É necessária «atuação conjunta e concertada para controlo da pandemia de obesidade»
Considerada uma epidemia a nível mundial, a obesidade ter vindo a aumentar de ano para ano, sobretudo, nos países desenvolvidos. Em Portugal, por exemplo estima-se que metade da população portuguesa tenha peso a mais. O que é que isto tem para nos dizer?
A obesidade constitui, atualmente, uma pandemia a nível global e Portugal não é exceção. Contudo, quando se compara o nosso País com outros países europeus verificamos que a nossa prevalência, particularmente no que diz respeito à pré-obesidade, é alarmante. Quando se compara os dados atuais com dados anteriores, vemos que a pandemia não mostra sinais de estar sob controlo, antevendo-se um aumento crescente nos dados de prevalência para o futuro próximo.
Quais os principais riscos da obesidade para a nossa saúde? E qual o seu peso em termos sociais e económicos?
Além de ser considerada uma doença, a obesidade comporta um risco acrescido de desenvolvimento de outras doenças, com a diabetes tipo 2 à cabeça, mas passando por uma ampla variedade de outras patologias: hipertensão arterial, várias neoplasias, síndrome de apneia obstrutiva do sono, patologia osteoarticular degenerativa, dislipidemia, etc. Assim, o aumento na prevalência de obesidade e pré-obesidade implica o aumento na prevalência das patologias associadas à obesidade, com os inerentes custos sociais e económicos. Portugal apresenta uma das maiores taxas de prevalência de diabetes (13,3% segundo os dados do último Observatório Nacional da Diabetes); tal expressão da doença acredita-se que advenha do aumento da expressão, na sociedade nacional, de obesidade e pré-obesidade (um dos principais fatores de risco para desenvolvimento da diabetes tipo 2).
Tratando-se de uma doença complexa, quais os principais fatores que contribuem para o aumento de peso?
A obesidade e pré-obesidade resultam de um balanço energético positivo em indivíduos geneticamente predispostos para acumular massa gorda. A expressão dos genes que caracterizam os indivíduos das sociedades contemporâneas acredita-se não sejam substancialmente diferentes dos nossos antepassados recentes. Assim, assume-se que o desenvolvimento de excesso ponderal decorra de um excesso de ingestão alimentar, uma redução dos gastos energéticos ou de ambos. Realmente, verifica-se uma cada vez maior sedentarização da nossa sociedade, com indivíduos urbanizados desempenhando atividades profissionais que comportam baixo gasto energético. Por outro lado, por razões profissionais ou familiares, muitos dos indivíduos da nossa sociedade acabam por praticar hábitos alimentares não saudáveis que propiciam o acúmulo de energia no tecido adiposo. Adicionalmente, o stresse, tão presente em muitas das profissões, e o défice de sono são fatores contributivos para a génese de excesso ponderal.
De um modo geral, culpa-se muito a alimentação pelo excesso de peso, mas a verdade é que, independentemente, dos cuidados alimentares há quem não consiga perder peso mesmo estando a seguir uma dieta equilibrada. O que justifica o insucesso de muitos tratamentos contra a obesidade?
A obesidade é uma doença de fisiopatologia complexa e de tratamento difícil. Na maior parte dos casos, não basta fazer restrição calórica (embora seja um passo extremamente importante para o tratamento da obesidade). O que se passa é que, sobretudo quando a obesidade já se encontra instalada há algum tempo, ocorre um reset do “ponderostato” hipotalâmico. Ou seja, o centro de controlo do peso, localizado no hipotálamo, passa a considerar como normal uma quantidade de gordura corporal em excesso. Como em todos os sistemas homeostático, o ponderostato acionará todos os mecanismos ao seu dispor para evitar que a pessoa perca peso e saia da faixa ponderal que tem como normal. No tratamento da obesidade, vai-se tentar que ocorra novo reset do ponderostato para valores que são realmente normais e tal leva tempo. Assim, no processo de perda ponderal, além de uma boa dose de motivação, o indivíduo obeso deverá ser persistente.
Em matéria de prevenção, o que falta fazer para que os números desta doença parem de aumentar?
O problema da obesidade não é um problema de fácil resolução. Em primeiro lugar deveriam ser desenvolvidas campanhas eficazes de sensibilização para a problemática da obesidade, a nível dos vários setores da sociedade. Prioritariamente, dever-se-ia atuar a nível do ensino básico por forma a incutir as noções de estilo de vida saudável e passar a mensagem de que o excesso ponderal tem graves consequências para a saúde individual e que o mesmo não é uma situação inevitável. Por um lado, combatia-se o desenvolvimento de obesidade infantil e, por outro, utilizava-se as crianças e os jovens como vetores de informação para passar a mensagem dentro do núcleo familiar.
Mas só informar e sensibilizar para a problemática não seria suficiente. Seria necessário a criação, a nível das unidades de saúde, de toda uma estrutura de suporte (médico, enfermeiro, nutricionista, profissional de atividade física, psicólogo) para ajudar eficazmente a perder peso todos aqueles que começam a ter excesso ponderal.
Para além dos médicos e dos doentes, também os poderes políticos e a indústria alimentar têm um papel preponderante no combate à obesidade. Na sua opinião, que medidas poderiam ser tomadas para melhorar este aspeto tão importante de saúde publica?
Além de medidas de carácter médico e envolvendo outros profissionais de saúde, para um eficaz combate à obesidade/pré-obesidade são necessárias medidas políticas que envolvam alterações urbanísticas (facilitando a prática de atividade física ao ar livre), medidas de intervenção no sector alimentar (penalizando alimentos nefastos e aliviando a taxação de alimentos saudáveis) e medidas legislativas, nomeadamente na área fiscal, que favoreçam a adoção de estilos de vida saudável. Estas medidas teriam que ser planeadas para implementação a longo prazo por forma a que esta e as próximas gerações possam eficazmente gerir o balanço energético no sentido de evitar o acúmulo de gordura corporal.
Relativamente ao diagnóstico, em que momento um individuo deve procurar ajuda? Quando é estamos perante um caso de obesidade ou excesso de peso?
Um indivíduo deve procurar ajuda a partir do momento que apresenta um peso superior ao que seria expectável para a sua altura; ou seja, quando o seu índice de massa corporal (IMC) ultrapassa os 25 Kg/m2 (pré-obesidade). Nessa altura as intervenções recomendadas são, unicamente, de intervenção sobre o estilo de vida. Contudo, se o indivíduo já apresentar obesidade (IMC igual ou superior a 30 Kg/m2) ou se o IMC é superior a 27 Kg/m2 e o doente apresenta outras patologias associadas à obesidade, além das medidas de intervenção sobre o estilo de vida, já poderá ser equacionada terapêutica farmacológica antiobesidade.
E qual o especialista mais indicado para seguir e/ou tratar um caso de obesidade?
Sendo a obesidade uma doença endócrina, o endocrinologista deverá fazer parte da equipa que trata o indivíduo obeso. Contudo, idealmente, a atuação deverá ser multidisciplinar com envolvimento de outros profissionais de saúde, nomeadamente, de nutricionistas. Contudo, face à complexidade da doença, muitos outros profissionais poderão ser chamados a intervir para uma solução eficaz e atempada do excesso ponderal.
Quanto ao tratamento da obesidade, que opções terapêuticas estão disponíveis? Qual o papel da terapêutica farmacológica no combate à obesidade?
Além das medidas de intervenção comportamental, alimentar e de implementação da atividade física, necessárias e imprescindíveis para tratamento da pré-obesidade e de todas as classes de obesidade, existem fármacos antiobesidade (indicados a partir de IMC de 30 Kg/m2, ou de 27 se estiverem presentes patologias associadas à obesidade). A terapêutica farmacológica é de extrema importância para um eficaz combate ao excesso ponderal e deve ser considerada em associação (e nunca em substituição) das medidas de intervenção no estilo de vida. Dentre os fármacos antiobesidade, em Portugal, estão disponíveis o orlistato 120 mg (de nome comercial XenicalÒ), o liraglutido 3 mg (de nome comercial SaxendaÒ) e a associação bupropion 90 mg /naltrexona 8 mg (de nome comercial MysimbaÒ). Para situações de obesidade severa (obesidade classe III – IMC igual ou superior a 40 Kg/m2 - ou obesidade classe II – IMC entre 35 e 39,9 Kg/m2) poderá ser considerada uma cirurgia bariátrica se o doente for elegível e estiver recetivo a esse tratamento.
Para terminar, que últimas considerações gostaria de fazer relativamente a este tema?
A obesidade é uma doença de extrema complexidade, mas possível de ser controlada. A nível da sociedade, há necessidade de uma atuação conjunta e concertada em vários planos, para um eficaz controlo da pandemia de obesidade. A nível individual, desde que a pessoa com obesidade/pré-obesidade esteja sensibilizada e motivada para a resolução do seu problema, atualmente, existem soluções eficazes para o seu tratamento.