Dor em reumatologia
Desde tempos imemoriais que a dor carrega o estigma de ser incurável, o que acarreta graves consequências a nível psicológico, familiar, social e até mesmo profissional. Da mesma maneira que é imperativo desmistificar que as doenças reumáticas só atingem as pessoas idosas. Fundamental, é conseguir proporcionar ao doente uma melhor qualidade de vida, usando para tal todo o arsenal terapêutico, medicamentoso e não medicamentoso.
Classicamente, a dor reumática é tida como crónica, ou seja, que cursa com pelo menos mais de três meses de evolução. Porém, existem situações agudas que podem ser exuberantes, como o caso de uma crise aguda de gota, uma das mais intensas dores da reumatologia, cujo quadro clínico é acompanhado de uma grande inflamação da articulação acometida.
Mais frequentemente, as doenças reumáticas manifestam-se através de dores insidiosas e que se prolongam no tempo. Habitualmente, os doentes têm tendência a protelar a procura do médico porque a função da articulação não é drasticamente acometida. Genericamente a dor reumática pode ser subdividida em dor crónica de ritmo mecânico, dor crónica de ritmo inflamatório e dor crónica músculo-esquelética.
Dor reumática crónica de ritmo mecânico
Este tipo de dor é definido pela dor do movimento. Ou seja, piora com o movimento e com o esforço. As dores geralmente são piores ao fim do dia, quando a sobrecarga daquela articulação se faz sentir de maneira mais intensa. Esta dor melhora com o repouso, com o descanso e os doentes apresentam uma rigidez matinal, logo uma certa dificuldade em executar os movimentos.
Classicamente, representa a globalidade das doenças degenerativas articulares, ou seja, a osteoartrose. Pode atingir as articulações periféricas de carga como os joelhos e as coxo-femorais, mas também articulações que sofrem movimentos repetitivos por períodos de tempo muito prolongados. O esqueleto axial, isto é, a coluna, também pode sofrer as alterações aqui descritas, tendo como exemplo a espondilose. Os exames que comprovam estas alterações são por excelência as radiografias. As análises laboratoriais não são específicas.
O tratamento deste tipo de dor é sempre multidisciplinar. Na crise de dor, os analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares impõem-se. A fisioterapia irá complementar este tratamento, tentando através das diversas técnicas aliviar a dor, mas também fortalecer a musculatura que sustenta as articulações envolvidas através de exercícios dirigidos para cada caso, na tentativa já de prevenir novas crises. Em alguns casos, a dor indica a necessidade de se efectuar uma cirurgia daquela articulação, embora apenas quando a função também se encontra comprometida de maneira acentuada.
Fundamentalmente, a prevenção é um dos mais eficazes tratamentos da dor. Quer isto dizer que se devem adoptar medidas como a postura correcta, saber carregar um peso, saber como se sentar e manter uma alimentação equilibrada. Para além de combater o excesso de peso e as doenças associadas, são fundamentais para um esqueleto saudável.
Dor crónica de ritmo inflamatório
A dor crónica de ritmo inflamatório é a dor do repouso, que acorda durante o sono. Habitualmente é muito pior no início do dia, sendo a rigidez matinal bastante prolongada, chegando os doentes a ter dificuldades em executar os movimentos por mais de uma hora. O levantar da cama de manhã, ou o movimento após um período relativamente prolongado de imobilidade é extremamente doloroso. Está presente em doenças inflamatórias articulares, isto é, das artrites .
O acometimento poderá ser preferencialmente periférico, como por exemplo, na artrite reumatóide, axial (coluna vertebral), como na espondilite anquilosante, ou periarticular, como nas periartrites. O diagnóstico é feito através dos exames radiológicos e laboratoriais, onde se registam alterações típicas.
O seu tratamento envolve a intenção de tratar a dor e de bloquear a progressão da doença para que o dano articular seja o menor possível, mantendo assim a função das articulações. Na vertente medicamentosa todo o arsenal terapêutico disponível tem indicação de ser utilizado, desde os analgésicos, passando pelos anti-inflamatórios, corticosteróides, e fundamentalmente na terapêutica de fundo, que irá realmente alterar o curso da doença. Também o papel da fisioterapia e da terapia ocupacional é de extrema importância. Por fim, a cirurgia poderá ser aventada dependendo do estado de cada articulação.
Alguns destes doentes podem beneficiar do acompanhamento psicológico, uma vez que as depressões reactivas aos quadros de dores crónicas, que chegam a durar uma vida, não são tão pouco frequentes e podem resolver-se com esta ajuda especializada.
Dor crónica músculo-esquelética
A dor crónica músculo-esquelética é a dor muscular local ou geral, porém incaracterística, e que apresenta uma rigidez matinal prolongada. Um exemplo de dor músculo-esquelética é a fibromialgia, que se manifesta por dores difusas pelo corpo todo, acompanhadas de alterações do sono. Pode-se acompanhar de fadiga frequentemente.
Não existem exames característicos para diagnosticar esta doença, podendo haver alterações específicas no electroencefalograma durante o sono. O seu diagnóstico é basicamente clínico, havendo a necessidade de se encontrar uma série de pontos dolorosos que se consideram critérios para o diagnóstico da doença.
Basicamente, o tratamento passa pelo controle do quadro doloroso através do uso de medicamentos que vão controlar a dor, como analgésicos, relaxantes musculares e mesmo antidepressivos, com a intenção de aumentar o limiar da dor. As massagens e o exercício físico são fundamentais para o complemento da terapêutica medicamentosa, tal como as medidas de protecção do aparelho locomotor. O apoio psicológico e a tranquilização dos doentes através de informações sobre a doença são fundamentais para o sucesso do tratamento.
Outras doenças, outras dores
Além das doenças referidas, existem outras - como a osteoporose - tão importantes para a população em geral, que também são responsáveis por dores. A osteoporose causa dor difusa pelo esqueleto, nomeadamente na coluna, para além de ser responsável pelas dores da descalcificação propriamente dita, ou consequente das complicações que dela podem surgir, como as micro fracturas dos ossos da coluna, que levam ao achatamento das vértebras e às devidas compressões das estruturas que as envolvem.
A osteoporose pode atingir qualquer osso e ser responsável por dores em qualquer um deles. O exame por excelência que a confirma é a densitometria óssea. A radiografia não dá noção nenhuma do grau de descalcificação dos ossos. O tratamento específico desta doença alivia os sintomas da dor.
Qualquer que seja a doença reumática a provocar a dor, é importante reconhecê-la, valorizá-la, respeitá-la e fundamentalmente tratá-la adequadamente. Todos os doentes têm o direito de reclamar uma melhor qualidade de vida, principalmente numa altura em que a média de vida dos portugueses ronda os 80 anos. Essa qualidade passa pela prevenção, atenção e tratamento dos sintomas e das suas causas. A dor, como um dos mais importantes sinais de alerta do sofrimento de uma estrutura, acaba por ser um dos mais fortes coadjuvantes na tentativa de manutenção da sua própria saúde.