Conviver com a dor fibromiálgica
Lara tem 42 anos e foi diagnosticada com Fibromialgia há quase 10. No entanto, explica que a sindrome teve um ano de evolução até ao momento do diagnóstico.
“Comecei por ter dores esporádicas, ora num braço, ora no outro, até que foi afetando, cada vez mais, outras partes do corpo. E eram dores que não passavam com analgésicos”, começa por contar.
“A dor passou a ser uma constante na minha vida e comecei ter dificuldades em dormir, ou seja, as minhas noites de sono eram terríveis, e psicologicamente comecei a andar muito em baixo”, acrescenta.
Aos 15 anos de idade foi-lhe diagnosticada a doença de Crohn e talvez, por isso, numa fase inicial não tenha suspeitado que esta dor generalizada pudesse “ser algo mais”. Sabe-se, aliás, que uma das consequências desta doença inflamatória do intestino é a dor das articulações.
“Decidi falar com a minha gastrenterologista porque comecei a achar que esta situação podia esconder algo mais. Estava a ficar fora de controlo...”, justifica.
Ao fim de três meses de dor, Lara não aguentava fazer uma caminhada sequer. Durante o percurso para casa não conseguia esconder as lágrimas e o desespero.
“Pensa-se que existe um aumento de sensibilidade à dor, devido a alterações dos neurotransmissores e do processamento da dor, que leva a situações de hipersensibilidade a estímulos externos”, explica António Vilar, coordenador do serviço de Reumatologia do Hospital Lusíadas.
De acordo com o especialista, a fibromialgia consiste num “conjunto de sintomas e sinais muito variados, e que incluem dor generalizada musculo-esquelética, que se prolonga por mais de três meses e se acompanha de fadiga intensa, com alteração da qualidade do sono e deterioração cognitiva”.
António Vilar refere ainda que “existe um aumento da sensibilidade a estímulos diversos com o stress, o esforço ou ruídos” e que falta de força e vontade para realizar as tarefas diárias, cansaço intenso ou sensação de esgotamento físico são consequências dessa condição.
Para além da dor, da fadiga e a alteração da qualidade do sono – que se traduz em insónias - , classificados como sintomas clássicos desta síndrome, ela pode fazer-se acompanhar ainda “de quadros tipo colon irritável, queixas urinárias, dores de cabeça e manifestações neuropsiquiátricas com irritabilidade fácil, problemas de memória e atenção em doentes perfeccionistas e com baixa autoestima”.
Formigueiro ou sensação de adormecimento do corpo ou extremidades, descritos também como rigidez articular, podem ocorrer.
Apresentando muitos destes sinais, a gastroenterologista de Lara encaminhou-a, de imediato, para um especialista em reumatologia.
“A médica fez um exame de despiste que consiste em tocar em determinados pontos do corpo e disse-me que tinha 90% de probabilidades de sofrer de fibromialgia”, conta Lara.
António Vilar, reumatologista, explica que o diagnóstico “é feito pelo conjunto de sintomas e pelo exame objetivo que passa pelas pesquisa exaustiva dos pontos dolorosos, integrado nas restantes queixas”. E salienta que a Fibromialgia “coexiste com outras doenças reumáticas inflamatórias crónicas, o que dificulta ainda mais o diagnóstico, que não tem análises laboratoriais nem meios de imagem específicos”, confirmando-se após a exclusão de outros diagnósticos reumatológicos, psiquiátricos, gastroenterológicos e “até ginecológicos”.
“Fiz depois vários exames e, entretanto, começaram a surgir outros sintomas como a rigidez matinal. De manhã, assim que punha os pés no chão eu não me conseguia endireitar, por exemplo, e a minha memória passou a ser bastante afetada. Esqueço-me de praticamente tudo. Numa conversa, eu esqueço-me de algo que me disseram ou que eu disse há segundos”, acrescenta Lara.
Explica, com desanimo, que a qualidade de vida se vai perdendo. “Não nos sentimos bem connosco próprios”. E admite que a confirmação do diagnóstico caiu como uma bomba na sua vida.
“Eu meti na cabeça que a médica me ia dizer que eu não tinha nada. Foi dificil, e deixei-me ir abaixo”, confessa explicando que não aceitava ter de lidar com mais uma doença crónica.
“Acabei por mudar tudo na minha vida e, admito, este tem sido um percurso bastante atribulado”, diz.
“As minhas crises, quando são mais fortes, chegam a durar 15 dias. E tenho dias muito complicados, em que só me apetece chorar e em que não me apetece sair da cama. Nesses dias penso «hoje fico, desisto» e quem está ao nosso lado, é muito importante também para a nossa recuperação, tem de ter muita paciência”, explica a jovem.
Apesar da reumatologista a ter aconselhado a consultar um psicólogo Lara não quis. “Acho que precisei de processar tudo o que se estava a passar comigo. Conseguir aceitar por mim a doença, que ainda está em fase de evolução”, justifica.
António Vilar explica que a dor generalizada, característica desta sindrome, “afeta a qualidade de vida familiar, profissional e social dos doentes”. “Importa, no entanto, esclarecê-los que esta síndrome não destrói as articulações, e em quase metade das mulheres tende a extinguir-se com o correr dos anos”, acrescenta.
“No início eu não queria que se soubesse que sofria de fibromialgia. A nível profissional é complicado entenderem que há dias em que não conseguimos agrafar uma folha, por exemplo. Acham que é fita quando dizemos que sentimos dores, que estamos exaustos. Dizem «ah mas tu estás com bom aspecto, como é que dizes que tem dores o dia todo?», conta Lara que “abrir o jogo” com a sua chefe não foi fácil.
“Só para terem uma ideia, coisas do dia-a-dia que são tão banais, para um fibromialgico podem ser uma tortura. Eu não aguento com um litro de leite, por exemplo. Um prato mais pesado parece pesar uma tonelada! Não consigo abotoar um casaco e, às vezes, abrir uma porta ou certos recipientes é um sacrifício.”, explica.
Diz que o simples ato de segurar o telemóvel enquanto faz uma chamada lhe provoca dores inimagináveis. “Tenho de usar auricular! E, para que percebam o quão dura pode ser esta sindrome, às vezes lavar o cabelo é extremamente penoso. Não consigo descrever as dores que sinto só de ter os braços levantados...”, acrescenta
Desde o seu diagnóstico, Lara toma relaxantes musculares e antidepressivos. Foi aconselhada a praticar exercício físico com regularidade. “A minha reumatologista aconselhou-me a praticar yoga, isto porque se ficarmos parados os músculos começam a enrijecer. Por outro lado, se fizermos um desporto mais intenso, temos mais dores”, conta.
De acordo com António Vilar, reumatologista, os especialistas devem “enfatizar a necessidade de exercício físico regular, em condições adequadas, como piscina aquecida, hidroginástica, seguindo um plano personalizado”, por fim a melhorar a qualidade de vida do doente. “Técnicas de relaxamento físico e psíquico, alternando com exercícios de carga progressiva que podem incluir yoga, pilates ou shiatzu” também são recomendados.
Mas mais importante é, de acordo com este especialista, desdramatizar o quadro e “assegurar que a fibromialgia não retira anos de vida, não necessita de cirúrgias, nem atinge outros órgãos”.
Lara vai vivendo um dia de cada vez. Tenta sorrir perante as adversidades e agradece ter ao seu lado uma família e amigos pacientes, nos quais vai buscando força quando a ela lhe falta.