VIII Encontro Ibérico de Enfermagem

Enfermagem em Diálogo Ibérico

Atualizado: 
22/12/2015 - 12:56
A Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros e o Colegio Oficial de Enfermería de Cáceres realizam há 15 anos um encontro profissional conjunto para a troca de saberes e experiências. A 13 e 14 de novembro de 2015, em Cáceres (Espanha) decorreu o VIII Encontro Ibérico de Enfermagem. Atlas da Saúde entrevistou as suas presidentes para dar a conhecer identidades, dissemelhanças e perceções sobre a enfermagem na Ibéria.

Atlas da Saúde (AS): Caraterize a organização regional e suas atribuições.

Dra. Raquel Rodríguez Llanos (RRL): O Colegio Oficial de Enfermería de Cáceres renovou, há um ano, a sua Direção, com a entrada de uma nova equipa de profissionais: enfermeiras e enfermeiros que representam toda a província de Cáceres, com experiência nos âmbitos da assistência, gestão, docência e investigação.

A nossa missão é transformar o Colegio, modernizá-lo e fortalecê-lo. Queremos que a nossa instituição, que representa 2300 profissionais, avance e seja uma referência de prestígio reconhecido na nossa comunidade. Zelaremos para que o exercício profissional, em qualquer âmbito e especialidade, seja ético e moral, com o objetivo de promover cuidados de enfermagem de qualidade.

Para esta nova Direção, a nossa profissão é a nossa razão de ser, e os cuidados prestados à comunidade e às pessoas são o mais importante.

O nosso projeto baseia-se na garantia da transparência na gestão, bem como na melhoria do acesso aos serviços e recursos do Colegio. Queremos que a Ordem chegue a toda a classe profissional, e não ao contrário. Temos previsto iniciativas na formação, na investigação e no desenvolvimento profissional. Pretendemos fomentar o envolvimento dos associados, a igualdade de oportunidades e, ainda, incorporar a perspetiva de género em todas as iniciativas do Colegio.

Ao mesmo tempo, queremos colaborar com a administração e os organismos públicos e, no exercício das suas competências, sem esquecer a defesa da profissão face ao exercício não autorizado, a segurança e o desenvolvimento da atividade laboral. Por isso, para cumprir as expectativas do Colegio, enquanto Presidente rodeei-me de pessoas da minha máxima confiança; uma boa equipa de profissionais que reúnem formação e experiência nos diferentes âmbitos da Enfermagem.

AS: Prescrição por enfermeiros? O que está consagrado na lei, e qual a prática?

RRL: O Conselho de Ministros espanhol aprovou, a 23 de outubro, o Real Decreto de Prescripción Enfermera. Para a Mesa da Profissão de Enfermagem, formada pelo Conselho Geral de Enfermagem de Espanha e o sindicato SATSE, trata-se “de um texto que pressupõe uma traição sem precedentes na história da democracia: à última hora, às escondidas e com perfídia, e sem consultar os profissionais de Enfermagem, e que deixa numa situação pior tanto os profissionais como os pacientes”, como afirmam.

Para a Mesa Profissional, o problema radica no facto de, no caso dos medicamentos sujeitos a prescrição médica, o novo texto estabelecer que será necessário que o médico “tenha determinado previamente o diagnóstico, a prescrição e o protocolo ou plano de tratamento clínico e de assistência a seguir” por parte do enfermeiro. “Esta situação impede expressamente qualquer atuação ou decisão por parte do enfermeiro, relacionada com estes medicamentos, quando esta não for acompanhada de uma prescrição médica realizada de forma oficial, de caráter individual, nominal para cada doente, e na qual se especifique claramente qual o ato de enfermagem que é objeto de atenção”.

Isto afeta em grande medida a atividade assistencial dos enfermeiros, uma vez que o Real decreto fala expressamente do “uso” dos medicamentos. Não é sem fundamento que em todos os âmbitos nos quais os enfermeiros desenvolvem o seu trabalho, seja em hospitais, cuidados primários, instituições penitenciárias, ambulâncias, lares, serviços de saúde do trabalho, etc., a prescrição por enfermeiros é uma ferramenta fundamental para garantir a continuidade dos cuidados e agilizar a tomada de decisões relativas aos processos de saúde do doente, aspetos esses que têm um efeito imediato na otimização e coordenação dos recursos do sistema nacional de saúde espanhol e na segurança do doente.

Exemplos de atuação não cobertos pelo Real Decreto

Hoje em dia, os enfermeiros e as enfermeiras prescrevem medicamentos sujeitos a receita médica, seguindo protocolos e guias de prática clínica, ou seja, sem o diagnóstico nem a prescrição prévia do médico, uma vez que se trata de situações que fazem parte do exercício profissional da enfermeira. Refiram-se alguns exemplos:

1. Ao administrar uma vacina após uma avaliação clínica. Este exemplo é aplicável tanto a vacinas pediátricas (difteria, tosse convulsa, tétano, hepatite B, etc.) como a vacinas para adultos (gripe, tétano e difteria, meningococo C, vacinas de viajante...).

2. As parteiras, ao assistirem a um parto de forma autónoma, prescrevem diversos medicamentos, por exemplo, administram oxitocina à parturiente, à chegada ao hospital.

3. Quando utilizam pomadas – às vezes com antibióticos – ou pensos medicamentosos para tratar feridas, queimaduras ou úlceras de pressão.

4. Quando regulam a medicação de doentes crónicos em consultas de enfermagem, por exemplo, no caso de doentes diabéticos ou a receberem tratamento anticoagulante.

5. No caso do apoio a equipas de emergência (frequentemente sem médico) ou em unidades de cuidados críticos, nas quais o tempo de reação é crucial para salvar vidas. Aí surgem situações nas quais a vida do paciente depende da decisão imediata da enfermeira.

6. Nos hospitais, quando as enfermeiras administram heparina – um medicamento sujeito a receita médica – para evitar a coagulação do sangue.

7. Em todos os serviços que não tenham médico em permanência: empresas, escolas, ambulâncias, forças militares...

Para a Mesa, “o texto final do Real Decreto de Prescripción Enfermera vai contra os interesses dos doentes, a realidade na Saúde e o senso comum”.

AS: Qual a perceção que tem da enfermagem em Portugal, comparativamente à portuguesa, na formação, enquadramento nos sistemas de saúde e reconhecimento social?

RRL: Nós, que nos dedicamos a esta querida profissão de enfermeiro/a, sabemos que a nossa atividade se fundamenta nos cuidados e que todo o conceito de cuidados se insere num sistema de crenças e de valores, que estão influenciados por um conjunto de fatores sociais, culturais, económicos e políticos.

Portugal e Espanha são dois países que, além de estarem unidos geograficamente, têm muitas coisas em comum, e uma delas é a Enfermagem, uma das profissões mais procuradas a nível mundial.

É sobejamente conhecido o elevado nível de formação que os nossos alunos têm, nos dois países, desempenhando a sua profissão fora das nossas fronteiras. Esta situação reflete-se nos Encontros Ibéricos de Enfermagem, celebrados, de dois em dois anos, pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros e pelo Colegio de Enfermaría de Cáceres, cuja VIII edição se realizou recentemente.

A Enfermagem Portuguesa e Espanhola reúnem-se para a partilha de experiências, o intercâmbio de conhecimento, assegurando o cumprimento da principal missão da nossa profissão: proteger a saúde da população e garantir a segurança dos doentes através de uma prática profissional ética, autónoma e competente, em qualquer contexto de assistência e especialidade.

Desta forma, contribuímos para reforçar e manter os sistemas de saúde públicos espanhol e português, mas, sobretudo, para proteger, prevenir e cuidar das duas comunidades. Associarmo-nos entre profissionais dos dois países dá-nos um sentido de identidade e prestígio, promovendo a formação, a investigação e a participação para satisfazer as necessidades de cuidados que a sociedade requere e para cumprir as expetativas profissionais de enfermeiras e enfermeiros.

Nota Biográfica
Nascida na província de Cáceres, onde estudou Enfermagem e tem desenvolvido a sua atividade profissional. Realizou, na Universidade da Extremadura, a sua tese de doutoramento “Personal de Enfermería y Absentismo Laboral en el Servicio Extremeño de Salud. Análisis desde la Perspectiva de Género”, tendo obtido a classificação “Sobresaliente ‘Cum Laude’”.
Atualmente, tem a seu cargo o atendimento ao utente da área da Saúde de Cáceres - Servicio Extremeño de Salud. Representa a Enfermagem em Cáceres, mas também no âmbito regional e nacional, com capacidades demonstradas através de toda a sua atividade profissional, quer na assistência, quer na docência, investigação e gestão. Nos vários cargos desempenhados até à data, destaque-se o empenho em prol do exercício da Enfermagem em condições dignas e justas, o direito universal à saúde pública, universal e gratuita para a população em geral, bem como a sustentabilidade e excelência do sistema de saúde pública.

 

Atlas da Saúde (AS): Caraterize a organização regional e suas atribuições.

Enfª Isabel de Jesus Oliveira (IJO): A Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros abrange seis distritos – Coimbra, Aveiro, Leiria, Viseu, Guarda e Castelo Branco. Tem atualmente 14580 enfermeiros inscritos.

A principal atribuição da Secção é o Acompanhamento do Exercício Profissional, promover o desenvolvimento profissional dos seus membros e zelar pela qualidade e segurança dos cuidados de enfermagem que são prestados à população da região centro. Nos últimos quatro anos fizemos mais de 230 Visitas de Acompanhamento, o que significa que chegámos diretamente a mais de 5000 enfermeiros. Essencialmente avaliamos as condições para o exercício da profissão, as condições para o desenvolvimento profissional e outros aspetos relacionados com a qualidade e a segurança dos cuidados de enfermagem prestados. No âmbito do desenvolvimento da profissão realizámos duas dezenas de cursos para enfermeiros em diversas áreas. Lançámos o Concurso Cuidar para premiar projetos de enfermeiros de melhoria dos cuidados prestados. No fundo é um concurso de benchmarking de boas práticas, e que visa estimular e promover o desenvolvimento profissional dos enfermeiros na Região Centro de Portugal. Cumprimos igualmente a nossa função de promoção do papel do enfermeiro na comunidade, fazendo chegar à população da região centro o que os enfermeiros fazem, através da revista Enfermagem e o Cidadão.

AS: Prescrição por enfermeiros? O que está consagrado na lei, e qual a prática?

IJO: Através de lei já temos a prescrição consagrada para os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrica. Na prática, sabemos que a prescrição formal por enfermeiros ainda não é possível, mas que é necessária. Quando falamos em prescrição por enfermeiros não falamos da substituição de outros profissionais. Falamos da prescrição que é decorrente daquilo que são as atividades próprias dos enfermeiros. Quando falamos da prescrição não falamos apenas da prescrição de fármacos, ou seja, de prescrição medicamentosa. Falamos, por exemplo, da prescrição ao nível das ajudas técnicas, de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, que servirão de suporte à tomada de decisão dos enfermeiros e à prestação de cuidados. Muita desta prescrição, hoje em dia, já é feita informalmente pelos próprios enfermeiros, mas ainda não temos mecanismos legais ao nosso dispor, nem estão criados os mecanismos formais para que se possa passar efetivamente à prescrição.

A prescrição continua a ser um assunto de difícil discussão dentro da própria profissão, mas penso que se os enfermeiros olharem para a prescrição como coadjuvante à sua prática, e não no sentido de substituição de outros profissionais - que não é esse o objetivo - certamente verão as mais-valias, fundamentalmente para os cidadãos. O maior beneficiário da prescrição por enfermeiros é o cidadão.

AS: Qual a perceção que tem da enfermagem em Espanha, comparativamente à portuguesa, na formação, enquadramento nos sistemas de saúde e reconhecimento social?

IJO: Pelos contactos que temos tido com os colegas espanhóis, constatamos que eles vivenciam mais ou menos os mesmos problemas que nós. São a falta de reconhecimento do ponto de vista político por parte das organizações de saúde e governantes e a falta de reconhecimento e valorização do papel dos enfermeiros e do inestimável contributo que trazem para a saúde das populações. Isto levanta desafios que são comuns às profissões nos dois países. No fundo é conseguir dar voz e representatividade à enfermagem, e conseguirmos efetivamente demonstrar a mais-valia que é apostar em cuidados de enfermagem e apostar nos enfermeiros.

Nota Biográfica
Isabel de Jesus Oliveira exerce a profissão de Enfermagem desde 1996, em instituições de Coimbra, Viseu e Aveiro.
É detentora de Licenciatura de Enfermagem, Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação e da Pós-Graduação em Administração e Gestão de Serviços de Saúde.
Participou em ações de formação profissional em Portugal, Finlândia e Suíça.
Desde janeiro de 2012 é Presidente do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros.
Exerce atividade executiva e política no âmbito da regulação profissional, é Diretora da revista Enfermagem e o Cidadão, Coordenadora do Grupo de Trabalho da Ordem dos Enfermeiros “Enfermagem do Trabalho”, integra o Grupo de Acompanhamento das Experiências Piloto do Enfermeiro de Família (Despacho n.º 12425-A/2014), o Grupo Técnico previsto no Despacho n.º 15647/2014, de 29 de dezembro (processo de contratualização dos Cuidados de Saúde Primários) e o Conselho Científico da Unidade de Farmacovigilância do Centro.
É autora de diversos artigos técnicos e políticos na área da enfermagem, e de comunicações em colóquios, congressos e seminários.

Fonte: 
GCIC - Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Francisco Fontes