Doente oncológico: decisão sobre tratamento deve ser livre e esclarecida
Sem dúvida que o direito do doente implica ter o conhecimento de todos os procedimentos clínicos que lhe vão ser prestados e o seu livre e esclarecido consentimento para que os mesmos sejam executados de acordo com a leges artes do ato médico.
A sua decisão na aceitação dos tratamentos tem de ser livre e esclarecida, e só o homem instruído é que consegue ter liberdade para saber o que quer, escolher a direção que melhor lhe convém e determinar o seu destino.
É preciso ser suficientemente forte, estar disposto a sofrer para evitar que a doença nos agrave a fraqueza.
Se, em pleno conhecimento de causa o doente aceita e considera ser a decisão mais acertada, a sua luta e o seu esforço irão de encontro ao plano que melhor se ajusta naquele momento às propostas clínicas do tratamento que lhe é dirigido.
Os procedimentos médicos só serão tecnicamente justos e verdadeiros se conseguirem ser perfeitos.
A medicina exige a execução de planos terapêuticos científicos, com normas de orientação clínica, alicerçadas numa componente espiritual, sem a qual não conseguiremos obter o nível de excelência obrigatório para o bom desempenho profissional.
É essencial que os métodos para atingir estes objectivos estejam sempre enriquecidos pela norma universal do respeito e preservação da dignidade do ser humano.
A nossa obediência não pode ser cega, por isso é necessário que ao transmitir a verdade ao doente, temos que reflectir e adaptar o conceito de acordo com as características individuais do doente que irá depender do seu temperamento, da sua personalidade, do grau de conhecimento e diferenciação intelectual e espiritual.
A prática da medicina, no contexto da transmissão da informação clínica a fornecer ao paciente, deverá ser sempre baseada na verdade, na ciência, respeitando ao direito inviolável da dignidade do ser humano no seu todo (físico, espiritual e social).
É óbvio que a verdade é a mesma para todos os doentes, mas a forma como é transmitida a cada um é completamente diferente pois os pacientes são todos diferentes.
Se à partida nascemos todos iguais, não nos podemos esquecer que somos seres únicos com percursos regulares, com costumes e valores fundamentados no enriquecimento pessoal, com graus de conhecimento teórico e prático, espiritual e social diferenciado e sustentado pela vivência individual que nos caracteriza e determina a forma de estar e de vivenciar as experiências boas e menos agradáveis que vamos tendo ao longo da nossa vida.
O reconhecimento das características individuais dos pacientes por parte dos profissionais da saúde, que direta ou indiretamente irão ser intervenientes no processo da decisão clínica, é fundamental para que a aceitação por parte do doente seja livre e perfeita.
Perante o aparecimento de uma doença oncológica é necessário transmitir a verdade e todas as implicações que a doença tem, porém, este procedimento clínico é sempre complexo e muitas vezes cruel cuja história por vezes não se compadece, e é até imprópria, porque a sua expressão implica certamente um enorme sofrimento e por mais forte que a nossa riqueza espiritual seja, para interiorizar uma notícia que poderá não ter complacência pela preservação da nossa vida, cuja obediência fatual não pode ser modificada, têm de ter ciência e arte na comunicação da verdade que vamos dizer ao doente.
Por isso, é necessário transmitir a informação de forma simples, suficientemente explícita e clara, não omitindo nenhum detalhe, sem contudo esquecer que deverá ser suave para minimizar os efeitos nefastos que o impacto desta notícia gera no doente e na família.
O Ministério da Saúde criou a Carta dos Direitos do Doente Internado. Este documento para além de especificar os Direitos e Deveres dos doentes, da qual se extrai algum do seu conteúdo "agrupa direitos consagrados em diversos textos legais, nomeadamente na Constituição da República Portuguesa, na Lei de Bases da Saúde, na Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina e na Carta dos direitos fundamentais da União Europeia. Apenas o Direito a uma segunda opinião não está previsto em nenhuma disposição legal nacional.
O regime legal de defesa do consumidor (Lei n. 24/96, de 31 de Julho) prevê também o direito à qualidade dos bens e serviços e o direito à proteção da saúde e segurança física.
A presente Carta dos Direitos do Doente Internado respeita o enunciado dos direitos tal como aparecem na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes com exclusão dos direitos 13 e 14 que foram anunciados atendendo à condição especial que é o internamento (hospitais e centros de saúde).
As reformas dos sistemas de saúde variam de país para país, mas é consensual que o cidadão não pode ser excluído do processo de decisão, porque é co - financiador do sistema através dos seus impostos e é beneficiário do mesmo considerando as suas necessidades e, sobretudo, porque é o principal responsável pela sua saúde.
Na Carta de Otawa (1996) já se previa o reforço das capacidades dos cidadãos no que respeita à responsabilidade pela sua saúde. Isto só é possível com uma informação objetiva, transparente e compreensível que o tornem apto a decidir, como cidadão livre e esclarecido.
O Conselho da Europa através do seu "Comité" Europeu da Saúde reconheceu na 45ª Reunião que as organizações de entreajuda dos doentes têm um papel importante na representação dos seus interesses. Os cidadãos internados num estabelecimento de saúde ou seguidos por este no domicílio são pessoas com direitos e deveres. Não deverão ser consideradas apenas do ponto de vista da sua patologia, deficiência ou idade, mas com todo o respeito devido à dignidade humana.
Para além da regulamentação aplicada pelos estabelecimentos de saúde, devem zelar pelo respeito dos direitos do homem e do cidadão reconhecidos universalmente, e dos seguintes princípios gerais: não discriminação, respeito da pessoa, da sua liberdade individual, da sua vida privada e da sua autonomia..."
Ser tratado com qualidade, com segurança, com dignidade e respeito pela sua privacidade, não é um privilégio, mas sim um dever e uma obrigação para quem cuida.
Não se pode quebrar a relação de confiança e de colaboração entre o doente e a instituição que lhe presta a assistência.
Se se vetarem aos profissionais de saúde, designadamente aos médicos, a liberdade de aplicar os seus conhecimentos científicos, ou se não se investir nos equipamentos e nas instalações em benefício dos doentes, violam-se as leis universais, não se respeita o Homem na sua essência nem se cumprem os mais básicos deveres de cidadania.
Não é admissível que por falta de capacidade de resposta no internamento, se alojem os doentes em macas nos corredores dos hospitais, sendo que a legislação apenas admite a permanência de um período curto, nunca superior a 24 horas.
Muito menos restringir o acesso aos cuidados ou privar os doentes de serem tratados adequadamente.
Estar fragilizado devido à situação clínica vivenciada não significa vitimização nem penalização.
A vulnerabilidade na doença não é sinónimo de mendicidade nem de intolerância ou de desrespeito pelo doente e muito menos de falta de zelo ou de incumprimento dos deveres do Estado.
O Estado para além de regulamentar tem de zelar pelo respeito dos direitos do homem e do cidadão devendo ainda assegurar que os doentes tenham a possibilidade de ter ao seu alcance todos os meios disponíveis para o tratamento das suas doenças de acordo com as boas práticas médicas.
Independentemente das convicções políticas, religiosas, filosóficas ou sociais. Nenhuma orientação europeia irá determinar ou obrigar um Pais a desrespeitar a dignidade e os direitos humanos.
Importa, ainda referir que a manutenção e a sustentabilidade de um Estado depende dos contributos dos seus cidadãos quer seja através da criação de riqueza resultante do investimento económico, quer seja obtida pela contribuição tributária.
Uma política de saúde séria envolve servir, gerir com rigor, respeitar o doente e reconhecer a excelência do ato médico e dos outros profissionais de saúde.
Quem pretender ignorar esta cadeia não estará ao serviço da Nação nem dignificará o País.
Em suma, de que serve ter tudo regulamentado/legislado se as medidas aplicadas continuam descontextualizadas e inadaptadas às necessidades vigentes e o doente deixou de ser pessoa única e singular, protagonista de uma história clínica com potencialidades e recursos humanos de elevado nível para o curar e passou a ser representado como mais um número causador do desequilíbrio orçamental que é cada vez mais parco no investimento dos cuidados de saúde.
No âmbito da política atual, ser doente ou idoso/representa um pesadelo para o Estado, cujo futuro a curto prazo será empobrecido pelo abandono dos profissionais de saúde que já não conseguem tolerar mais constrangimentos, no atendimento aos doentes do SNS.
Nenhum português será insensível ao sofrimento de quem pede e precisa de ajuda se estiver condicionado por padrões de pobreza desta natureza.
Em suma, seja qual for o ato médico executado tem de ser sempre baseado no conhecimento científico cuja aplicabilidade é para ser exercida no ser humano que tem corpo e alma.