Crianças portuguesas estão mais sedentárias e têm menos liberdade para brincar
“Estamos numa situação caótica. As nossas crianças estão fechadas, amarradas, em casa, não têm liberdade de ação, não vão a pé para a escola, não brincam na rua. Estamos a viver uma situação insustentável, o que designo por sedentarismo infantil”, disse o coordenador do estudo português, Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.
O estudo português – Independência de Mobilidade das Crianças – data de 2012, mas só em agosto foi publicado, integrado num estudo internacional pelo instituto britânico Policy Studies Institute, denominado Independent Mobility: An International Comparison (Mobilidade Independente: Uma Comparação Internacional).
O estudo português concluiu que há alterações necessárias de políticas públicas “mais ousadas”, pensadas para as crianças para inverter a atual situação: políticas que permitam aos mais novos brincar e desfrutar do espaço exterior, que permitam uma maior harmonização entre a vida familiar, escolar e em comunidade, e políticas urbanas que incluam uma planificação “mais amiga” das crianças e as encare como parte integrante e participante da sociedade.
“[…] não temos cidades preparadas para as crianças. Não há qualquer convite à atividade física. […] Temos as crianças muito sentadas e pouco ativas. Precisamos de uma verdadeira revolução na forma como podemos tornar as crianças mais ativas e com mais saúde, física e mental”, disse Carlos Neto.
O coordenador do estudo defende que em Portugal as crianças têm cada vez menos liberdade para serem crianças e fazerem coisas necessárias ao seu crescimento como correr, nadar, dançar, subir às árvores. Afirma que se estão a criar crianças “imaturas e sedentárias” e que as consequências se vão pagar a médio e longo prazo.
“Não é só a obesidade, são também as doenças cardio-vasculares, as relacionadas com o foro emocional e afetivo, e, acima de tudo, com uma socialização difícil para as crianças do nosso país poderem fazer. Temos que mudar a escola, o estilo de vida das famílias. […] Estamos convencidos que isto tem consequências no sucesso escolar e no grau de felicidade das crianças, porque vão ter dificuldades de adaptação na vida adulta”, disse.
O professor da Faculdade de Motricidade Humana recordou que “estudos demonstram que crianças mais ativas e com maior socialização no recreio aprendem mais dentro da sala de aula, têm mais sucesso escolar”.
Um dos aspetos estudados neste trabalho, o trajeto casa-escola, mostra que apenas 35% das crianças com 8 ou 9 anos vão a pé para a escola e que nesta faixa etária nenhuma vai de bicicleta. As que são levadas de carro são a grande maioria (56%).
“Aqui vai tudo de carro para a escola. As crianças visualizam o espaço físico pelo vidro do automóvel. Estamos a criar uma situação desesperada. Valia a pena por isto em discussão em campanha eleitoral”, defendeu Carlos Neto.
Só por volta dos 12 anos a grande maioria das crianças portugueses inquiridas neste estudo (80%) teve permissão para ir sozinha para a escola, ou atravessar sozinha estradas municipais. Só aos 15 anos a maior tem autorização para andar sozinha de transportes públicas ou para circular de bicicleta sem supervisão em estradas principais.
O estudo demonstra também que as diferenças entre litoral e interior são cada vez mais esbatidas e que ao nível do sedentarismo os comportamentos são os mesmos.
Os 16 países que integraram este estudo foram, e por ordem de classificação em termos de mobilidade independente das suas crianças, a Finlândia, a Alemanha, a Noruega, a Suécia, o Japão, a Dinamarca, a Inglaterra, França, Israel, Sri Lanka, Brasil, Irlanda, Austrália, Portugal e Itália (empatados em 14º lugar) e África do Sul.
“O estudo português realizou-se em seis áreas diferentes de Portugal que se consideram ser representativas de cinco tipologias territoriais distintas: centro da cidade (centro de Lisboa); urbano (Matosinhos e Linda-a-Velha); suburbano (Brandoa), pequena cidade (Silves) e rural (Redondo). Nesta investigação participaram 16 escolas e 1099 crianças e respetivos encarregados de educação. […] questionários foram aplicados a crianças e jovens do 3º ao 10º ano de escolaridade, com idades entre os 8 e os 15 anos”, explica a ficha técnica do estudo.