Compreender a depressão
A depressão pode afectar pessoas em qualquer fase da vida, embora a incidência seja mais elevada nos adolescentes e adultos jovens, principalmente entre os 24 e os 35 anos. Os dados epidemiológicos sugerem que a idade de início está a diminuir e que a prevalência da depressão tem aumentado entre as gerações mais jovens.
As mulheres têm um risco significativamente mais elevado, cerca de 3 vezes superior aos homens, de apresentar perturbações depressivas. Também a existência de história pessoal ou familiar de depressão origina um risco duas a três vezes maior de desenvolver episódios depressivos. O isolamento constitui também um factor de risco para a depressão, o que poderá explicar a sua maior prevalência entre os divorciados, separados ou viúvos, particularmente no sexo masculino.
A ocorrência de acontecimentos adversos como a perda de familiares, separação conjugal ou desemprego está também associada à existência de episódios depressivos. Entre as gestantes o parto pode precipitar episódios depressivos, principalmente durante o primeiro ano pós-parto.
Perturbações depressivas
Entre as perturbações depressivas destacam-se a perturbação depressiva major, a perturbação distímica e a perturbação bipolar que se diferencia das anteriores pela existência de episódios maníacos.
A perturbação depressiva major é caracterizada por um ou mais episódios depressivos major (EDM), ou seja, pelo menos duas semanas de humor depressivo ou perda de interesse, acompanhado pelo menos por quatro sintomas adicionais de depressão. Os principais sintomas que caracterizam um EDM são: humor deprimido, alterações significativas dos padrões do sono e do apetite, agitação ou lentidão psicomotora, perda de energia, falta de interesse por actividades agradáveis, sentimentos de culpa ou de desvalorização, perturbações da memória, da atenção ou da concentração e ideação suicida.
A história natural da depressão apresenta geralmente uma fase prodrómica, com sintomas não correspondentes aos critérios de diagnóstico, que pode durar semanas ou meses antes do início de um EDM completo. A duração do EDM é muito variável, podendo ultrapassar os quatro meses. Na maioria dos casos há remissão completa dos sintomas, no entanto em cerca de 50 por cento dos casos ocorrerá um novo episódio, o que conduz ao diagnóstico de depressão recorrente e, em cerca 20 por cento dos casos a depressão segue um curso crónico sem remissão, principalmente na ausência de terapêutica adequada. Alguns doentes podem estar vários anos sem episódios, enquanto noutros a recorrência é frequente e aumenta com a idade, mas o número de episódios anteriores permite prever a probabilidade de ocorrência de novos EDMs.
O diagnóstico da depressão é fundamentalmente clínico, uma vez que não existem marcadores biológicos para esta patologia nem meios auxiliares e complementares de diagnóstico.
Tratamento
A terapêutica antidepressiva recorre à psicoterapia e ao uso de psicofármacos, de forma isolada ou combinada para obter uma resposta clínica que conduza à melhoria da qualidade de vida, da funcionalidade individual, do desempenho laboral e da integração social.
A terapêutica farmacológica e as estratégias de tratamento evoluíram significativamente nas últimas décadas. Na actualidade o especialista dispõe de um arsenal terapêutico mais diversificado, efectivo e seguro que lhe permite uma optimização dos recursos, tendo em conta as características do doente, a severidade e a fase de evolutiva da doença.
São consideradas três fases distintas na evolução da doença, cada uma delas com objectivos terapêuticos distintos: a fase aguda, a fase de continuação ou estabilização e a fase de manutenção.
Fase Aguda
Esta fase corresponde ao período desde o diagnóstico até à remissão dos sintomas, geralmente de 8 a 12 semanas. O objectivo terapêutico consiste na remissão dos sintomas e considera-se que esta ocorre quando estão presentes duas condições: o doente está assintomático e recuperou o funcionamento psicossocial. Habitualmente, o início do tratamento é feito com a menor dose que assegure alguma efectividade terapêutica, para minimizar os efeitos adversos, ajustando gradualmente a dose até atingir uma resposta adequada. Durante as primeiras semanas, é essencial o especialista assegurar a monitorização clínica e reavaliar as condições psiquiátricas, nomeadamente o risco de suicídio.
Fase de continuação ou estabilização
Esta fase tem uma duração média de 6 meses e o seu objectivo é a prevenção de recidivas e a eliminação de sintomas residuais. Quando o doente estiver assintomático após 6 meses de terapêutica considera-se que ocorreu a recuperação do episódio, a qual será confirmada pela ausência contínua de sintomas depressivos após a suspensão da medicação. No entanto, mais de 1/3 dos doentes com depressão major recidivam no primeiro ano após a remissão inicial, a maioria deles nos primeiros quatro meses.
Fase de manutenção
Tem como principal objectivo a prevenção de novos episódios (recorrências). Os doentes que apresentem três ou mais episódios de depressão major nos últimos cinco anos devem prolongar a terapêutica. A duração óptima desta fase é variável, podendo ser de seis meses a cinco anos, embora alguns doentes possam necessitar de tratamento indefinidamente.
Os primeiros medicamentos antidepressores que foram produzidos - os antidepressivos tricíclicos (ADT) - inibem de forma não selectiva a recaptação da serotonina e a noradrenalina e interferem com receptores para outros neurotransmissores pelo que originam frequentemente diversos efeitos adversos, alguns deles graves. Por essa razão, foram desenvolvidas posteriormente outros fármacos visando aumentar a segurança e efectividade terapêutica.
Assim, aos antidepressores tricíclicos e aos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), juntaram-se os inibidores selectivos da recaptação da serotonina (ISRSs), os inibidores reversíveis da monoaminoxidase tipo A (RIMAs), e mais recentemente, os inibidores selectivos da recaptação da serotonina e da noradrenalina (ISRSNs).
O perfil de efeitos secundários de um medicamento é um factor importante na selecção da terapêutica, especialmente em doentes idosos e/ou com outras doenças concomitantes. Por isso, importa considerar que no início do tratamento quase todos os ISRSs podem provocar alguma agitação e que este efeito secundário em geral desaparece por si próprio.
Assim, a escolha da terapêutica para a depressão vai depender de múltiplos factores, nomeadamente do subtipo da depressão, das doenças e terapêuticas concomitantes que possam originar interacções medicamentosas, da experiência anterior com a medicação anti-depressiva, nomeadamente a resposta obtida na remissão de sintomas, a tolerabilidade, bem como os efeitos adversos ocorridos e o significado a eles atribuído pelo doente.