Entrevista

Cessação tabágica: médico de família tem um papel determinante no sucesso do tratamento

Atualizado: 
16/12/2020 - 15:32
O tabaco é uma das principais causas evitáveis de doença e morte prematura, estimando-se que vitime um português a cada 50 minutos. De acordo com alguns estudos, apesar de 80% dos fumadores mostrarem vontade em deixar de fumar, a verdade é que apenas uma pequena percentagem consegue abandonar o vício. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Marcos Mesquita, de Medicina Geral e Familiar, explica a importância desta intervenção ao nível dos cuidados de saúde primários.

O tabagismo é a primeira causa evitável de doença, incapacidade e morte prematura nos países desenvolvidos, estando associado às principais causas de morte a nível mundial. Neste sentido, começo por perguntar-lhe a que patologias está o tabaco diretamente relacionado?

Por ordem de patogénese direta, a doenças dos sistemas Respiratório (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), com o risco infecioso que lhe está associado, e agravamento de outras doenças já presentes, como Asma) e Cardiovascular (Doença Arterial Coronária (DAC), Vascular Periférica, as suas manifestações major como Enfarte Agudo do Miocárdico e Acidente Vascular Cerebral (AVC), e Hipertensão Arterial), a neoplasias de inúmeros órgãos e a doenças dos sistemas Endócrino (Diabetes mellitus tipo 2), Tegumentar (degradação cutânea precoce) e Neuropsiquiátrico (dependência), omitindo muitas outras em prol do laconismo.

Qual a prevalência das doenças respiratórias, incluindo o cancro no pulmão, em Portugal?

Os dados de prevalência, ao contrário dos de incidência, são escassos. Contudo, à data de cada estudo, a prevalência da DPOC em Lisboa foi estimada em 14,2%, da Asma em Portugal em 6,8%, e os “utentes saídos” de hospitais anualmente com diagnóstico de cancro da traqueia, brônquios e pulmão seriam de cerca de 5560.

Apesar do tabaco contribuir para uma morte a cada 50 minutos em Portugal e de alguns estudos indicarem que cerca de 80 por cento dos fumadores expressam vontade de deixar de fumar, a verdade é que apenas uma percentagem muito pequena de fumadores consegue ter êxito. Na sua opinião porque isto acontece?

Tentando aliar a medicina à metafísica e à filosofia, diria que está relacionado com o prazer, a ansiólise e a integração social (portanto, às dependências física e psicológica) que o tabagismo proporciona, que num mundo em que os seres humanos estão marcadamente expostos a factores agressores psicoemocionais, é um mecanismo de coping muito eficaz, não obstante muito prejudicial para a saúde.

Basta ter vontade própria ou é necessário ter acompanhamento médico?

A força de vontade é essencial, mas na grande maioria dos casos insuficiente. São raros, cerca de 5% dos fumadores que tentam a cessação tabágica, os casos de sucesso sem acompanhamento médico.

Um dos argumentos utilizados é que fumar é difícil por causa dos sintomas de privação do tabaco. Que sintomas são estes e de que modo pode condicionar o sucesso da cessação tabágica?

São predominantemente psicológicos, como ansiedade, angústia, frustração, insónia, irritabilidade, dificuldade de concentração, compulsão para consumo tabágico e aumento do apetite, que muito claramente aliciam o fumador em tentativa de cessação a retomar o consumo para combate dos mesmos.

Qual o papel do médico de família no âmbito da cessação tabágica? E porque é importante que cada vez mais clínicos prestem este apoio ao nível dos cuidados de saúde primários?

O papel do médico de Medicina Geral e Familiar (MGF) é identificar, informar, oferecer ajuda, tratar e acompanhar a cessação, e eventualmente referenciar para consulta especializada de cessação tabágica. A importância deve-se a que ele é, idealmente, o contacto mais acessível e frequente dos utentes com os cuidados de saúde, e detentor de conhecimentos de todas as áreas necessárias à cessação tabágica, sendo capaz de oferecer uma abordagem holística do problema, e tendo, portanto, muito potencial para o abordar e resolver.

Em que consiste a consulta de cessação tabágica e que elementos devem integrar este processo, uma vez que esta deve contar com uma equipa multidisciplinar?

É muito variável, dependendo do grau de formalização dessa valência, que será diferente em diferentes Unidades de Cuidados de Saúde Primários (CSP) e em diferentes Unidades Hospitalares, mas globalmente consiste numa avaliação pelo médico, com colheita de história clínica centrada no tabagismo, negociação de estratégias de cessação, delineação de um plano de seguimento, e provavelmente prescrição de terapêutica farmacológica. Idealmente deverá ser feita em equipa com apoio de Enfermagem, Psicologia, Psicossociologia e Nutrição.

Em que consiste o “tratamento”? Os fumadores fazem terapia? Tomam medicação?

A abordagem é multidisciplinar e segue o lema da medicina de ser o menos invasiva possível desde que não sabote eficácia do tratamento. Tem como base estratégias relacionadas com alterações de estilo de vida frequentemente associadas farmacoterapia, como a Terapêutica de Substituição Nicotínica ou psicofarmacológica com fármacos dirigidos à cessação tabágica.

Quais os principais benefícios da cessação tabágica para a saúde?

Atendendo aos inúmeros malefícios do tabagismo, os benefícios são a melhoria ou mesmo reversão dos mesmos, nomeadamente a melhoria de sintomas respiratórios ao final de 1 a 9 meses, a diminuição do risco cardiovascular para metade ao final de 1 ano, a reversão total do risco acrescido para AVC ao final de 5 anos, a diminuição do risco de neoplasia pulmonar para metade (e diminuição do risco de todas as outras neoplasia relacionadas com o tabagismo) ao final de 10 anos e a reversão total do risco de DAC ao final de 15 anos, tudo isto sem referir a melhoria na aparência cutânea, na saúde oral, entre outros aspectos.

No âmbito deste tema, quais os principais conselhos?

No caso de não fumadores, o principal conselho é não fumar, é uma ação extremamente prejudicial para a saúde do mesmo e dos que o rodeiam e não tem qualquer benefício que não se encontre noutras ações incomparavelmente menos nefastas. No caso de fumadores ativos, o conselho é procurar ajuda para a sua cessação, em cuidados de saúde. No caso de fumadores passivos, o conselho é sensibilizar os fumadores ativos a cessar o consumo.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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