Cuidados Paliativos Pediátricos

Dar vida na morte

Atualizado: 
01/06/2016 - 12:21
Estima-se que existam cerca de 6 mil crianças, em Portugal, com necessidades paliativas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, este tipo de cuidado está longe de ser o desejado no nosso país, considerado o Estado europeu menos desenvolvido na área. À conversa com a enfermeira Teresa Fraga, impulsionadora destes cuidados, ficamos a entender que os paliativos pediátricos não são sobre a morte, mas sim sobre ajudar as crianças e famílias a viver em pleno quando enfrentam problemas médicos complexos.

Durante muito tempo, em Portugal, não existiu legislação sobre Cuidados Paliativos Pediátricos. Sabe-se, aliás, que até Fevereiro de 2013 era o único país da Europa Ocidental sem atividade reconhecida, na área, pela  International Children’s Palliative Care Network. Desde então tem-se assistido a uma evolução, ainda que lenta, na prestação deste tipo de cuidados.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os Cuidados Paliativos Pediátricos (CPP) “são cuidados totais que se devem iniciar desde o diagnóstico até ao final da vida”. “É uma definição bastante complexa, uma vez que, numa criança, estes cuidados podem acompanhá-la até à fase adulta. Tratam-se de situações que, ao contrário dos adultos, se traduzem frequentemente em quadros de evolução mais prolongada, tendo um elevado impacto nas crianças, nas suas famílias e, até mesmo, nos serviços de saúde”, explica Teresa Fraga, enfermeira e membro da Associação No Meio do Nada, que tem lutado para a existência de uma unidade exclusiva de Cuidados Paliativos Pediátricos no país.

“Tratam-se de cuidados ativos e globais, para corpo, mente e espírito e que incluem, igualmente, o apoio do suporte familiar, em crianças com o diagnóstico de uma doença sem cura”, acrescenta Teresa.

A Organização Mundial de Saúde defende, por isso mesmo, que os prestadores de cuidados devem ser capazes de avaliar e aliviar o sofrimento físico, psicológico e social da criança.

“Paliativo quer dizer que não há melhoras e as patologias são muito variadas. Por isso, os paliativos na criança são diferentes dos adultos”, explica.

“Na criança, a fase paliativa pode acompanhá-lo até à idade adulta e é muito importante atendermos às suas necessidades ao logo da vida. Devem ser acompanhados por uma psicóloga, uma educadora ou professor para que tenham, dentro do possível, um desenvolvimento igual a qualquer outra criança”, explica Teresa Fraga.

Dados revelados em 2013 mostram que, no nosso país, existem cerca de 6 mil crianças com necessidades paliativas.

Estima-se que 51 por cento morre durante primeiro ano de vida, em consequência de doenças neuromusculares, cardiovasculares e de alterações congénitas e genéticas sem cura.

“A doença oncológica é a que menos mata nestes casos. O cancro pode ter cura. As doenças que exigem este tipo de cuidados são doenças crónicas bastante complexas”, refere a enfermeira.

“Há, naturalmente, excepções. Dou-lhe o exemplo de um caso de uma criança com doença neuromuscular que morreu com 11 anos. A verdade é que tem havido uma maior aposta neste tipo de cuidados, que pode levar ao aumento da esperança de vida destas crianças”, explica.

No entanto, admite que os profissionais de saúde ainda estão “muito voltados para a cura e é preciso mudar as mentalidades”.

De acordo com a European Association for Palliative Care as crianças com indicação para Cuidados Paliativos dividem-se em quatro grupos:

 “Grupo 1 - Crianças em situação clínica que ameaça a vida e em que um tratamento curativo é possível mas que pode fracassar, e para os quais o acesso aos cuidados paliativos pode ser um recurso necessário para associar às estratégias curativas e/ou se o tratamento falhar (exemplos: prematuridade, cancro, falência de órgão(s) irreversível);

Grupo 2 - Crianças em situação de morte prematura e inevitável, mas que podem vivenciar períodos de tratamento intensivo, com o intuito de prolongar a vida e permitir a possibilidade de participarem em actividades normais da vida diária (exemplo: Fibrose Quística);

Grupo 3 - Crianças em situação de doença progressiva sem opção de tratamento curativo viável, sendo o tratamento exclusivamente paliativo podendo frequentemente prolongar-se por vários anos (exemplos: Doença de Batten, Mucopolissacaridoses, Distrofia Muscular);

Grupo 4 - Crianças em situação irreversível mas não progressiva da doença, com necessidades de saúde complexas, que frequentemente conduzem a complicações e aumentam a probabilidade de morte prematura (exemplos: Paralisia Cerebral grave, Deficiências múltiplas que afectem a espinal medula ou o cérebro).”

De entre algumas das recomendações desta associação europeia, que orientam a prestação dos cuidados paliativos, Teresa Fraga, lamenta que algumas não tenham “sustentabilidade” na realidade do nosso país.

A European Association for Palliative Care defende, por exemplo, que os cuidados devem ser prestados desde o diagnóstico onde a criança/família desejarem e que  todas as crianças devem ter direito a este tipo de cuidado, independentemente das condições socioeconómicas e da cultura da sua família.

“A verdade é que, por vezes, as famílias não têm condições para continuar a cuidar das suas crianças em casa. Por outro lado, os hospitais também recusam alguns doentes por falta de condições”, revela a cuidadora.

“Infelizmente, existem apenas unidades de cuidados paliativos para adultos e ainda não há equipas definidas para apoiar as crianças”, acrescenta.

Quando as crianças podem regressar a casa são referenciadas pelo Centro de Saúde da área de residência e continuam a ser acompanhadas pelo médico assistente.

“O que acontece quando ficam em casa dos pais é que um dos progenitores acaba por ter de abandonar o seu emprego para acompanhar a doença do filho. Habitualmente, são as mães que ficam com esta responsabilidade a seu cargo. Sabemos que as condições financeiras da maioria destas famílias são parcas e, esta situação traz o seu agravamento”, revela.

“Acabam por viver em condições bastante precárias”, lamenta Teresa.

Para além da pressão financeira, a doença traz em si o cansaço, o desespero de quem com ela lida diariamente.

“Há famílias que não aguentam a pressão e acabam por se desmembrar. Na maior parte dos casos estas crianças ficam com as mães que acabam esgotadas e sem apoio”, refere.

Foi a pensar no bem-estar destas crianças e suas famílias que nasceu a Associação No Meio do Nada. “A associação nasceu pela mão de profissionais de saúde e pais que tiveram os filhos nos cuidados paliativos”, conta.

“Nós observávamos muitos pais desesperados e foi a pensar neles que achámos que devia existir um local onde os pudéssemos apoiar”, explica a enfermeira.

Na realidade, o grupo queria ser uma âncora de retaguarda. “Para isso temos uma equipa de psicólogos que acompanha as mães. Habitualmente deprimidas, têm de ser apoiadas a nível do domicílio para que possam ter tempo para elas. O cuidador tem de descansar”, justifica.

“Uma das limitações nestes casos, por exemplo, é que estas crianças crescem e as mães passam a ter dificuldade em cuidar da sua higiene. Elas precisam de ajuda, na prática, para cuidar dos filhos e muitas sofrem com medo que lhe aconteça alguma coisa (como adoecer, por exemplo) e não terem quem cuide das crianças”, acrescenta.

“A rede pública não dispõe sequer de uma unidade ambulatória onde possam deixar os filhos enquanto vão trabalhar. Muitas destas mães queriam poder continuar a trabalhar. Muitas têm cursos superiores e lamentam não poder estar no mercado de trabalho”, afirma Teresa Fraga.

“Para estas mães ou pais trabalhar acaba por ser muito importante a nível psicológico e o que nós pretendemos é que as famílias que apoiamos sejam famílias unidas, equilibradas, saudáveis”, explica.

Ainda enquanto associação de apoio pensaram na criação de uma unidade de cuidados paliativos pediátricos. “Foi um caminho longo, mas felizmente ainda este mês será inaugurada a primeira unidade de cuidados paliativos pediátricos da Peninsula Ibérica, resultado do nosso esforço, do nosso trabalho e da nossa dedicação”, conta feliz.

“Esta unidade – o Kastelo – tem uma filosofia própria: «dar vida» e integrar a família no cuidado dos filhos e vai acolher crianças, e respectivas famílias, de todo o país”, explica.

“Iremos ter atividades para as mães, pais e irmãos, que muitas vezes são esquecidos ao longo de todo este processo”, refere a enfermeira que ainda hoje se emociona a falar dos casos dos quais tem cuidado ao longo dos anos.

“É dificil distanciarmo-nos de cada caso. É impossivel desligarmo-nos do que vivemos com estas crianças... Recordamo-nos sempre de cada aniversário que passámos juntos, mesmo depois de partirem”, confessa. 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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