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Contratos de criopreservação das células estaminais são “abusivos”

Deco critica linguagem técnica e a ausência de um seguro de responsabilidade civil que cubra eventuais danos ao cliente, entre outros aspetos, e vai pedir ao Parlamento uma lei que regule estes bancos.

O marketing agressivo dos bancos de criopreservação das células estaminais há muito que vem sendo denunciado, nomeadamente pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) que já em 2012 criticava as promessas de aplicações irrazoáveis propagandeadas pelos diferentes laboratórios que fazem a recolha e a criopreservação de células e tecido do cordão umbilical. Agora é a Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor que acusa aquelas empresas de apresentar contratos "abusivos" aos pais que optam pela criopreservação.

“Os contratos apresentados pelos três bancos privados analisados revelam um forte desequilíbrio entre as responsabilidades atribuídas às empresas de criopreservação e os clientes”, escreve aquela associação na revista Dinheiro & Direitos, que sai esta quarta-feira, num artigo que resulta de uma leitura à lupa dos contratos oferecidos pela Crioestaminal, Bebé Vida e Criovida. “Caso haja falhas na análise, no processamento ou na criopreservação, os bancos privados limitam-se a fazer corresponder o valor de uma eventual indemnização ao montante que os clientes pagaram pelo serviço”, exemplifica a Deco, qualificando tal prática como “claramente insuficiente”. Mais: “Os contratos nada referem quanto ao que sucede às amostras caso os bancos fechem portas, o que é inadmissível”.

Por outro lado, e além de apelar ao uso de uma linguagem mais acessível nos contratos que os pais são levados a assinar, a associação de defesa dos consumidores lembra que os bancos deviam ser obrigados a contratar um seguro de responsabilidade civil “que cubra eventuais danos causados ao cliente”. "Basta imaginar o caso de um banco que feche as portas, fazendo o cliente perder o acesso à amostra", sustenta a Deco. Nem de propósito, esta terça-feira, a Stemlab, dona da marca Crioestaminal, anunciou a compra dos ativos da Cytothera, em que se incluem as posições contratuais nos contratos entre a Cytothera e os clientes para os serviços de criopreservação do sangue e do tecido do cordão umbilical.

Entre os reparos da Deco encontra-se o facto de todas as empresas obrigarem à compra de um kit de recolha (cerca de 90 euros), pago em separado, mas não preverem qualquer reembolso caso os pais não cheguem a utilizar o kit, face à ocorrência de um aborto involuntário, por exemplo. Além disso, em caso de litígio, as empresas impõem aos clientes um determinado tribunal, obrigando os clientes de comarcas distantes a suportarem despesas de deslocação.

Perante a falta de pagamento dos pais, a Crioestaminal, por exemplo, exige receber metade das quantias devidas ou que ainda viriam estar em pagamento (os contratos são por 25 anos). "Esta imposição é abusiva. Da falta de pagamento não resultam prejuízos concretos para a empresa, já que esta pode recusar-se a prestar o serviço", conclui a Deco. Por último, se as empresas incorrerem em incumprimento, os contratos preveem apenas a restituição do dinheiro pago pelos pais. Ora, "o bem jurídico 'vida' é um conceito, por natureza, de difícil quantificação e não corresponde seguramente apenas ao valor pago pelo cliente aquando da celebração do contrato", alega a Deco, pera concluir que "em caso de litígio, será o tribunal a fixar o montante da indemnização".

Considerando ser necessário “criar legislação que regule devidamente a atividade dos bancos privados”, a Deco propõe-se fazer chegar as suas conclusões ao Ministério da Saúde e ao Parlamento. O jornal Público tentou sem sucesso obter uma reação dos responsáveis pelos laboratórios visados.

Os apelos à regulação da atividade dos bancos privados de criopreservação das células e do tecido do cordão umbilical são, de resto, antigos. Em 2012, o CNECV acusava já o recurso a estratégias de marketing “agressivas e pouco transparentes” e assentes em promessas de aplicações irrazoáveis. Em Julho passado, o presidente do CNEVC na altura em que o parecer foi emitido, Miguel Oliveira e Silva, garantia que o parecer continuava atualíssimo, e que o silêncio do Estado em torno da criopreservação das células estaminais configura uma cedência clara aos interesses dos privados.

Por estes dias, há pelo menos cinco empresas com bancos de criopreservação em Portugal (Bebé Vida, Criovida, Bioteca, Cytothera e Crioestaminal), a que se soma o Instituto Valenciano de Infertilidade, com banco em Portugal mas vocacionado para a recolha de amostras em Espanha, cuja legislação permite a conservação destas células em bancos privados mas não prevê a exclusividade, ou seja, obriga a que a amostra possa ser usada para uso universal.

Acrescem ainda pelo menos três empresas (Future Health, BebéCord e Criobaby) que fazem recolha mas recorrem a bancos externos. Enquanto a oferta privada foi ganhando força, o Lusocord, o banco público de armazenamento de células estaminais, criado em 2009 e que nos anos seguintes chegou a recolher 28.500 amostras, foi desaparecendo entre problemas de subfinanciamento e acusações de gestão danosa. A maior parte das amostras acabou invalidada, por suposta contaminação, e a atividade do banco chegou a estar suspensa.

Em 2013, Hélder Trindade, então presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, que tutela o Lusocord, , anunciou que o banco público tinha reaberto e que queria chegar ao fim desse ano com 500 amostras validadas. Já em meados de 2016, o mesmo Hélder Trindade (que se demitiu em Setembro, dias depois de a Direcção-Geral de Saúde ter permitido a dádiva de sangue por parte de homossexuais e bissexuais, alegando “razões pessoais” e foi entretanto substituído por João Paulo Almeida e Sousa) reconhecia ao PÚBLICO que o banco não passara ainda das 463 amostras criopreservadas.

No público ou no privado, as células presentes no cordão umbilical podem ser usadas no tratamento de mielomas, leucemias, linfomas e neoplasias mieloproliferativas. Atualmente está a ser investigada a sua aplicação no tratamento de problemas como diabetes, doenças cardíacas, paralisia cerebral ou autismo, mas aqui a sua eficácia não está ainda comprovada. Apesar disso, muitos laboratórios alegam que sim, na publicidade que fazem aos seus serviços. A diferença entre o público e os privados é que no primeiro a recolha é gratuita e a amostra é incluída numa base que é disponibilizada para doentes compatíveis de todo o mundo, ao passo que nos privados as famílias pagam entre 1000 e 2500 euros para assegurarem que a amostra se mantém para seu uso exclusivo por 25 anos.

Fonte: 
Público Online
Nota: 
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