Aprendizagem e Perturbações do Espectro do Autismo
Considerada uma disfunção do espectro do autismo, a Síndrome de Asperger é uma perturbação neurocomportamental que se manifesta, sobretudo, na interação social, na comunicação e no comportamento.
Embora as suas causas não estejam completamente esclarecidas, sabe-se que afeta maioritariamente crianças do sexo masculino.
Estas crianças, apesar de poderem apresentar alguns problemas na linguagem, não têm dificuldades de aprendizagem tão acentuadas como os autistas. Na realidade, elas apresentam, com alguma frequência, uma inteligência acima da média.
O seu comportamento, no entanto, leva a que sejam considerados excêntricos ou esquisitos, grande parte das vezes.
Daniel tem seis anos e, aos quatro, foi diagnosticado com Perturbação do Espectro do Autismo. Um dos principais sinais de alerta surgiu, exatamente, na área da comunicação.
“Nós perguntávamos qualquer coisa ao Daniel e se a resposta fosse não ele dizia não, mas se a resposta fosse afirmativa ele repetia a pergunta. Antes disso, tínhamos a sensação que, ao falarmos com o Daniel, ele não percebia nada do que estávamos a dizer”, começa por contar o pai, Nuno Delgado.
“Por fim, a parte comportamental: o Daniel não sabia reagir à frustração e fazia birras incontroláveis, que eram muito complicadas de parar”, acrescenta admitindo que, embora ainda as faça, as suas birras são hoje muito mais ligeiras.
Dados os alertas seguiram-se as consultas e os teste de despiste “através de uma consulta com o Dr. Fernando Santos, pedopsiquiatra do Hospital da Luz, onde fez uma avaliação especifica em relação à fala e desenvolvimento”. Tinha o Daniel três anos.
“No caso do Daniel esses testes iniciais foram inconclusivos, porque ele em termos cognitivos estava perto da linha de desenvolvimento, só falhando na parte da comunicação e compreensão”, recorda o pai.
Quando finalmente foi conhecido o diagnóstico, e apesar de todas as dúvidas e receios, Nuno e a mulher, Ana, decidiram arregaçar as mangas e fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para ajudar o Daniel.
“Foi como uma bomba, claro. Mas recompusemo-nos e dissemos: ok, o que é que temos de fazer para dar ao Daniel o melhor possível? E começámos a trabalhar com a equipa do Centro de Neurodesenvolvimento e Comportamento da Criança e do Adolescente, do Hospital da Luz, com a coordenação da Dra. Luísa Teles, e as terapeutas da fala e desenvolvimento, de maneira a começar a dar ferramentas ao Daniel para começar a comunicar e poder acompanhar, dentro do ritmo dele, as crianças da sua idade”, conta Nuno.
Aspectos como integração e acompanhamento a nível escolar são, agora, as principais preocupações de Nuno e Ana.
“O nosso sistema de ensino público não está preparado, convenientemente, para receber uma criança com este tipo de transtorno, uma vez que é necessário um acompanhamento muito individualizado”, justifica o pai de Daniel.
De acordo com Piedade Líbano Monteiro, presidente da Associação Portuguesa da Síndrome de Asperger (APSA), apesar de “em termos de lei das bases da educação e, no que diz respeito às necessidades educativas especiais, a nossa legislação estar muito bem estruturada, o problema é passar à prática”.
Quer isto dizer que, é preciso “gerir da melhor forma os recursos humanos e monitorizar o processo de integração destas crianças”.
Por outro lado, Piedade Líbano Monteiro refere a importância dos próprios professores estarem preparados para lidar com casos com este.
“Tudo seria diferente se, de facto, os professores tivessem preparação em PEAs no seu currículo. Regra geral não estão preparados para acolher estas crianças, mas existem exceçoes à regra e, cada vez mais, solicitam ajuda e tentam munir-se de meios para terem uma intervenção válida com as crianças”, afirma.
O trabalho desta associação passa também por esta área, dando apoio às escolas, sempre que solicitado, através do Projeto Gaivota. “O nosso trabalho é exatamente explicar o que é a Síndrome de Asperger e dar estratégias a pais e professores para melhor lidarem com esta problemática. Independentemente da sua formação de base, os professores devem ser pessoas vocacionalmente preparadas para este trabalho e com grande sensibilidade para poder «observar e sentir» o comportamento destas crianças”, explica a presidente da APSA.
“A disfunção dos nossos filhos não é visível, é comportamental o que complica tudo. O estar sentado durante muito tempo, o estarem expostas a vários estímulos sensoriais, o facto de serem alvo de inúmeras informações ao mesmo tempo, sem tempo para as decifrarem e relacionarem, é para eles uma tortura e motivo de tensão e faz com que estejam sempre distantes do que se passa na sala de aula. E depois ainda há temas que não lhes interessam mesmo”, acrescenta Piedade Líbano Monteiro, revelando que estas são as principais barreiras para uma criança com uma Perturbação do Espectro do Autismo (PEA).
Daniel não foge à regra. “A principal limitação do Daniel é o período de atenção que se consegue manter interessado. A nível de aprendizagem, aprende rápido as coisas que ele gosta muito, como as letras ou matemática”, revela Nuno.
A verdade é que, com dois anos, o Daniel já sabia o alfabeto em português e inglês. “E contava até 15”, acrescenta o pai afirmando que o filho aprendeu, tudo isto, sozinho “só de ver os vídeos na internet”.
Atualmente a frequentar o ensino pré-escolar, Daniel recebe todo o apoio que necessita para poder progredir. “Na escola é acompanhado pela educadora da sala que está sensibilizada para o problema do Daniel, e tenta, dentro das possibilidades, apoiá-lo e dar-lhe um pouco mais de foco e atenção quando necessário. Acaba por ser os nossos olhos dentro da sala, comunicando sempre as evoluções e regressões do Daniel”, explica o pai.
“Quando fui informada, pelo diretor pedagógico do Colégio, que iria receber uma criança com Perturbação do Espectro do Autismo, que necessitava de ser estimulada para se perceber o seu desenvolvimento cognitivo, fiquei apavorada”, admite Carla Ferreira, educadora de infância.
“Tenho 22 anos de serviço e foi a primeira vez que tive na minha sala uma criança com necessidades educativas especiais”, justifica explicando que não teve qualquer formação ou contato com esta realidade antes.
“Partilhei este receio com os pais, que iria dar o meu melhor mas que, efetivamente, não tinha nem formação nem experiência no acompanhamento destas crianças”, recorda.
“Os pais e as técnicas (que acompanham o Daniel) foram bastante compreensivos e, ainda hoje, existe uma partilha constante sobre as atividades, os sucessos ou fracassos e as estratégias que poderão ser usadas para melhorar o desenvolvimento cognitivo do Daniel”, afirma a educadora.
Uma vez que a sua maior dificuldade é a linguagem compreensiva e expressiva, Carla tem sempre algum cuidado quando lhe coloca alguma questão. “Quando o faço, específico de forma a facilitar a resposta. Por exemplo, se quero que ele me diga o nome de frutos, começo eu por dizer um ou dois para ele depois dar continuidade”, exemplifica.
Não obstante, também não faltam, aos pais, estratégias para o ajudar a superar as dificuldades.
Para além de criarem e manterem uma rotina, procuram antecipar os conteúdos desenvolvidos na sala de aula.
“Temos de criar espaços temporais de apoio, curtos e frequentes, para que o Daniel saiba que naquele dia, àquela hora, é aquilo que tem de fazer”, começa por explica Nuno Delgado.
“Temos um calendário feito por nós, pendurado no frigorífico, com fotografias e grafismos do que é para fazer todos os dias. Assim, se ele tiver dúvidas ou ficar baralhado, vai lá e vê o que tem de fazer”, afirma.
“Em termos de antecipação, pedindo a programação da semana à professora Carla, e usando-a para lançar pistas para que ele nos conte o dia-a-dia. Quando for para a primária, tentar antecipar as matérias para que ele vá mais bem preparado”, acrescenta.
No entanto, e apesar de tudo, para estes pais a integração é a chave do sucesso, independentemente das estratégias que possam ser usadas.
“O importante é incluí-los no meio de crianças sem este transtorno, de forma a ser-lhes «imposto» a maneira de estar, as suas práticas e métodos de aprendizagem. Uma resposta certa, em contexto de escola à professora, ou uma ida ao quadro com sucesso é, para estas crianças, valorizado duas vezes mais, aumentando-lhes a auto confiança”, afirma o pai.
Também a educadora garante que beneficiou não só o Daniel, como o resto da turma. “Todos os alunos da sala enriqueceram a sua formação pessoal e social. Tornaram-se mais responsáveis e mais crescidos ao “tomar conta” do Daniel”, revela.
“Quando recebi o Daniel e o apresentei ao grupo, disse-lhes que íamos ter um menino especial que precisava da nossa ajuda e do nosso carinho. E tem sido assim ao longo destes dois anos”, acrescenta Carla Ferreira.
“O Daniel é muito protegido e muito acarinhado pelos colegas. Como é muito meigo as meninas disputam entre si quem lhe dá a mão. Os rapazes defendem-no, avisam-me quando lhe falta algum material, consolam-no quando está triste e partilham com ele brinquedos e brincadeiras”, conclui.