Em dois meses foram registados 245 testamentos vitais
Entre 1 de Julho e 22 de Agosto último, 245 pessoas expressaram que tratamentos querem ou não receber em caso de doença terminal ou incurável ou perante um diagnóstico de inconsciência por doença neurológica ou psiquiátrica irreversível, notícia o jornal Público na sua edição digital.
“Mais de 200 testamentos vitais registados em apenas dois meses que foram marcados pelas férias são um sinal claríssimo da importância e da falta que fazia uma ferramenta desta natureza”, congratulou-se ao Público o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes. Já o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, não se mostra impressionado com estes números: “Considerada a população nacional adulta, é um número pequeno e confirma as minhas expectativas de que este instrumento seria utilizado por um número reduzido de cidadãos”.
Com 148 registos, a região da área da influência da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo foi até agora aquela que somou mais adesões no Registo Nacional do Testamento Vital (Rentev), a plataforma informática que arrancou no dia 1 de Julho. A ARS do Norte, por seu turno, somou 52 registos, segundo os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Seguem-se a ARS do Centro com 20 registos e as ARS do Alentejo e do Algarve com 14 e 11 registos, respectivamente.
Na altura em que o Rentev entrou em funcionamento, o Ministério da Saúde admitia que entre 20 a 30 mil pessoas aderissem àquela ferramenta no prazo de um ano. Mas, e porque “não é possível que o testamento vital registe adesões maciças se os portugueses não souberem que ele existe”, Rui Nunes considera que aquele patamar dificilmente será atingido se não houver uma “intensa campanha de sensibilização”: nas escolas, mas sobretudo junto dos médicos de família, para que estes expliquem às pessoas para que serve um testamento vital e como se faz.
Através do testamento vital, um cidadão pode manifestar antecipadamente a sua vontade “consciente, livre e esclarecida” no que concerne aos cuidados de saúde que deseja ou não receber no caso de se encontrar numa situação em que fica incapaz de expressar a sua vontade de forma autónoma. Poderá ser o que acontece num quadro de inconsciência por doença neurológica ou psiquiátrica irreversível, “complicada por intercorrência respiratória, renal ou cardíaca”. O diagnóstico de uma doença incurável ou em fase terminal ou a inexistência de expectativas de recuperação na avaliação clínica são outros dos quadros capazes de fazer accionar a também chamada “directiva antecipada de vontade” do doente.
Entre os cuidados que podem ser recusados incluem-se a reanimação cardio-respiratória, o suporte artificial de funções vitais por meios invasivos, a alimentação e hidratação artificiais que retardem o processo natural da morte e a administração de sangue ou derivados. Este último item assume particular importância no caso, por exemplo, das testemunhas de Jeová, que por motivos religiosos rejeitam transfusões. Aliás, e como adiantou em Junho ao Público o assessor jurídico da Associação das Testemunhas de Jeová, Raul Josefino, era prática comum entre os crentes (calcula-se que haja ao todo cerca de 50 mil praticantes ao todo, em Portugal) transportarem consigo um modelo de testamento vital que recusava as transfusões sanguíneas e que já contemplava a possibilidade de não quererem que a sua vida fosse prolongada perante um quadro clínico sem esperança de melhoria.
Desde 2012 que a lei permitia que um cidadão definisse até onde poderiam chegar os clínicos no caso de incapacidade de indecisão. Mas, para ficar tudo claro, era preciso ir a um notário, pagar à volta de 100 euros e andar sempre com o documento no bolso. Sem isso, o doente deixava o seu fim entregue à obra do acaso ou à decisão dos familiares. No passado dia 1 de Julho, tais decisões puderam passar a ficar predefinidas na referida plataforma informática que congrega todos os testamentos vitais validados pelos serviços de saúde e mediante a qual os médicos, do sector público mas também do privado, podem aceder à vontade dos doentes em situação extrema.
Sem quaisquer custos, o testamento vital pode ser efectuado através do preenchimento de um formulário próprio que está disponível nos sites das ARS, no Portal do Utente e no Portal da Saúde. No formulário aqui disponível, o cidadão pode também deixar nomeado um “procurador de cuidados de saúde”, ou seja, pode indicar uma pessoa de confiança (familiar ou não) que será chamada a decidir em seu nome sempre que a situação clínica o exija ou então que assegurará o cumprimento do testamento vital.