Doença mental aumenta dependência do tabaco
Mas o que faz do tabagismo um hábito nefasto para a saúde?
Para além de todos os seus componentes que elevam o risco de um indivíduo desenvolver doenças como o cancro, doença coronária, doença pulmonar crónica obstrutiva, entre outras, o tabaco é uma substância com caraterísticas aditivas, sendo o seu consumo excessivo e adicto considerado uma doença mental crónica de difícil tratamento.
Para melhor se compreender o elevado potencial de dependência do tabagismo, consideremos os seguintes dados: quando inquiridos, cerca de 70 por cento dos fumadores desejam deixar de fumar, mas apenas 3 por cento o conseguem sem ajuda. Por outro lado, das pessoas inquiridas que fumaram em algum período da sua vida, apenas 18 por cento eram na realidade “ex-fumadores”. Estes factos ajudam a perceber a dimensão psicológica e psicossocial aditiva do tabaco, que apresenta uma influência largamente superior aos sintomas físicos de privação durante o processo de cessação tabágica.
Em Portugal, segundo dados do Terceiro Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, mais de um quarto da população entre os 15 e os 64 anos é fumadora ativa, verificando-se uma prevalência de 35,1 por cento nos homens e de 18 por cento nas mulheres. Já a média de cigarros consumidos diariamente é de 14.
O início do consumo de tabaco ocorre na adolescência em cerca de 90 por cento dos casos, tipicamente entre os 13 e os 15 anos. Os fatores que levam à primeira experiência são essencialmente sociais, como a pressão dos pares e necessidade de integração no grupo. Após experimentarem o seu primeiro cigarro, cerca de 32 por cento dos indivíduos ficam dependentes, um número bastante elevado quando comparado com outras substâncias como a heroína, a cocaína e o álcool, que detêm taxas de adição depois da primeira toma de 23, 17 e 15 por cento, respetivamente.
É assim particularmente importante uma intervenção precoce nesta faixa etária, que não deve apenas incidir na consciencialização dos riscos associados ao tabagismo, como também tem de oferecer aos jovens fumadores oportunidades de cessação, tendo em consideração que estes já poderão estar em situação de completa dependência.
Outro grupo particularmente vulnerável no consumo de tabaco é a mulher grávida. Fumar durante a gravidez tem efeitos negativos consideráveis, particularmente para o desenvolvimento fetal e saúde do recém-nascido. O consumo de tabaco durante o período de gestação está associado ao aumento do risco de aborto espontâneo, de placenta prévia, de descolamento de placenta, de gravidez ectópica, de baixo peso do bebé à nascença, de rompimento prematuro da placenta, de mortalidade perinatal e morte súbita do bebé. A acrescentar a isto, vários componentes do cigarro atravessam a placenta e alcançam a circulação fetal, causando défices da função pulmonar do feto, aumento de doenças respiratórias na primeira infância e atraso do neurodesenvolvimento, observando-se que estas crianças têm menor desempenho em testes neuropsicológicos.
Muitas mulheres deixam de fumar espontaneamente ou procuram ajuda para deixar de fumar quando sabem que estão grávidas. Este é um momento onde a mulher está particularmente alerta para os efeitos nocivos do tabaco no seu bebé, sendo uma boa oportunidade para a desabituação tabágica.
Contudo, deixar de fumar nem sempre é fácil. Em alguns casos, o tabagismo está intimamente relacionado com patologia psiquiátrica. Metade dos indivíduos seguidos em consultas de psiquiatria são fumadores. Esta associação torna-se ainda mais evidente em certas perturbações como a esquizofrenia e a perturbação afetiva bipolar, onde a prevalência de tabagismo é de 90 por cento e 60 a 70 por cento, respetivamente. As evidências sugerem que fumadores com doença psiquiátrica têm mais dificuldades em suspender o consumo, o que justifica a elevada prevalência de fumadores neste grupo.
A ligação entre doença mental e tabaco é complexa e depende da doença em questão, mas uma das hipóteses mais comuns é de que o tabaco é usado na tentativa de melhorar os sintomas. Contudo, estudos recentes defendem que a cessação tabágica pode até melhorar sintomas psiquiátricos, particularmente quando integrada num plano de tratamento da doença mental.
Dra. Tânia Silva - psiquiatra da Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra