Opinião

Aceitação dos filhos pelos pais

Atualizado: 
28/05/2018 - 15:32
A adolescência (10-19 anos, OMS) é uma fase de transição da infância para a idade adulta, que maioritariamente decorre de forma adaptativa. Contudo, podem surgir dúvidas, dificuldades, doenças e conflitos que necessitam ser avaliados por profissionais competentes na área.

As duas grandes tarefas da adolescência: a autonomia e a identidade implicam várias aquisições:

1. Fisiológicas (desenvolvimento cerebral sobretudo de áreas como córtex pré frontal e sistema límbico que permitem a frenação de impulsos, e a aquisição do pensamento abstrato. A puberdade completa que definem um género (papeis espectáveis intrínsecos ao mesmo), e uma imagem corporal que pode ser ou não bem aceite) e aparecimento de emoções e sentimentos de carater sexual.

2. Sociais (integração num grupo de pares, adoção de comportamentos e ideologias identificativas desse grupo; a escola como sistema de socialização e cidadania além da família, contexto familiar com um sistema de crenças (religiosas, etnias, politicas), regras e padrões que podem ser ou não aceites – processo de coping -  Resiliência)

3. Psicológicas (o que sou, o que esperam de mim, que papeis desempenho... aquisição do pensamento abstrato, a maturidade física, a experiência de novos contextos (amigos, namoro, escola/faculdade), a definição de projetos futuros (faculdade/trabalho/sair de casa)

Resiliência - termo adquirido de um conceito da física “ capacidade de um material voltar ao seu estado original quando sujeito a uma força externa que o deforma” (sem existir fratura ou fragmentação) assim, nos adolescentes sujeitos a situações de “crise” (morte familiar, separação pais, rutura amorosa, abandono de amigos, mudança de residência, dificuldades escolares…) têm de recorrer a recursos internos e externos para superar essa dificuldade até atingir novo equilíbrio (geralmente com maior ganho de capacidades e descoberta de “novos recursos”)

 Associados à resiliência os 7 C:

Competência - Efetividade (aérea académica, familiar, social) autonomia

Confiança - Crença nas suas capacidades (em quem me vou tornar - Identidade) a criança e jovem com laços fortes com família, amigos escola e comunidade têm maior sensação de segurança e evitam a procura de alternativas destrutivas para ter atenção e afeto.

Conectividade - Relações fortes Família/ amigos (segurança)

Carácter - Saber o que é o certo e tomar decisões acertadas, sentido de moralidade, associado a valores positivos (identidade)

Contribuição - Papel contributivo para a sociedade (empatia/ compaixão) (identidade)

Controlo (gerir emoções) - Controlo dos resultados das suas ações e decisões (desenvolvimento neuro cognitivo e social)

Coping - Aptidões e capacidades mais eficazes para superar desafios (baseado muito no sistema familiar (aprendo por exemplificação dos meus pais… poder do “ver fazer” é maior do que apenas a oralidade (daí o provérbio faz o que te digo e não o que faço ser muito errado) … na adolescência também a rede alargada amigos, percurso escolar/desportivo, espiritualidade…)

Os adolescentes não são todos iguais. Existem estádios de maturação fisiológica e psicológica e Formas de expressão emocional e psicológica inerentes ao género.

Quanto ao mal-estar psicoemocional as raparigas com mais sintomas de internalização (ansiedade, choro, alteração humor, Auto lesões, alteração padrão alimentar) e os rapazes mais com sintomas de externalização (comportamento de oposição, agressividade, absentismo escolar, consumos) 

Os adolescentes a aprenderem a serem adultos “saudáveis”, a cuidarem de si:

Dificuldades de aceitação dos filhos pelos pais podem estar associadas a vários fatores:

Sistemas educacionais (autoritarismo/ permissividade ou ausência total de regras/ autoritativo: o ideal)

Pais autoritários diminuem a autoconfiança; há controlo pelo medo: risco de reação com conflituosidade franca (fugas, absentismo escolar, consumos, sexualidade em idade mais jovem), ou desenvolver processos de fobia/perturbação de ansiedade tipo pânico, depressão, auto-lesões, fraca capacidade de adaptação a situações novas, dificuldade em definir projetos futuro. Muitas vezes replicação deste padrão nas relações e filhos futuros (nomeadamente violência no sexo masculino e submissão no sexo feminino)

Pais permissivos – dificuldade em definir os limites entre as duas gerações (pais como “melhores amigos”) nas crianças e adolescentes pode desencadear situações de falta segurança (regras definem um ambiente mais controlado e seguro), rotinas (refeições, hora de dormir, horas de estudo, horas e tipos de atividades desportivas/lúdicas, horas de chegar a casa quando se sai com amigos), ausência de sanções ajustadas e conhecidas a problemas (incapacidade de lidar com frustração, incapacidade de gerir conflitos com outros, dificuldade em organizar tarefas nomeadamente escolares, experimentação/consumos). 

Pais autoritativos – flexibilidade nas regras em função da maturidade e comportamento dos filhos, reforçam positivamente capacidades dos filhos. 

Atualmente, com um número crescente de divórcios e reconstituição de famílias a conflituosidade dos pais muitas vezes mantém-se. Neste caso podem surgir dificuldades na perceção de problemas dos filhos e aceitação das mudanças que neles ocorrem. 

Comparação entre filhos (a individualidade e as capacidades intrínsecas a cada filho podem ser difíceis de valorizar, sobretudo se o 1º filho não “deu problemas” e o segundo é uma “dor de cabeça”)

Projeção das vivências dos pais nos filhos (pode não ser tão obvia, mas tendencialmente o ser humano tem tendência a recorrer ao que conhece e experienciou… reforçando ou antagonizando essas experiências (“como fui muito reprimido agora vou dar tudo ao meu filho” ou “eu na tua idade também queira sair e meu pai não deixava…não sabia nada da vida e tu também não sabes”)

Conflito de ideais/ crenças (orientação sexual, opção de namoro por uma etnia diferente, não querer casar, gravidez na adolescência, a interrupção voluntaria da gravidez, a contraceção na adolescência)

Poder do grupo de pares (desejo de fazer tatuagem/piercing/pintar cabelo de cor diferente, inicio do namoro/ experimentações)

Medo de falhar (os pais muitas vezes sentem-se culpabilizados por situações que os adolescentes experienciam: o engravidar, o consumir drogas, as auto lesões e ideações suicidas, o ter uma orientação sexual diferente), esta situação pode levar a situações de maior rigidez nas regras ou aboli-las de todo, dificultar a socialização, dificultar o diálogo… muitas vezes os pais esquecem-se que podem pedir ajuda (outros familiares, técnicos saúde, amigos…). O pior mal é não dar uma resposta a uma solicitação de um adolescente (mesmo que tenha de ser transitoriamente protelada… “vou pensar no que me pediste e amanhã de manhã falamos”)

Exigência/expectativas demasiado elevadas (muitos adolescentes não conseguem, mesmo que se apliquem, de atingir bom resultados na escola; contudo podem ser ótimos atletas. E vice-versa). O planeamento dos projetos futuros pode passar por um curso profissional em vez de um curso na faculdade por exemplo. E é de todo errado castigar um adolescente que adora o seu desporto onde se sente capaz e valorizado, proibindo-o de treinar só porque não tem bons resultados escolares (geralmente desmotiva-os mais…)… o desporto é um local onde se treinam regras (treinadores também ajudam os pais no processo educativo e podem ser também uma pessoa significativa para o adolescente a quem podem pedir ajuda), socialização (amigos), desenvolvem aptidão física e ajudam também no percurso escolar ( maior concentração, mais memória…)

Poder da comunidade (“o que os outros irão falar”… muitas vezes os pais até compreendem a situação dos seus filhos mas a pressão da família/comunidade envolvente impede-os de manifestar esse apoio… assim cria-se no adolescente uma revolta porque os pais que seriam seus pontos de força e segurança dicam desacreditados e gera-se um conflito geracional)

Não reconhecer outras pessoas significativas na vida dos filhos (professores, treinadores, outros familiares)

Sinais de alarme para os pais de adolescentes:

1. Quebra de rendimento escolar ou faltas às aulas injustificadas:

Esteja sempre atento (calendário escolar, época de exames, contacte regularmente o diretor de turma;

Acompanhe o rendimento escolar do seu filho – identifique as suas dificuldades e, sem crítica, ajude-o a superá-las. Se necessário, solicite apoio (explicador, outro familiar, aulas de apoio na escola);

Ajude-o a planear tarefas e assim ser mais autónomo;

Não castigue o insucesso com retirada do desporto e outras atividades que promovem o seu bem-estar e saúde.

2. Mentiras, ocultação de quando, onde, com quem estão:

A ausência de regras ou “demasiadas” regras podem levar o adolescente a experimentar situações de risco;

A confiança deve ser trabalhada através de regras claras, moldadas à maturidade do seu filho. Devem estar definidas as “sanções” antes da “quebra das regras”; 

Tente perceber o ponto de vista do seu filho e negoceie com ele o que pense ser seguro e razoável. Evite escaladas de argumentação e contra-argumentação;

Uma boa comunicação assenta na confiança e responsabilização.

3. Abandono de atividades que lhes eram prazerosas (futebol, dança, teatro, música):

Muitas vezes os adolescentes perdem interesse em atividades que anteriormente gostavam sem que isso seja um problema. Mudam de amigos, gostam de estar “sem fazer nada” no seu quarto…;

Contudo uma quebra brusca sobretudo associada a “mal-estar”, evitamento de abordar o assunto, pode estar subjacente uma situação de risco (bullying, abuso, “não se sentirem capazes ou suficientemente bons” (exigência elevada ou demasiadas expectativas dos outros), “dificuldade na imagem/ orientação sexual”, “depressão”, “problemas na família”…)

4. Isolamento (em casa, do grupo de amigos…), choro fácil:

Muitas vezes associadas ao foro mental (ansiedade, depressão, auto lesões, ideação suicida), independentemente da causa subjacente.

5. Alterações do comportamento (irritabilidade permanente, heteroagressividade, insónias, queixas somáticas recorrentes (cefaleias, toracalgia, dor abdominal sem causa “orgânica” aparente):

Atenção que existem diferenças na vivência do mal-estar entre rapazes (+ mudanças de comportamento, consumos, absentismo escolar) e raparigas (choro, tristeza, insónias, sintomas psicossomáticos, Auto lesões);

A imaturidade neuro cognitiva (pensamento abstrato só após 16 anos) impede-lhes de muitas x terem insight dos seus problemas e expô-los numa conversação como nos adultos.

6. Auto-lesões (Cortes, arrancar cabelos, queimaduras com cigarros…) Usar roupa comprida mesmo no verão para esconder as marcas:

Muitos adolescentes tentam ocultar dos pais os sinais de mal-estar… que normalmente vão em crescendo nas situações mais graves e associadas a “clusters” de fatores de risco

7. Mudança brusca de amigos (amigos com comportamentos de risco):

Mudança de amigos pode ocorrer de forma salutar, mas se esses amigos estão envolvidos em comportamentos de risco a “pressão pelos pares” pode levar à adoção dos mesmos comportamentos. Especial atenção aos adolescentes maturadores precoces (quando a maturação corpo está mais avançada do que a sua idade real). Não se esqueça que continua a ser um exemplo para o seu filho (ex: se fumar)

8. Marcar encontros com pessoas que não conhecem (em particular redes sociais):

O facto de os adolescentes permanecerem em casa não implica que não estejam em risco. O acesso pela internet permite por um lado a manutenção da sua socialização com os seus amigos “reais” (escola, desporto…) mas também a “descoberta” de sites promotores de comportamentos de risco (ex: anorexia e bulimia, Auto lesões, desafios de risco para a saúde), encontros com adultos de natureza sexual, partilha de vídeos e fotos de nudez/sexo. Além de que pode ser um agente de bullying (ciberbullying);

Estabeleça horários de desligar aparelhos eletrónicos, bloqueie sites de internet na sua casa, Debata com seu filho cenários “hipotéticos de risco” e o que fazer se se sentir “em perigo”.

9. Encontrar comida escondida, redução brusca da quantidade de alimentos nas refeições, após as refeições irem logo para a casa de banho (vomitar), mudança de vestuário (preferirem roupa larga, comprida ou acharem que nada fica bem porque estão “gordas”):

Na 1ª e 2ª fase da adolescência a mudança corporal pode trazer desconforto com a imagem, em particular nas raparigas. Sinais de alerta como os descritos ao lado devem ser sempre valorizados pois podem evitar-se doenças de comportamento alimentar como a anorexia e bulimia nervosa.

Conselhos para pais de adolescentes:

Evite exaltar-se e “perder a calma, Ouça seu filho. Esteja sempre disponível para o diálogo.

Seja gentil, mostre afeto desde que não embarace seu filho, em particular junto dos seus amigos

Envolva-se na vida do seu filho e acompanhe seu desempenho escolar.

Os amigos do seu filho são importantes! …Está a desenvolver capacidades sociais.

Tente conhecer os amigos de seu filho, só assim terá uma melhor compreensão do seu comportamento.

Estabeleça regras claras e adequadas. Estas devem ser adaptadas ao desenvolvimento e comportamento do seu filho. As consequências de infração de regras devem ser conhecidas e cumpridas.

Evite demasiado controlo ou autoritarismo. Ame seu filho incondicionalmente, especialmente quando ele comete erros.

Evite ideias pré-concebidas e julgamentos face à identidade do seu filho… aceite as diferenças (sexualidade, projetos futuros, espiritualidade, amizades) e ajude-o a ser “feliz”!

Auxilie na toma de decisões difíceis. Seu filho não está preparado para planear, estabelecer prioridades, organizar pensamentos, gerir impulsos e prever todas as consequências de seus atos. Mas promova progressivamente a sua autonomia e autoconfiança.

Elogie o êxito do seu filho e mantenha espectativas positivas (e realistas) em relação a ele.

Não projete as suas experiências como adolescente no seu filho 

Não faça comparações entre os seus filhos

Se “não souber lidar” com alguma situação particular, não se precipite e se necessário peça ajuda. Mas não deixe o seu filho sem uma resposta. Continuará a ser um exemplo para o seu filho.

Mantenha o acompanhamento médico regular do seu filho, muitas situações podem ser prevenidas. Ensine o seu filho a cuidar da sua saúde!

Promova a participação de pessoas significativas na vida do seu filho (treinador, professor, outros familiares) para o auxiliar nos momentos mais difíceis!

Planeie atividades em família que sejam atrativas para o seu filho

Não “invada” a privacidade do seu filho (ex: telemóvel) ele vai-se sentir “traído” e tenderá a ocultar situações de risco. Se acha que existe algum problema (porque mais que ninguém conhece o seu filho), aborde a situação com o seu filho, escolhendo o “melhor momento”.

Não se coloque ao nível do seu filho. Os pais são a referência para os filhos (valores, regras, cuidado, afeto, responsabilidade) mas não devem ser mais um dos seus amigos”, a confusão de papéis não ajuda o seu filho a crescer.

Não deixe de ter as suas atividades e o “espaço para si”… Mostre ao seu filho que também necessita de ter tempo para as suas atividades, amigos e família…promova a partilha de tarefas e responsabilidades entre os diferentes elementos da família.

Dr. Sérgio Neves - Pediatra, Coordenador da Unidade de Pediatria da Clínica de Santo António

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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