Surto em Reguengos: maioria das mortes não ocorreu por infeção viral, diz relatório

“A maioria das mortes não ocorreu por pneumonia covid-19, mas sim por outras causas, nomeadamente falência renal, provavelmente por impossibilidade de uma monitorização contínua clínica e laboratorial adequada”, pode ler-se no relatório com as conclusões médicas sobre o lar, onde morreram 16 utentes, uma funcionária e um motorista da Câmara Municipal de Reguengos.
No relatório foi feita uma “marcha cronológica”, na qual foi possível identificar diversos atrasos no tratamento da doença viral que foi diagnosticada pela primeira vez a 18 de junho, resultando na morte de uma funcionária já no hospital de Évora.
A autoridade de saúde pública e a segurança social só visitaram o lar a 23 de junho e, “só no dia 26” foram “desenhados os circuitos dos doentes para separação dos circuitos. A 2 de julho, os doentes infetados são finalmente transferidos para o pavilhão multiusos do Parque de Feiras do município, que acabou por ser um «alojamento sanitário”.
Enquanto aguardavam pelo resultado dos testes (processo que durou três dias), todos os doentes “coabitam nos quartos, nos corredores, nos espaços comuns, partilham casas-de-banho” e “nunca usam máscara”, alerta o documento, apontando aqui algumas falhas.
O cenário descrito pela OM é assustador: “Quartos de quatro ou cinco camas numa parte do edifício antigo, degradado, com calor extremo, cheiro horrível, lixo no chão, vestígios de urina seca no pavimento. Vemos doentes acamados, desidratados, desnutridos, alguns com escaras e com pensos repassados, alguns só usando uma fralda, completamente desorientados”.
Médicos que denunciaram falta de condições terão sido ameaçados
O documento revela ainda que inicialmente o lar recebeu uma equipa não especializada para lidar com o surto do novo coronavírus, equipa essa que denunciou a falta de condições a que os utentes estavam sujeitos, mas foi ameaçada com um processo disciplinar por parte do presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, caso desistisse do lar.
Importa referir que o lar não tinha qualquer plano de contingência para tratar a doença, nem sequer havia a possibilidade de os pacientes ficarem em isolamento ou até cumprirem com a regra da “distância social exigida”.
Os pacientes “estiveram alguns dias sem fazer a terapêutica habitual por não haver ninguém que a preparasse ou administrasse” e não puderam receber alguns medicamentos “importantes”, uma vez que não existiam “processos clínicos organizados e atualizados”, ou “insulina por falta de canetas”.