Artigo de Opinião

A biópsia líquida e a oncologia de precisão

Atualizado: 
23/03/2018 - 15:51
Um dos avanços que se está a implementar cada vez com mais força na prática clínica é a biópsia líquida, um tipo de análise especialmente eficaz na teranóstica oncológica.

Trata-se do estudo de uma amostra de sangue ou de fluído capaz de confirmar a origem e as características de determinados tumores com uma fiabilidade muito idêntica à da biópsia de tecido tradicional, mas de uma forma muito menos invasiva para os nossos doentes.

Esta técnica analisa o ADN e outros derivados tumorais presentes no sangue em que as alterações genéticas podem ser detetadas. Os testes genómicos que são usados para isso oferecem-nos novas alternativas para extrair amostras dos tumores, uma prática que nem sempre é fácil. Além de nos dar resultados mais rápidos, também nos permite monitorizar a doença para que possamos antecipar a sua evolução e adaptar o tratamento em cada momento às necessidades do doente de forma personalizada.

É mais uma ferramenta da chamada oncologia de precisão, com a qual os especialistas tentam encontrar um tratamento "alvo", ou seja, o que melhor atende às necessidades de cada doente. E não é fácil que um cancro seja igual a outro, mesmo que sejam chamados pelo mesmo nome, pois podem ser causados por diferentes alterações a nível molecular.

Na verdade, já existem soluções muito eficazes para a realização de biópsias líquidas em três dos tipos mais comuns de cancro: o pulmão, a mama e o cólon. Como prova, a agência de medicamentos dos EUA, a FDA, reconheceu recentemente que este sistema deve ser a primeira ferramenta de diagnóstico para o cancro do pulmão de células não pequenas.

Outras variantes oncológicas

Existem alguns tipos de tumores em que sabemos que é benéfico complementar os estudos em biópsia líquida com os de biópsia sólida, principalmente para aumentar as probabilidades de encontrar um tratamento mais preciso. Vou dar como exemplo um recente estudo retrospetivo de cerca de 50 amostras de cancro da próstata metastático, analisado usando soluções integrais de perfis moleculares da OncoDNA.

Esses estudos genómicos, que podem identificar mutações e outras alterações suspeitas, registaram que em 72% dos casos podem detetar-se pelo menos uma mutação nociva. Por outro lado, em 90% dos casos, poderiam recomendar-se opções terapêuticas alternativas: quimioterapia, terapia direcionada ou imunoterapia

No cancro de próstata, não é difícil encontrar um acumular de mutações que podem levar à progressão da doença e à resistência das terapias standard. Para que o clínico possa antecipar todas essas mudanças e personalizar os tratamentos ao máximo para cada doente (dependendo das alterações detetadas no tumor), deve considerar a medicina de precisão.

Gostaria de destacar um caso clínico específico: o de um doente com cancro da próstata metastático que já havia recebido terapia hormonal, sem muito sucesso, e que havia iniciado um tratamento baseado em taxanos. Após a obtenção do perfil molecular, utilizando o estudo OncoDEEP, determinou-se que o tumor do doente apresentava mutações prejudiciais e alta instabilidade dos microssatélites.

A integração desses resultados com a determinação da expressão diferencial de algumas proteínas permitiu identificar terapias mais direcionadas, imunoterapias e quimioterapias aprovadas que tiveram potenciais benefícios para este doente. Ou seja, serviu de guia para novas opções de tratamento mais precisas que melhoraram a sua resposta.

É um salto de qualidade no mundo da oncologia, o que facilita o trabalho do especialista e, consequentemente, melhora a qualidade de vida do doente. Estas ferramentas de precisão estão a marcar a nossa forma de fazer medicina: permitem-nos selecionar tratamentos mais específicos e personalizados para os doentes, especialmente para aqueles cujas primeiras terapias tenham falhado; e eles ajudam-nos a descartar aqueles que não são eficazes, com a consequente economia de tempo, custos e efeitos secundários.

Autor: 
Doutor Antonio López-Beltrán - director do Departamento de Anatomia Patológica do Centro Clínico Champalimaud de Lisboa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.