23% dos jovens diz ter sido vítima de violência no namoro
23% de uma amostra constituída por 688 estudantes do ensino secundário de duas escolas da região Centro do país “percepcionaram terem sido vítimas de violência nas relações de namoro”, revela um estudo realizado por uma professora da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC).
De acordo com o estudo, iniciado em 2011 e agora divulgado, no contexto de uma tese de doutoramento recentemente defendida (no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto), embora sendo maior a percentagem (68,9%) dos inquiridos que discordam das “crenças legitimadoras da violência”, 11,8% de estudantes disseram aceitar algumas atitudes que justificam os actos agressivos.
“Os valores mais elevados relacionados com justificação da violência pelas causas externas como o álcool, as drogas, o desemprego e a preservação da privacidade familiar, indicam que, na opinião dos participantes, se explicam e se justificam, em alguns contextos, comportamentos violentos nas relações de intimidade”, afirma a professora Maria Clara Ventura, autora do estudo realizado junto de jovens do 11º e do 12º ano de escolaridade, com uma média de idades de 17 anos.
Para a investigadora da ESEnfC, “esta perspectiva pode sugerir, não só alguma desculpabilização do agressor, mas também a indicação de alguma culpa por parte da vítima, aspecto pouco promissor na construção de relações de intimidade que devem ser baseadas na igualdade e no respeito mútuo”.
De acordo com Maria Clara Ventura, se, por um lado, os resultados do estudo (que não podem ser generalizados ao todo nacional) “comprovam que a frequência dos comportamentos violentos nas relações de namoro é elevada”, por outro, “minimizar a pequena violência e concordar com algumas atitudes abusivas dificulta a consciencialização da gravidade deste tipo de comportamentos”.
Note-se que “os valores mais elevados de legitimação da violência são encontrados nos indivíduos do sexo masculino”, o que “pode estar associado a factores de origem sociocultural, especialmente concepções mais tradicionais decorrentes da construção social da masculinidade, onde as atitudes violentas representam caraterísticas comuns e aceitáveis como manifestação do que é ser homem”, admite a investigadora da ESEnfC.
Raparigas tão violentas como os rapazes
Outros resultados do estudo revelam que não existe relação entre a ocorrência de violência e o sexo dos inquiridos. Nesta amostra, as raparigas apresentaram comportamentos violentos nas suas relações de namoro com a mesma frequência que os rapazes, o que coloca a questão de saber “se as raparigas ficaram mais violentas, ou se esta violência surge apenas como resposta à violência masculina”, interroga-se Maria Clara Ventura.
No âmbito do trabalho de doutoramento de Maria Clara Ventura, intitulado “Violência no Namoro: crenças e autoconceito nas Relações Sociais de Género. Modelo de intervenção em Enfermagem”, foi desenhado um programa de intervenção, denominado “Não à violência. (Re)aprender competências”. Abrangeu um total de 310 estudantes (grupo experimental) e utilizou estratégias susceptíveis de “produzir mudanças nos conhecimentos, atitudes e crenças nos jovens, promoção da autoestima, assertividade e empoderamento, de forma a capacitá-los para iniciarem, desenvolverem e interromperem as suas relações, mobilizando-os pelo fim da violência no namoro e promoção de estilos de vida saudáveis”.
Para a professora Maria Clara Ventura, “o trabalho nas escolas é fundamental, no sentido da desconstrução de crenças de legitimação de violência relacionadas com as relações amorosas, em que normalização e desculpabilização de algumas condutas são apontadas de forma relevante”.