É cada vez mais raro retirar o útero para tratar um mioma
Chama-se histerectomia e ainda é a cirurgia mais comum na área da ginecologia. Traduz-se em retirar a totalidade do útero à mulher. No entanto, esta opção extrema é cada vez menos seguida em Portugal – devido à evolução na forma como as intervenções cirúrgicas são feitas e ao surgimento de medicamentos inovadores criados, por exemplo, para o tratamento dos miomas uterinos. Um estudo, que será apresentado neste sábado na 188.º Reunião Da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, na Figueira da Foz, estima que um novo fármaco para estes tumores benignos, e que agora está a ser mais utilizado no Serviço Nacional de Saúde, reduza os sintomas dos miomas em mais de 60% das mulheres, o que se traduz em menos cirurgias.
“Antes fazíamos histerectomias quando as mulheres tinham miomas uterinos com sintomas graves e neste momento este novo medicamento, o acetato de ulipristal, representa uma grande arma que nos permitirá reduzir muito o número de cirurgias”, explicou ao jornal Público Fernando Fernandes, diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Évora, e um dos responsáveis pela condução do estudo em Portugal, país em que se estima que dois milhões de mulheres tenham miomas.
A presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, Fernanda Águas, lembra que um trabalho apresentado no final do ano passado já mostrava que as histerectomias são cada vez menos uma opção. De acordo com esse estudo que coordenou, entre 2000 e 2014 houve um total de 166.177 mulheres às quais foi retirado o útero. Em 2014 foram cerca de 9000, o que representou uma quebra de 20% no período estudado.
Evolução nas cirurgias
Fernanda Águas acredita que com a ajuda de medicamentos inovadores é possível reduzir ainda mais este número, mas lembra que na maioria dos casos nem é preciso fazer nada aos miomas. E destaca que a forma como as cirurgias são feitas também tem evoluído. Aliás, na Reunião da Sociedade Portuguesa de Ginecologia o foco também vai estar nas cirurgias feitas por laparoscopia (em que a incisão é feita através do abdómen da mulher) ou por endoscopia (em que a operação é feita através do colo do útero, o que permite uma recuperação menos dolorosa e mais rápida.
Em relação ao novo trabalho agora publicado no European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology, Fernando Fernandes disse que contou com uma amostra de 1473 mulheres de mais de 70 centros europeus de países como Alemanha, França, Reino Unido, Roménia, Suécia, Polónia, Hungria, Eslovénia e Áustria. Portugal foi um dos países com mais participantes no estudo, num total de 60 mulheres. Todas as doentes tinham miomas uterinos que provocavam sintomas considerados moderados a graves e que se traduziam, sobretudo, em grandes hemorragias ou em dores abdominais. Com estes tumores, as mulheres podem também ter o abdómen inchado ou dores nas relações sexuais.
“Fomos um dos centros na Europa com um maior número de mulheres incluídas no estudo e que foram acompanhadas entre Dezembro de 2012 e Maio de 2014. Os resultados foram muito positivos. Cerca de 70% das mulheres referiram grandes melhorias nos sintomas após o tratamento e só uma pequena percentagem de 4% é que não revelaram esse tipo de melhorias”, acrescentou Fernando Fernandes, sublinhando que o fármaco também ajuda a reduzir o volume dos miomas.
O médico lembrou que os miomas afetam sobretudo mulheres em idade fértil, pelo que se torna fundamental não partir para uma decisão extrema, como retirar o útero. “No nosso estudo tivemos três senhoras em Portugal que engravidaram”, reforçou. Para Fernanda Águas, as novas terapêuticas são “especialmente importantes para as mulheres mais jovens, em que há a questão da fertilidade associada, ainda que seja sempre bom evitar uma cirurgia”. Em geral, uma mulher precisa de um mês a cinco semanas para recuperar de uma histerectomia.
Neste tratamento, é recomendado que a administração de acetato de ulipristal seja feita no máximo por quatro ciclos de três meses e com um intervalo de dois meses entre cada ciclo – o que significa que em alguns casos, depois disso, pode ser na mesma necessária uma cirurgia. Mesmo assim, o responsável do Hospital de Évora destaca algumas vantagens. “Se recebermos na urgência uma senhora com uma grande hemorragia por um mioma uterino podemos fazer o tratamento com o medicamento e programar a cirurgia com mais segurança.”
Para o diretor do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Évora a principal desvantagem do novo tratamento para os miomas uterinos está no preço elevado do medicamento, até porque ainda não há concorrência. Mesmo com comparticipação, as doentes pagam 90 euros por cada caixa, pelo que se fizerem vários tratamentos a fatura sobe. “Mas há hospitais públicos que estão a dar gratuitamente o medicamento às senhoras, pelo que se poupa não fazendo histerectomia”, salienta Fernando Fernandes.