Desordem por défice de atenção e hiperactividade
É diversificada a terminologia pela qual é conhecida a Desordem por Défice de Atenção e Hiperactividade (DDAH), sendo que a mais comum é simplesmente hiperactividade. No entanto, DDAH parece ser a expressão generalizada, por tradução directa da expressão Attention Déficit Disorder with Hiperactivity, utilizada pela Associação Americana de Psiquiatria, no seu Manual de Diagnóstico Estatístico de Desordens Mentais, para referir indivíduos que apresentam comportamentos hiperactivos, que têm dificuldade em prestar atenção às tarefas e que têm a tendência para ser impulsivos.
Assim, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, a DDAH caracteriza-se por um "padrão persistente de falta de atenção e/ou impulsividade-hiperactividade, com uma intensidade que é mais frequente e grave que o observado habitualmente nos sujeitos com um nível semelhante de desenvolvimento".
Em termos práticos, diríamos que uma criança com DDAH manifesta na sua actividade diária padrões comportamentais em que a actividade motora é muito acentuada e inadequada ou excessiva. São crianças que têm muita dificuldade em permanecer no seu lugar, que se mexem ou baloiçam continuamente, que mantêm um relacionamento difícil com os colegas (intrometem-se nas suas brincadeiras), não prestam atenção e precipitam as respostas, etc.. Nenhuma destas manifestações deve ser confundida com má educação ou faltas de comportamento ocasionais.
A verdade é que a DDAH é uma problemática que começa por criar dificuldades na aprendizagem e na adaptação do indivíduo ao meio nos seus primeiros anos de vida e que, na maioria dos casos, se prolonga pela sua vida adulta, não podendo, pois, ser considerada apenas uma condição do ser criança que se ultrapassa com o amadurecimento.
Trata-se, portanto, de uma perturbação do desenvolvimento que afecta o comportamento, a atenção e o autocontrolo. Tem uma base essencialmente neuropsicológica e os factores genéticos conjugam-se com as experiências do indivíduo no seu meio ambiente, para moldar o seu comportamento e a forma como enfrenta e se integra na vida em sociedade.
Estima-se que de 3 a 5 por cento das crianças em idade escolar sofrem de DDAH e que outros 5 a 10 por cento apresentem sintomas em menor número mas que continuam, mesmo assim, a perturbar o curso normal da aprendizagem e o sucesso educativo.
Esta desordem é muito mais comum nos rapazes do que nas raparigas, uma vez que cerca dos 80 a 90 por cento dos casos são diagnosticados no sexo masculino.
Classificação da DDAH
A American Psychiatric Association distingue três subtipos de DDAH de acordo com o predomínio dos sintomas da falta de atenção e da hiperactividade-impulsividade:
- DDAH do Tipo Predominantemente Desatento;
- DDAH do Tipo Predominantemente Hiperactivo-Impulsivo;
- DDAH do Tipo Misto.
Este último é o que é mais frequentemente diagnosticado e combina a hiperactividade com a impulsividade e a falta de atenção.
Sintomas
Para um correcto diagnóstico desta perturbação a American Psychiatric Association descreve nove sintomas de falta de atenção e nove sintomas de hiperactividade-impulsividade.
A falta de atenção
A atenção é um requisito fundamental para o processo de aprendizagem, devendo ser selectiva e contínua, isto é, orientada para um estímulo relevante de entre outros e manter-se nele por um período de tempo alargado.
A atenção de uma criança com esta problemática dispersa-se facilmente com estímulos irrelevantes para a tarefa que está a realizar. A criança tem problemas em orientar a sua atenção de acordo com um processo organizado de prioridades a conceder aos estímulos que o meio lhe vai fornecendo.
Os sintomas que são indicadoras de falta de atenção, a qual adquirirá características patológicas se, com frequência, forem verificados pelo menos seis deles, são os seguintes:
- Não prestar atenção suficiente aos pormenores ou cometer erros por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou noutras actividades lúdicas;
- Ter dificuldade em manter a atenção em tarefas ou actividades;
- Parecer não ouvir quando se lhe dirigem directamente;
- Não seguir as instruções e não terminar os trabalhos escolares ou outras tarefas;
- Ter dificuldade em organizar-se;
- Evitar as tarefas que requerem esforço mental persistente;
- Perder objectos necessários a tarefas ou actividades que terá de realizar;
- Distrair-se facilmente com estímulos irrelevantes;
- Esquecer-se com frequência de actividades quotidianas ou de algumas rotinas.
A hiperactividade
Problemas no controlo dos movimentos do corpo, uma excessiva actividade motora e uma necessidade de estar em constante movimento, são as manifestações essenciais da criança hiperactiva.
Assim, uma criança hiperactiva deverá apresentar persistentemente os seguintes sintomas:
- Movimentar excessivamente as mãos e os pés e mover-se quando está sentado;
- Levantar-se na sala ou noutras situações em que se espera que esteja sentado;
- Correr ou saltar excessivamente em situações em que é inadequado fazê-lo;
- Ter dificuldade para se dedicar tranquilamente a um jogo;
- Agir como se estivesse ligado a um motor;
- Falar em excesso.
A impulsividade
A impulsividade tem manifestações a nível emocional e cognitivo. A falta de controlo emocional leva a criança a agir sem reflectir e sem avaliar as consequências dos seus actos, numa busca imediata de satisfação do desejo sentido. Por outro lado, a baixa tolerância à frustração conduz a manifestações de irritabilidade, em consequência das tensões criadas pelos comportamentos imprevisíveis, e à labilidade afectiva com reflexos na auto-estima.
A nível cognitivo, as manifestações de impulsividade afectam sobretudo o desempenho escolar. Um comportamento cognitivo impulsivo leva a criança a responder aos estímulos sem um processo adequado de análise da informação percebida. Assim, pode apresentar dificuldades nas tarefas como a leitura, a escrita e a matemática.
Uma criança impulsiva deverá apresentar persistentemente os seguintes sintomas:
- Precipitar as respostas antes que as perguntas tenham acabado;
- Ter dificuldade em esperar pela sua vez;
- Interromper ou interferir nas actividades dos outros (intrometer-se nas conversas ou nos jogos).
Diagnóstico
O diagnóstico deve ser feito por um profissional de saúde capacitado, geralmente neurologista, pediatra ou psiquiatra. O diagnóstico pode ser auxiliado por alguns testes psicológicos ou neuropsicológicos, principalmente em casos duvidosos, como em adultos, mas mesmo em crianças, para o acompanhamento adequado do tratamento.
No entanto, o diagnóstico baseia-se na avaliação dos sintomas, sendo que muitos dos sintomas descritos podem, em algum momento, ser observados em qualquer criança, fruto da sua natural irrequietude, o que não quer dizer que ela sofre de qualquer perturbação.
Um correcto diagnóstico deve, por isso, seguir os seguintes critérios:
Quantidade - Devem estar presentes pelo menos seis dos sintomas de falta de atenção ou de hiperactividade-impulsividade;
Duração - Tiverem persistido por um período mínimo de seis meses com uma intensidade que é simultaneamente desadaptada e inconsistente com o nível de desenvolvimento do indivíduo;
Início - Tiverem início antes dos sete anos de idade (antes da idade escolar)
Contexto - Acontecerem em dois ambientes ou contextos diferentes (escola e casa, por exemplo);
Provas - Existirem provas claras de um défice claramente significativo do funcionamento social e académico ou laboral;Exclusão - Ter a certeza que os sintomas não são devidos a outra perturbação mental.
Causas
As causas exactas que conduzem à DDAH não são conhecidas, apesar de existirem evidências claras da existência de alterações neurológicas e neuroquímicas (ao nível dos neurotransmissores - dopamina) do cérebro, nomeadamente alterações nas áreas frontais do cérebro, responsáveis pelas funções executivas.
Vários são os estudos sobre esta matéria que apontam diferentes hipóteses de causas, como sendo um provável peso da hereditariedade e de características bioquímicas, bem como de factores pré-natais, como o uso de álcool e drogas durante a gravidez ou complicações intra-uterinas, e peri-natais.
Outros estudos ainda debruçaram-se sobre a influência da dieta alimentar na DDAH e que permitiram descobrir correlações, embora não tenham sido capazes de explicar com clareza o seu mecanismo de funcionamento. Na verdade, parece que alguns açúcares, corantes e conservantes têm alguma relação com as DDAH.
Embora o conhecimento das causas que conduzem à DDAH permita o diagnóstico mais rigoroso desta problemática e possibilite a adopção de medidas preventivas, os pais e educadores devem preocupar-se menos com a busca das causas (já que é tão imprecisa a sua determinação) e mais com as medidas que reduzam o impacto desta desordem na vida das crianças.
Tratamento
O processo de intervenção da DDAH deve englobar várias metodologias e estratégias de intervenção, como sejam a farmacológica e a comportamental.
Se por um lado, a intervenção farmacológica pode ser essencial, sobretudo nos casos de maior gravidade em termos de frequência e intensidade dos comportamentos disruptivos, por outro lado, se não for complementada com uma intervenção comportamental, os seus benefícios poderão ser apenas residuais.
O tratamento comportamental deve basear a sua linha de actuação em três vertentes: o treino dos pais, o tratamento centrado na criança e a intervenção centrada na escola, com o objectivo de reduzir a frequência de comportamentos inadequados e aumentar a frequência de comportamentos desejados.
Adultos informados e conhecedores dos sintomas da DDAH, serão capazes de estruturar os ambientes de tal forma que o comportamento da criança se torne adequado e sinta sucesso. Desta forma, em vez de se esperar que seja apenas a criança a modificar-se, é o ambiente onde ela interage que se deve modificar e ajustar por mediação do adulto. Ao adulto compete, ainda, providenciar encorajamento para que os comportamentos adequados se repitam.