Diz especialista

Unidades Locais de Saúde levantam “muitas dúvidas e preocupações a que ninguém procurou ainda responder”

A perda da oportunidade de integrar verdadeiramente os serviços clínicos hospitalares e os cuidados de saúde primários e a manutenção dos perfis de liderança atuais são algumas das dúvidas e receios apontados pelo consultor em inovação e liderança em saúde.

A partir de 1 de janeiro de 2024, o país vai estar constituído por Unidades Locais de Saúde (ULS). Diogo Silva, médico especialista em Saúde Pública e consultor em inovação e liderança em saúde, defende que “a universalização do modelo ULS a todo o país foi repentina” e que “o sucesso depende da forma como este novo modelo é recebido, integrado e posto em prática pelas equipas de saúde”. O médico afirma que é fundamental envolver os profissionais de saúde nesta transição. 

As Unidades Locais de Saúde, um modelo de organização que integra os centros hospitalares, os hospitais e os agrupamentos de centros de saúde de uma área geográfica, vão ser a nova realidade do país no próximo ano. “A verdade é que já foram testadas várias modalidades de organização, com melhores ou piores resultados, sendo que, em muitos casos, ficou tudo na mesma, pois a gestão e motivação das pessoas é tão ou mais importante do que o modelo organizacional”, explica o cofundador da nobox, um projeto que pretende capacitar os profissionais de saúde sobre competências de liderança e inovação. 

Para o médico, este novo modelo fez surgir nos profissionais de saúde “muitas dúvidas e preocupações a que ninguém procurou ainda responder”. Entre os maiores receios, Diogo Silva alerta, por exemplo, para “o perigo de centralizar na gestão e nas lideranças o processo de fusão, sem uma devida coordenação entre os restantes níveis de organização das instituições, o que pode resultar na perda de oportunidades para uma abordagem integrada do paciente”. Além disso, “as vantagens organizacionais podem vir a concentrar-se exclusivamente em aspetos não clínicos, deixando de lado a inovação clínica, nomeadamente através de cuidados ao doente interprofissionais e colaborativos”. Outra das preocupações “é a possível diferença das condições contratuais entre profissionais, abrangendo tanto as novas, quanto as já existentes”. 

Para o consultor, o sucesso da transição está no envolvimento dos profissionais de saúde na mudança. Sem esta mobilização, os objetivos definidos para a integração dos cuidados não serão possíveis e ficarão, muito provavelmente, no papel. "É crítico mobilizar todos os profissionais para a adoção e implementação deste novo modelo, informando acerca da mudança pretendida e das suas razões, e identificando precocemente as suas preocupações e receios, pois só assim poderão os profissionais desenvolver projetos e iniciativas inovadoras que integrem os cuidados de saúde primários e hospitalares e que realmente centrem a atividade clínica no doente”, continua. Além disso, menciona ainda que “o envolvimento dos doentes neste processo é também central — eles fazem, na realidade, parte da equipa, são os protagonistas —, pelo que têm necessariamente de fazer parte deste processo”. 

Em relação à gestão das organizações e equipas, Diogo Silva menciona que, “para que a mudança cumpra os seus objetivos, devem-se inovar não só as metodologias relacionadas com a organização do trabalho, hierarquias e gestão de recursos humanos, mas também criar mecanismos internos que auxiliem a inovação clínica e a integração de cuidados no contexto deste novo modelo organizacional, ao mesmo tempo que se capacitam as pessoas com as competências e ferramentas exigidas por esta nova organização”.  

Além disso, reforça que “não vai ser possível cumprir o propósito das ULS mantendo os mesmos perfis e preferências de gestão que perpetuem os erros e vícios do passado, e isso é transversal a qualquer área das instituições de saúde. Quem trabalha no terreno identifica claramente esta questão como uma das mais prioritárias, muitas vezes geradora de insatisfação no trabalho”. 

Por último, o médico de Saúde Pública explica que “a grande transformação só acontece quando todas as equipas e profissionais aceitam e absorvem o novo paradigma no seu dia a dia”. Para isso, “é fundamental identificar as pequenas vitórias e boas práticas e promover a sua propagação pela instituição, otimizando os processos ao longo do tempo”. 

A partir de janeiro, o país vai contar com 39 Unidades Locais de Saúde. Cada ULS concentra a organização dos recursos humanos, financeiros e materiais, facilitando o acesso das pessoas e a sua circulação, em função das necessidades, entre os centros de saúde e os hospitais. As ULS vão reforçar também a aposta na promoção da saúde e na prevenção da doença, garante o Governo. 

Fonte: 
nobox
Nota: 
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