfermeiras e enfermeiras que tiveram contacto com pacientes contagiados e afectados pelo Ébola em Espanha.
“São testemunhos vivos do que aconteceu, de como viram este processo e possíveis carências ou deficiências. Participam ainda especialistas do direito laboral, civil e penal para dar o enquadramento adequado”, explicou.