Violência contra as mulheres

Assembleia da República estuda criação de novos crimes

A Assembleia da República está a preparar um conjunto de alterações legislativas em matéria de violência doméstica e violência de género, que vai passar pela autonomização e pela criação de novos tipos de crimes na ordem jurídica portuguesa. Um deles é o da mutilação genital feminina. Em cima da mesa estão também os casamentos forçados, bem como a criminalização da perseguição.

Desde Março que um grupo de trabalho com deputados de todos os partidos está a analisar as implicações, para a legislação nacional, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica - ou, resumidamente, a Convenção de Istambul, já ratificada por Portugal e que entrará em vigor a 1 de Agosto. O objectivo passa por identificar as lacunas no quadro legal, face ao que está definido na Convenção. Os trabalhos vão-se estender para a próxima sessão legislativa. O jornal i fez o ponto da situação sobre as alterações que estão a ser analisadas.

Perseguição (stalking)
Se alguém telefonar todos os dias de madrugada para casa de uma pessoa, se lhe mandar insistentemente mensagens, se frequentemente a seguir nos locais que frequenta, o visado terá dificuldades em travar este comportamento na Justiça - a perseguição não está prevista no ordenamento jurídico português. Mas vai deixar de ser assim: quer entre as entidades ouvidas no parlamento, quer entre os vários partidos, a opinião geral é que este crime deve ficar previsto na lei.

O stalking - já criminalizado em vários países - pode ser traduzido como uma perseguição persistente que, podendo não envolver actos que, por si, constituam uma ameaça, se traduz numa invasão da privacidade. "Representa uma inibição da autodeterminação e da liberdade das pessoas", sublinha a deputada social-democrata Carla Rodrigues (que preside ao grupo de trabalho parlamentar), destacando que "face ao que está hoje no Código Penal não é possível um juiz condenar uma pessoa a manter-se afastada". Esse é, aliás, um dos pedidos da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) - "medidas de protecção e penas acessórias que façam face às concretas necessidades levantadas por este fenómeno", nomeadamente a proibição de contacto com a vítima.

Também o cyberstalking - a perseguição, mas na versão aberta pelas novas tecnologias, nomeadamente através das redes sociais - está a ser analisado.

Casamentos Forçados
No actual quadro legal um casamento forçado pode reportar-se aos crimes de sequestro ou coacção, mas não está tipificado no Código Penal. A Convenção de Istambul impõe a "criminalização da conduta de quem intencionalmente forçar um adulto ou uma criança a contrair matrimónio", e também de "quem intencionalmente atrair uma criança ou um adulto" para outro Estado, com o "intuito de os forçar a contrair matrimónio".

Na audição realizada no parlamento, o penalista Rui Pereira defendeu que se "devia criar um ilícito criminal novo", com penas "mais severas que as previstas para o crime de coacção". Entre os partidos, é ponto assente que este crime deve ficar previsto na lei. A Inglaterra criminalizou no mês passado os casamentos forçados, que passaram a ser punidos com a pena máxima de sete anos de prisão.

Mutilação genital feminina (MGF)
É o tema mais consensual dos vários que estão a ser analisados. Em cima da mesa estão dois projectos de lei - do CDS e PSD - já aprovados na generalidade, estabelecendo que a mutilação genital feminina seja autonomizada como crime (público) na lei. Actualmente, a MGF enquadra-se no crime de ofensas à integridade física - a ofensa corporal grave tem uma moldura penal entre os dois e os dez anos de prisão. Os diplomas em discussão estipulam penas até aos 12 anos para quem "mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino, através de clitoridectomia (extracção total ou parcial do clítoris), de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática". Os projectos prevêem ainda punições para quem constranger, incitar ou providenciar meios para esta prática. De acordo com números avançados pela secretária de Estado da Igualdade, Teresa Morais, registaram-se nove casos de MGF em Portugal desde Março.

Violação
Sobre este ponto há apenas uma certeza: o crime de violação vai sofrer alterações, nomeadamente quanto à obrigatoriedade de queixa da vítima (ver texto ao lado). Por decidir está outra alteração de peso: o crime deixar de assentar na existência de violência ou ameaça grave, tal como exige actualmente o Código Penal, passando a ser definido pelo não consentimento. A alteração constava de um projecto de lei do BE que chegou a ser aprovado na generalidade, mas foi depois chumbado em comissão (com as bancadas a apontarem uma questão de timing da votação e não de conteúdo). O BE garante que vai voltar a apresentar o projecto em Setembro, pelo que o tema vai voltar ao grupo de trabalho. O projecto do Bloco - que assenta também na Convenção de Istambul - refere que é no "não consentimento que se configura o atentado à autodeterminação e liberdade sexual, e as demais formas de violência usadas para a consecução do ato só podem ser entendidas como agravantes".

Violência doméstica
No âmbito das audições e pareceres que têm sido enviadas ao grupo de trabalho, outras questões têm vindo a ser levantadas. Uma delas reiteradamente, pelas associações que trabalham nesta área. É o caso da APAV, que destaca a necessidade de medidas de protecção imediata para as vítimas de violência doméstica. "Os tempos judiciais não se coadunam com as necessidades de segurança e protecção das vítimas", destaca a associação, sugerindo que os órgãos de polícia criminal passem a ter a possibilidade de emitir ordens de afastamento imediato do agressor - o "que pode corresponder ao afastamento de residência ou a uma proibição de contactos sob qualquer forma". A APAV sugere que a medida tenha um limite temporal, ficando entretanto sujeita à decisão de um juiz. Também a UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) aponta a "necessidade urgente" de uma "medida de polícia", "a aplicar imediatamente pelas autoridades policiais aquando da denúncia ou conhecimento do crime, que imponha ao agressor o seu afastamento da residência". 

Fonte: 
iOnline
Nota: 
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