Trocar cigarro por cigarro eletrónico ou tabaco aquecido não é estratégia de saúde pública comprovada ou segura
A campanha "swap to stop" (trocar para parar) foi anunciada por Neil O’Brien em discurso no Policy Exchange, na passada terça-feira, dia 11 de abril. De acordo com o Ministro de Saúde Inglês, “vaporizar” seria uma “ferramenta poderosa” para ajudar as pessoas a parar de fumar e, junto com iniciativas de prevenção à iniciação de fumar, contribuiria para reduzir a prevalência de tabagismo à volta de 5% na Inglaterra até 2030.
Para a SPP e SBPT, a posição das autoridades de saúde inglesas não segue as boas práticas da Medicina baseada na evidência científica e na ética médica “primum non nocere”, ou seja, “primeiro não prejudicar”. Não segue também o princípio de precaução de saúde pública, já que existe farta documentação científica dos prejuízos para a saúde causados por estes produtos. Mesmo no Reino Unido, as autoridades de saúde da Escócia, por exemplo, já emitiram um comunicado dizendo que não apoiam esta iniciativa e que não há planos para adotá-la na Escócia.
Os cigarros eletrónicos não são nem dispositivos médicos nem medicamentos, são produtos de consumo banidos em mais de 40 países, entre os quais o Brasil, que fornecem, além da nicotina inalada, outras quase duas mil substâncias. Já foram identificadas substâncias tóxicas e irritantes para os sistemas respiratório, cardiovascular e imunológico e até carcinogénicas, muitas delas não especificadas pelos fabricantes. “Esses aparelhos também oferecem perigos específicos, como o vazamento de metais pesados no filamento aquecido, aumentando o risco de cancro, síndrome respiratória aguda e explosão do dispositivo, por exemplo. Portanto, não existe o uso ‘terapêutico’ alardeado pela indústria e pelo governo britânico”, ressalta o pneumologista Paulo Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT. “Como esses dispositivos fornecem nicotina, que causa grande dependência, e outros produtos tóxicos, os utilizadores acabam por persistir no uso prolongado, podendo sofrer os efeitos negativos na saúde e adoecer”, complementa Sofia Ravara, coordenadora da Comissão de Tabagismo da SPP.
Por outro lado, os tratamentos da dependência do tabaco são clinicamente eficazes e seguros, além de muito custo-efetivos em comparação com outras intervenções médicas. A melhor maneira de parar de fumar é através de aconselhamento comportamental e farmacoterapia, sendo a combinação de ambos mais eficaz do que qualquer um deles isoladamente. Como tal, os profissionais de saúde devem incentivar todos os fumadores a fazer uma tentativa de cessação do tabagismo usando aconselhamento e medicação; e os sistemas de saúde devem apoiar os profissionais de saúde na disponibilização e integração desses tratamentos eficazes ao nível do sistema de saúde, com um custo financeiro acessível para os fumadores.
Preocupantemente, a indústria do tabaco e dos cigarros eletrónicos tem usado um marketing contundente e difícil de controlar, através de influenciadores digitais nas redes sociais, para promover o tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos como dispositivos seguros e eficazes de cessação tabágica. Diversos estudos epidemiológicos em diferentes países, desde a América do Norte e do Sul até à Europa e Ásia, têm mostrado um uma experimentação e consumo crescentes na população, sobretudo nos adolescentes e adultos jovens. Na Europa, os inquéritos do Eurobarómetro revelam uma tendência decrescente da cessação assistida pelos cuidados de saúde, enquanto parar de fumar sem assistência médica ou usando os cigarros eletrónicos tem crescido. Estas tendências são estarrecedoras e resultantes do marketing enganador da indústria.
“A ciência já comprovou que os cigarros eletrónicos não ajudam quem está a tentar parar de fumar a fazê-lo. Na revisão sistemática e meta-análise ‘E-cigarettes and smoking cessation in real-world and clinical settings’, publicada por Kalkhoran e Glantz na revista científica The Lancet Respiratory Medicine, as pessoas que tentaram parar de fumar cigarro convencional utilizando cigarros eletrónicos tiveram 28% menos chance de sucesso do que os que não utilizaram esses dispositivos eletrónicos para fumar”, explica o pneumologista Paulo Corrêa. Segundo o especialista, muitos estudos que supostamente comprovam que esses dispositivos ajudam a parar de fumar têm conflitos de interesse, além de problemas de metodologia e execução.
“Não existe cigarro bonzinho, cigarro eletrónico é cigarro!” alerta ainda Paulo Corrêa. Se nunca tiver fumado cigarros tradicionais, não inicie o uso de produtos de tabaco aquecido nem de cigarros eletrónicos. Se está a utilizar um ou mais desses produtos, saiba que o processo de parar de os usar é a melhor ação que poderá fazer pela sua saúde, agora e no futuro. Os benefícios para a saúde quando se cessa de fumar acontecem rapidamente. O tratamento com um profissional habilitado inclui avaliação e atuação em múltiplos fatores, como o estabelecimento do perfil comportamental do fumador, a presença ou não de doenças causadas pelo tabagismo/nicotina, e sua gravidade, o grau de dependência de nicotina, entre outros. O tratamento envolve um plano de ação definido com a pessoa que fuma ou usa cigarros eletrónicos, caso a caso, com aconselhamento comportamental e prático para deixar de usar os produtos; técnicas de relaxamento e de manejo do desejo de fumar ou usar nicotina; e quando indicado, acompanhamento psicológico; para além de terapia medicamentosa, incluindo reposição de nicotina e/ou uso da bupropiona, ou citisina, as quais atuam nas vias cerebrais da dependência. Fale com o seu médico de família e procure ajuda especializada para deixar de fumar.