“Défice de Vitamina D num país de sol”
Qual o papel da suplementação de Vitamina D? Porquê e para quem? Estas foram algumas das questões e temas como a influência da vitamina D na saúde cardiovascular dos portugueses, em debate no encontro intitulado “Défice de Vitamina D num país de sol”, que se realizou no passado dia 4 de Julho, na Fundação Oriente, com o apoio da Jaba Recordati.
No encontro estiveram presentes profissionais de saúde numa discussão multidisciplinar sobre a “previsão do estado do tempo: saudável em todo o país” que contou com a participação de Manuel Teixeira Veríssimo1 na qualidade presidente da reunião com os oradores e especialistas António Marinho2, Carlos Aguiar3, Jorge Polónia4, José Pereira da Silva5 e Viriato Horta6.
Após proferidas as boas-vindas a assistente a moderadora do encontro científico fez uma pequena introdução lançando a questão central na perspetiva clinica da necessidade de falar sobre este tema – vitamina D num País de Sol? – lançando o repto ao professor Teixeira Veríssimo que presidiu a reunião.
Parece que a vitamina D serve para tudo e está em todos os tecidos, e a sua deficiência causa transtorno em quase todos os órgãos e doenças. Porquê esta preocupação agora a nível nacional e mundial? Poder-se-á falar de um Inverno da Vitamina D?
Seguiram-se breves introduções ao tema “Quo Vadis” Vitamina D pelos diferentes intervenientes/oradores. Na perspetiva reumática e osteoarticular (incluindo hiperparatiroidismo) o Prof. Pereira da Silva, na perspetiva do risco cardiovascular e doenças auto-imunes e virais, o Dr. António Marinho, na perspetiva dos cuidados primários e redução de risco o Dr. Viriato Horta, na perspetiva farmacodinâmica de como atua no nosso organismo a Vitamina D, o Prof. Jorge Polónia e finalmente na perspetiva cardiovascular, o Dr. Carlos Aguiar.
Existem duas fontes essenciais de vitamina D e duas formas de atuar no organismo. A hormona é a mesma mas atua de formas diferentes no nosso organismo por diferenciação da célula:
1. Sol – por exposição solar os raios UVB é capaz de ativar a síntese desta substância. O sol é responsável por 80 a 90% desta produção
2. Alimentações – apesar de estar presente em alimentos de origem animal, sobretudo peixes gordos, lacticínios, ovos, iscas de fígado, estes alimentos não possuem a quantidade de vitamina D que o organismo necessita (aporte muito pequeno seria necessário comer toneladas para garantir melhoria do aporte alimentar de V2 e V3).
A Vitamina D pode ser sintetizada pelo organismo, através da pele, daí poder dizer-se que se trata de uma hormona - Hormona Colecalciferol. A otimização da produção cutânea de vitamina D (colecalciferol) está dependente dos níveis de radiação de UVB, dos tipos de pele (escala de 1 a 6), tempo de exposição solar de acordo com tabelas publicadas (tempo sub-eritema) e utilização de protetores solares (a partir de nível 10 já bloqueia 90% de vitamina D, serão necessários 20 a 30 minutos e não fazer escaldão).
Alguns dos benefícios e usos da Vitamina D:
- Fortalece os ossos. Esta hormona é necessária para a absorção do cálcio pelos ossos. Pode ser responsável pelo raquitismo na infância e pela osteoporose nos adultos.
- Fortalece os músculos. A fraqueza muscular nos idosos e as quedas frequentes estão muitas vezes associadas à deficiência de Vitamina D.
- Importante na gravidez: a sua falta, no primeiro trimestre da gravidez pode levar a interrupção involuntária da gravidez e no final da gravidez pode ser responsável por pré-eclâmpsia.
- Para controlar e prevenir a diabetes. A produção de insulina pelo pâncreas requer Vitamina D. Alguns estudos mostraram que, em crianças, o risco de desenvolverem diabetes tipo1 pode ser muito reduzido com um suplemento desta vitamina.
- Protege o coração, diminuindo o risco de doenças cardiovasculares e permite um maior controle da Hipertensão arterial.
- Tratamento de doenças auto-imunes, como por exemplo o Lúpus ou a Artrite reumatóide. A vitamina D é um imunoregulador que inibe seletivamente o tipo de resposta imunológica que provoca a reação contra o próprio organismo. O tratamento de doenças auto-imunes com vitamina D é recente, mas é visto por especialistas como um grande avanço da medicina. Esta substância mostra um efeito anti-inflamatório nestas doenças.
- Prevenção e tratamento de alguns tipos de cancro. A falta de Vitamina D favorece o aparecimento do cancro da mama e próstata, entre outros.
- Doença de Alzheimer.
- Outras patologias, como a dismenorreia e a enxaqueca.
Doseamento e défice de vitamina D
A vitamina D é única entre as vitaminas, pois funciona como uma “hormona” e pode ser sintetizada na pele a partir da exposição à luz solar. Portugal é um país de sol e está assumido no senso comum que todos podem ter acesso os níveis de vitamina D adequado. Para sintetizar a vitamina D nas doses diárias necessárias e evitar a carência da substância, seria necessário uma exposição solar diária entre 15 e 20 minutos sem ou com proteção U.V. inferior a 8 (um protetor com fator 8 inibe a retenção de vitamina D em 95% e um fator maior praticamente inibe toda a produção da substância). Os braços e pernas devem estar expostos, pois a quantidade de vitamina D que será absorvida é proporcional à quantidade de pele que está exposta.
O problema é que grande parte do ano não nos expomos ao sol e só os meses de verão não são suficientes para cobrir as necessidades sobretudo de quem vive no meio urbano. Também as pessoas de pele escura e os idosos necessitam de um período mais alargado de exposição ao sol para cobrirem as necessidades e carências de vitamina D. A questão da carência de vitamina D nos casos dos idosos e com o envelhecimento da população levou o Professor Teixeira Veríssimo a destacar o conceito de “Frailty” ou síndrome de Fragilidade (muito comum nos idosos com mais de 75 anos e associado ao aumento de risco de quedas).
Evidências recentes correlacionam níveis insuficientes de vitamina D ao desenvolvimento ou agravamento de algumas patologias crónicas aumentando o seu risco, tais como doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, demência e osteoporose, entre outras.
Como é possível saber se temos défice de Vitamina D? Através de uma análise de sangue, podemos ter este indicador. Trata-se de uma análise comparticipada já prescrita por muitas especialidades (doseamento da 25-hidroxivitamina D), sobretudo a doentes de risco (pessoas com pouca exposição solar, pele escura, idosos, grávidas e lactantes, mulheres pós-menopáusicas, obesos, insuficiência hepática e ou renal, doentes auto-imunes, etc.). Pessoas que se expõem pouco são sobretudo os que se encontram institucionalizados, acamados e em países onde se usa muita roupa.
Quando tomar suplemento de Vitamina D?
Como quase todos os suplementos e, apesar da baixa toxicidade, não devem ser tomados suplementos de Vitamina D sem o aconselhamento médico. Quando o doseamento da 25-hidroxivitamina D é inferior ao valor recomendado, o médico, além de recomendar a tal exposição ao sol de 15 a 20 minutos por dia, pode aconselhar uma suplementação de Vitamina D.
A segunda parte do encontro foi marcada pelo debate sobre o tema tendo intervenções individuais de cada um dos palestrantes sobre a problemática da Vitamina D e os benefícios de suplementação.
Existe atualmente uma consciência conjunta da importância da Vitamina D na saúde pública e a preocupação já é à escala mundial pois, mesmo nos países onde há muito sol, como é o caso de Portugal, existe deficiência desta hormona (98% dos idosos com mais de 65 anos tem défice). Mas a vitamina D não é vista ainda como prioritária. Em Portugal, mesmo os médicos tomam menos suplementos de vitamina D e outros do que em outros países embora já peçam análises.
A discussão científica em torno dos benefícios da suplementação de vitamina D é atual e está cientificamente aceite. É importante referir que na maioria dos casos, os estudos ainda são recentes e apesar da grande variabilidade não são suficientes para que as conclusões finais sejam tiradas, ou seja, a eficácia dos dados experimentais ainda está por comprovar em grandes estudos controlados. A área de reumatologia está mais estudada e a cardiovascular menos estudada.
No final houve espaço para os palestrantes deixarem uma recomendação para a prática clínica quotidiana e as take home messages. A deficiência de vitamina D é causa e consequência de doenças como as auto-imunes que criam resistência à absorção, sendo portanto importante na prevenção da doença e de quedas no caso dos idosos e transversal a várias patologias como a fraqueza muscular a nível cardíaco.
Faltam estudos médicos e científicos mas trata-se de um problema social e de saúde pública. O défice de vitamina D é regra nos idosos, ou seja, a prevalência da deficiência de vitamina D é praticamente constante em idosos. Além do idoso há muitos medicamentos que interferem com síntese da vitamina D no organismo. Nos diabetes tipo I a precocidade da suplementação é fundamental. Trata-se de um problema prevalecente associado a várias patologias e sintomas e recomendam suplementação pelos benefícios e pela intervenção segura. Em tom de provocação foi mesmo referido em jeito de conclusão que não choca pensar que grande parte da população portuguesa precisa de suplementação.
1Professor Manuel Teixeira Veríssimo atual presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e tem como competência a subespecialização em geriatria e regente da cadeira (CHUC – Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra) e está ligado à American Geriatric Society.
2Dr. António Marinho – Médico de Medicina Interna da Unidade de Imunologia Clínica do Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto (HSA-CHP), está ligado à Sociedade Portuguesa de Medicina Interna como coordenador núcleo doenças auto-imunes. Tem uma afinidade científica muito grande com as doenças auto-imunes, destacando a lúpus e o papel da vitamina D neste tipo de doentes.
3Carlos Aguiar Cardiologista e Councillor of the Board da Sociedade Europeia de Cardiologia (SEC) e ex- secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Cardiologia
4Dr. Jorge Polónia, Professor de Medicina, Departamento de Medicina da Faculdade Medicina da Universidade do Porto e Consultor de Medicina e Hipertensão Arterial e Risco Cardiovascular, Hospital Pedro Hispano, Matosinhos com a Especialidade: Medicina Interna, Farmacologia Clínica
5O Dr. José António Pereira da Silva dedica-se à prevenção e tratamento das doenças reumáticas, Director do Serviço de Reumatologia do H. S. Maria
6Dr. Viriato Horta, especialista de Medicina Geral e Familiar na Clínica Europa