Entrevista

Doença de Alzheimer: reconhecimento efetivo do “Cuidador” é essencial e indiscutível

Atualizado: 
05/12/2018 - 11:30
Pelo 30º aniversário da Associação Alzheimer, o Altas da Saúde esteve à conversa com Celso Pontes, presidente da Comissão Científica da associação, e Rosário Zincke, membro da Direção da Alzheimer Portugal, que nos traçaram o quadro das demências em Portugal, reforçando a importância da existência de um Plano Nacional de Saúde nesta área. “As respostas atuais específicas para as pessoas com demência são casuísticas e desenvolvidas maioritariamente pelo setor social. O que se pretende é equidade, ou seja, acesso a cuidados especializados por parte de todas as pessoas com demência e suas famílias”, afirmam.

O que é a doença de Alzheimer e qual a sua prevalência no nosso país?

Celso Pontes: A doença de Alzheimer é uma doença degenerativa, em que se verifica uma severa e progressiva perda de células nervosas cerebrais, que acaba por resultar numa diminuição gradual das capacidades cognitivas, com especial relevo, da memória recente. Em Portugal, a prevalência da Doença de Alzheimer é estimada em cerca de 150.000 doentes, embora, para o total de demências, o valor seja certamente superior. Em 2012, a Alzheimer Europe já apontava para uma prevalência na ordem dos 182.000.

O que a distingue das restantes demências? Quais os sintomas e/ou principais sinais de alerta?

Celso Pontes: A Doença de Alzheimer é a mais frequente das causas de demência. Numa fase inicial, os problemas de memória acabam por ser o sintoma com mais destaque. No entanto, são também causas de demência sintomas como a alteração da linguagem, modificações no comportamento e dificuldade nos movimentos.

De forma a elucidar doentes, profissionais de saúde, cuidadores e acompanhantes da pessoa com Alzheimer, a Alzheimer Association publicou os “dez sinais de alerta” a considerar para esta doença: perda de memória que afecta o trabalho, dificuldade em executar tarefas domésticas, alterações da linguagem, desorientação temporal e espacial, juízos alterados, alterações do pensamento abstracto, alterações da localização dos objetos, alterações do humor e do comportamento, alterações da personalidade e perda de iniciativa.

Como é feito o seu diagnóstico? Qual a importância do diagnóstico numa fase inicial da doença?

Celso Pontes: O diagnóstico é feito progressivamente, dependendo da fase evolutiva da doença. Na consulta, é apurada a história dos sintomas, antecedentes, observação clínica e testes dirigidos às capacidades cognitivas. Em geral, essa observação é complementada com análises, exames de imagem cerebral e testes cognitivos mais elaborados. Neste ponto, em muitos casos, o diagnóstico é feito com um grau de convicção grande. Em certos casos, pode ser necessário recorrer a exames mais específicos: doseamento de marcadores biológicos, exames com PET para evidenciar a existência de substância amiloide e até mesmo estudos genéticos.

Qual o seu prognóstico? Que avanços têm existido no que diz respeito ao seu tratamento?

Celso Pontes: A doença é progressiva e os sintomas vão-se agravando. Podemos descrever as fases de doença como ligeira, moderada e grave. Não existe uma cura. Porém, o tratamento destes doentes é importante e deve ser dirigido a vários aspectos. Existe tratamento farmacológico, que melhora os sintomas cognitivos e não cognitivos (ansiedade, depressão, agitação, insónia, etc.), e existe tratamento não farmacológico para manter a cognição, as capacidades de desempenho e o bem-estar de um modo geral. Atualmente, existe importante investigação científica em todo o mundo, e também em Portugal, na procura de medicamentos que possam reverter ou estabilizar a progressão da doença.

Qual a importância da criação de uma associação como a Alzheimer Portugal? 

Celso Pontes: A sociedade civil pode organizar-se para atingir determinados fins. A Associação de Alzheimer foi criada para ajudar os doentes e os familiares (cuidadores), informando, formando e ajudando a saber cuidar. Conhecer é o primeiro e importante passo para combater os efeitos da doença. Ao longo dos seus 30 anos de atividade, a Associação foi um importante motor de ajuda ao conhecimento e aos melhores cuidados dirigidos aos doentes e cuidadores, dando também um contributo importante para a consciencialização dos decisores políticos.

Falando em concreto dos doentes e seus familiares/cuidadores, quais as principais dificuldades sentidas por ambos no contexto da doença de Alzheimer?

Celso Pontes: Os doentes podem, ou não, sentir a diminuição das suas capacidades e, progressivamente, atos quotidianos tornam-se tarefas muito difíceis. Não recordar onde se deixou um objecto, não se lembrar a data em que está ou não reconhecer um local ou um trajeto serão, seguramente, dificuldades importantes. Nem todos as sentem de modo semelhante. Os familiares passam por uma aprendizagem e adaptação a essas dificuldades. Inicialmente reagindo com incredulidade às dificuldades do doente que sempre se habituaram a ver autónomo e, a pouco e pouco, curvados ao peso dos cuidados a prestar e que se estende pelas 24horas do dia.

Qual a importância do cuidador formal? E o que pode significar a criação de um estatuto para o cuidador?

Rosário Zincke: 80% dos cuidados são prestados por cuidadores informais. A importância social e económica que têm é indiscutível mas continua a ser aproveitada sem reconhecimento. A existência de um estatuto – quadro jurídico definidor dos seus direitos e deveres – significa reconhecimento efetivo.

Quais as principais carências a este nível?

Rosário Zincke: As principais carências são a falta de preparação, a falta de apoio com expressão pecuniária, necessidade de respostas para o impacto emocional da tarefa de cuidar e a dificuldade em conciliar essa tarefa com a vida pessoal e profissional.

Assim, o estatuto deverá contemplar a capacitação do cuidador; medidas que permitam conciliar a vida profissional com a vida de cuidador ou que permitam suspender ou antecipar o fim do exercício de uma profissão remunerada; soluções de alívio; apoio psicossocial; e apoios sociais.

Muito se tem falado sobre a necessidade da criação de um plano nacional para as demências. Neste contexto, explique qual a sua importância.

Rosário Zincke: A Alzheimer Portugal há muito que tem vindo a defender a criação de um Plano Nacional para que as pessoas com demência e as suas famílias possam ter acesso a um acompanhamento e cuidados específicos de qualidade, em condições de equidade.

A Associação participou na proposta das “Bases para a definição de Políticas Públicas na área das Demências”. Neste documento, é defendido “que possa ser definida como prioridade nacional a elaboração de um Plano para as Demências em Portugal. Este Plano deverá definir e operacionalizar percursos adequados de cuidados, contemplando como eixos fundamentais a melhoria da qualidade de vida das pessoas com demência e a dos seus cuidadores, a investigação pertinente nas áreas relacionadas com as demências, e a criação de um quadro jurídico definidor dos direitos das pessoas em situação de incapacidade (como é o caso de muitas pessoas com demência), incluindo o enquadramento legal dos cuidados, das intervenções e da investigação”.

Nesse sentido, a Alzheimer Portugal está na Coordenação do Plano Nacional de Saúde para as Demências criada pelo Despacho nº 5988/2018 de 19.06 do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde.

Em que “posição”/plano se encontra Portugal quanto ao apoio prestado aos doentes e familiares, comparativamente a outros países?

Rosário Zincke: Há já vários países europeus com Planos ou Estratégias Nacionais implementados. Quando, em 27 de Maio de 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em Genebra, aprovou o Plano Global de Ação sobre a resposta da Saúde Pública à demência 2017-2025 ("Global Plan of Action on the Public Health Response to Dementia 2017- 2025), afirmou a necessidade urgente de os diversos países adoptarem um plano nacional para as demências (apenas 29 dos 194 países possuíam um plano).

Estamos em fase de criação de Planos Regionais de Saúde para as demências. O que precisamos mesmo é de um Plano Nacional e não apenas na área da saúde.

As respostas atuais específicas para as pessoas com demência são casuísticas e desenvolvidas maioritariamente pelo sector social. O que se pretende é equidade, ou seja, acesso a cuidados especializados por parte de todas as pessoas com demência e suas famílias.

Na sua opinião o que falta fazer? E, sobretudo, o que falha?

Rosário Zincke: Falta maior sensibilização dos profissionais e da comunidade, coordenar aquilo que já existe, reforçar a articulação entre as várias respostas existentes (da saúde e sociais), apostar na capacitação de todos e na definição de um percurso de cuidados. Isto enquanto não há o reconhecimento das demências como prioridade nacional de saúde pública com as consequentes políticas e medidas concretas a nível nacional.

No que diz respeito aos profissionais, quais os grandes desafios para quem trabalha na área?

Rosário Zincke: Maior capacitação e reconhecimento do seu trabalho.

Relativamente ao encontro “Uma Visão Holística sobre as Demências”, que conclusões se retiraram deste evento?

Rosário Zincke: A Conferência “Uma Visão Holística sobre as Demências” assinalou o 30º aniversário da Alzheimer Portugal. Políticas, Investigação, Combate ao Estigma, Intervenção e Direitos foram os tópicos fundamentais desta conferência, da qual conseguimos extrair conclusões e elaborar um documento de fundo que possa servir para o reconhecimento das demências como prioridade nacional de saúde pública e para nos aproximarmos da nossa Visão – uma sociedade que verdadeiramente integre e reconheça os Direitos das Pessoas com demência e seus cuidadores.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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