“As crises epiléticas não são todas iguais”
“A Epilepsia é uma doença cerebral que se caracteriza pela ocorrência de crises epiléticas e pela predisposição existente no cérebro, permanente ou duradoura para gerar estes eventos de forma espontânea”, começa por explicar Carla Bentes, Neurologista e autora do manual “Epilepsia - Conceitos, Diagnóstico e Tratamento”, editado pela LIDEL.
De acordo com a especialista, estas crises epiléticas ocorrem quando, de forma súbita, existe uma atividade elétrica excessiva “ou muito síncrona” de um grupo de células cerebrais ou neurónios.
“Este eventos são em geral transitórios, autolimitados e dão origem a diferentes sintomas ou sinais clínicos”, que dependem da localização cerebral da atividade elétrica anómala.
No entanto, chama a atenção para o facto desta doença ser muito mais do que as crises que a definem, “pelo que se incluem nesta definição de doença também as suas possíveis consequências físicas, cognitivas, psicológicas, comportamentais ou sociais”.
Embora possa surgir em qualquer faixa etária existem, no entanto, dois picos de incidência para a epilépsia, um na infância e outro no adulto com mais de 65 anos. “Tem havido uma tendência progressiva para o aumento da incidência de epilepsia depois dos 65 anos nos países industrializados”, esclarece a especialista.
As causas podem ser diversas, desde genéticas a adquiridas, “e cuja importância varia com a idade do paciente”.
“Na maioria das crianças e adolescentes a epilepsia é devida a defeitos de gene existentes nos neurónios, que fazem com que estes se desorganizarem na sua atividade normal. Nos adultos e idosos, habitualmente as causas são traumatismos cranianos devido a acidentes motorizados e outros”, acrescenta José Pimentel, neurologista e diretor da Consulta de Epilepsia no Hospital de Santa Maria.
Acidentes Vasculares Cerebrais, infeções e tumores do sistema nervoso central e ainda as doenças neurodegenerativas estão entre os principais os fatores de risco “para uma epilepsia adquirida”.
“Numa percentagem importante de doentes, a causa pode não ser conhecida”, revela a responsável pelo Laboratório de EEG/Sono no Departamento de Neurociências e Saúde Mental, do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria.
Quanto aos principais sintomas, Carla Bentes esclarece que “as crises epilépticas não são todas iguais”, podendo manifestar-se de forma diferenciada.
No entanto, destaca as mais conhecidas: as convulsões. “O doente perde a consciência e tem movimentos bilaterais e simétricos dos membros, assumindo posturas anormais e tendo abalos rítmicos”, refere acrescentando que estas crises significam que a descarga neural anormal se encontra difundida pelos dois hemisférios cerebrais.
“Contudo, muitas crises são frequentemente mais subtis e as suas manifestações dependem da zona cerebral onde a atividade neural anómala se inicia ou se propaga”, justifica.
Para além de fenómenos motores, podem ocorrer ainda sintomas sensitivos, visuais, cognitivos ou emocionais.
“Depois da crise muitos doentes mantêm por um período variável de tempo (chamado período pós-crítico) alguns sintomas como desorientação, alterações da fala, cefaleias, ou sonolência”, acrescenta a neurologista.
Embora possam existir algumas complicações associadas à Epilepsia, ligadas à própria crise, como os traumatismos (maiores ou menores) ou “ligados ao facto da pessoa ser epiléptica, como, por exemplo, a depressão (dificuldades de inserção social, de emprego) ou efeitos acessórios da própria medicação”, a verdade é que, em regra, o doente pode ter uma vida igual tão normal quanto possível.
Os medicamentos antiepiléticos orais integram o tratamento mais frequente para a epilepsia e o seu uso deve prolongar-se entre dois a quatros anos, “conforme a idade da pessoa ou outras circunstâncias mais particulares sem qualquer crise”.
De acordo com José Pimentel, a suspensão da medicação deve ser encarada com especial cuidado. “É necessário que o doente seja avisado que tem uma possibilidade de 25 a 30% de voltar a ter crises. Significa portanto, que a medicação é suspensa com sucesso numa percentagem muito considerável de casos”, refere.
“Outras modalidades de tratamento são as dietas especiais (ditas citogénicas), mais frequentemente dadas nas crianças com epilepsias muito graves e a cirurgia. Esta, cada vez mais realizada, nomeadamente no nosso país, não pode ser extensiva a todos os casos, na realidade, apenas uma pequena parte, cerca de 10% das pessoas, têm indicação para tal”, acrescenta o coordenador e co-autor do manual “Epilepsia- Conceitos, Diagnóstico e Tratamento”.
Não obstante o tipo de tratamento indicado, o doente deve ter alguns cuidados como não beber álcool, dormir bem e fazer sempre a medicação prescrita pelo médico. “É evidente que este regime pode ser aligeirado de acordo com muitas circunstâncias mas as regras foram feitas para serem cumpridas”, reforça o neurologista.
Por outro lado, deve evitar algumas práticas desportivas, como mergulho, escalada, desportos motorizados ou paraquedismo.
“A condução em pessoas com epilepsia está regulamentada mas a perspectiva de reiniciar a condução é grande na maioria dos casos”, acrescenta.
O que fazer perante uma crise epiléptica?
De acordo com Carla Bentes é essencial manter a calma, tentar proteger o doente do perigo e registar a duração da crise.
De acordo com a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia, se testemunhar uma crise convulsiva generalizada, com queda e abalos musculares generalizados:
1. Permaneça calmo e vá controlando a duração da crise, olhando periodicamente para o relógio;
2. Coloque a toalha ou um casaco dobrado debaixo da cabeça da pessoa;
3. Quando os abalos (convulsões) pararem coloque a pessoa na posição lateral de segurança;
4. Permaneça com a pessoa até que recupere os sentidos e respire normalmente;
5. Se a crise durar mais do que cinco minutos, chame uma ambulância,
Não introduza qualquer objeto na boca nem tente puxar a língua.
Não tente forçar a pessoa a ficar quieta.
Não lhe dê de beber.
“No entanto, o que deve fazer também deverá ser adaptado ao tipo de crise. Se a crise epilética for mais súbtil, por exemplo somente com perturbação do contacto e alguns movimentos automáticos, deve permanecer junto da pessoa, não restringindo os seus movimentos, excepto em caso iminente de perigo, e afastar atecipadamente o perigo da pessoa”, reforça Carla Bentes.
Quando a crise dura mais de cinco minutos ou ocorre uma repetição sucessiva de crises sem que que exista recuperação da consciência no seu intervalo, deve contatar as linhas de emergência.
Foi a pensar na complexidade de uma doença que incide sobre 65 milhões de pessoas em todo o mundo, que o manual “Epilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento”, foi pensado.
Escrito com a participação de 38 especialistas, o novo livro da LIDEL pretende contribuir para o enriquecimento e aquisição de novos conhecimentos sobre a patologia, possibilitando a todos uma melhoria na qualidade de vida.
Com uma crescente observação do aumento de internamentos de doentes em Crises Epiléticas nas enfermarias de medicina ou neurologia, e com um aumento exponencial de consultas de Epilepsia em Portugal, este novo livro ensina a viver com a doença e com as suas múltiplas consequências que passam tanto por défices cognitivos, perturbações psicológicas ou mesmo estigmatização social.
“Calcula-se que duas a nove pessoas em cada 100 têm epilepsia. Em Portugal, estima-se que existam pelo menos 50 mil casos”, conclui a neurologista Carla Bentes.