Estudo internacional

Pandemia fez aumentar a percentagem de mortes em casa em 23 países, menos em Portugal

A percentagem de pessoas que morreram em casa aumentou em 23 países durante a pandemia de covid-19, revela um estudo internacional liderado por uma equipa de investigação portuguesa, que analisou dados de 32 países. No entanto, este não foi o caso de Portugal.

A investigação, financiada pelo Conselho Europeu de Investigação (European Research Council, com a sigla em inglês ERC) e conduzida com o objetivo de compreender o impacto da pandemia no local onde as pessoas morreram, apresenta novos dados que podem contribuir para definir estratégias e políticas de saúde que melhorem a prestação de cuidados de saúde em fim de vida.

No artigo científico The rise of home death in the COVID-19 pandemic: a population-based study of death certificate data for adults from 32 countries, 2012-2021, publicado na reputada revista eClinicalMedicine, editada pela The Lancet, foram analisados dados relativos ao falecimento de 100,7 milhões de pessoas, a partir dos 18 anos de idade, em 32 países, entre os quais Portugal.

Foram comparados dados dos locais de morte referentes aos primeiros anos da pandemia (2020-21) com dados dos oito anos anteriores à pandemia (2012-19). No conjunto de países analisados, a percentagem de mortes em casa aumentou de 30,1% em 2012-13 para 30,9% em 2018-19; e ainda para 32,2% na pandemia (2020-21). No entanto, em Portugal, e em contraste com a maioria dos outros países, a percentagem de morte no domicílio diminuiu de 27,4% em 2012-13 para 24,9% em 2018-19; e ainda para 23,2% na pandemia (2020-21).

Na análise, foram consideradas outras categorias de locais de morte, como hospitais ou outras instituições de saúde, bem como local desconhecido (que representou 12,1% dos óbitos em Portugal). Os dados do local de morte foram analisados para a toda a população falecida, tendo em conta o local de óbito, sexo, faixa etária e causas de morte (com foco para o cancro, demência e covid-19). Em Portugal, foram analisados dados de 1,1 milhões de adultos que faleceram entre 2012 e 2021.

A equipa, liderada pela investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Bárbara Gomes, e pela docente da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, Sílvia Lopes, revela ainda que, no conjunto de todos os países, “68% das pessoas falecidas tinha mais de 70 anos, tendo 20,4% morrido de cancro e 5,8% de demência. 30,8% morreu em casa”. “As mortes em casa aumentaram durante a pandemia em 23 países, sendo que, na maioria dos países analisados, o aumento foi maior nas mulheres e nas mortes provocadas por cancro”, explicam as investigadoras.

O facto de Portugal estar em contraciclo em relação à maioria dos países analisados – por não se ter observado um aumento da percentagem de morte no domicílio, mas sim a sua diminuição – pode ter diversas explicações. “Já éramos dos países com uma tendência de morte hospitalar mais acentuada nos anos anteriores à pandemia. O investimento que se tem verificado em cuidados paliativos domiciliários pode não ser suficiente para chegar de forma expressiva a todos os que deles necessitam. Com apoio limitado em casa, o recurso a hospitais e outras instituições de saúde torna-se quase inevitável”, explicam as cientistas.

No entanto, em Portugal, contrariamente ao que se observou para o conjunto das doenças, no grupo de pessoas falecidas por causa de uma doença oncológica registou-se um aumento da percentagem de mortes no domicílio durante a pandemia, de 15,5% em 2018-19 para 18,6% em 2020-21. Este aumento de mortes no domicílio de pessoas que morreram de cancro “pode ser explicado pela trajetória mais previsível da doença em comparação com doenças não malignas, bem como pelo acesso a cuidados paliativos mais precoces e melhor integrados”, explicam. “Este é um dado transversal à grande maioria dos outros países”, acrescentam.

Sobre o impacto desta investigação no conjunto dos países analisados, Bárbara Gomes e Sílvia Lopes defendem que “se a mudança que encontrámos na maioria dos países de crescente morte em casa for adequadamente apoiada, alinhada com as preferências e associada a bons resultados (melhor controlo de sintomas, mais qualidade de vida e conforto, tanto para o doente como para a família), estaremos no bom caminho para uma transição de saúde complexa”. “Se, por outro lado, forem identificados défices nos cuidados de fim de vida, que apresentem falhas para com os doentes e seus familiares, deveremos repensar e melhorar o apoio domiciliário em fim de vida, considerando a realocação de recursos de outros locais”, alertam.

“É urgente refletir sobre a situação portuguesa neste contexto internacional, considerando a importância de promover reais escolhas relativamente ao local onde as pessoas com doença em fase avançada preferem viver até ao fim”, sublinham as cientistas.

As investigadoras salientam ainda a importância de as futuras políticas de saúde nacionais e internacionais estarem atentas a mudanças no que concerne aos locais de morte, de forma a “garantir uma afetação adequada de recursos aos cuidados paliativos e de fim de vida, tendo em consideração os diversos locais e trajetórias de cuidados”.

“Nos próximos anos, é crucial que se monitorize se as tendências que observámos se mantêm ou se revertem nos vários países”, destacam Bárbara Gomes e Sílvia Lopes. “Para tal, é necessário melhorar a forma como se classifica o local da morte. Uma classificação internacional, que a nossa equipa está a desenvolver, com categorias mais detalhadas e homogéneas para o local de morte, permitirá comparações mais sólidas entre países e também um melhor mapeamento dos locais preferidos pelos doentes para os cuidados em fim de vida”, rematam.

A equipa de investigação contou ainda com a participação de investigadores da Vrije Universiteit Brussel e do Makerere College of Health Sciences. O estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação EOLinPLACE: Choice of where we die: a classification reform to discern diversity in individual end of life pathways, liderado pela Universidade de Coimbra e financiado pelo Conselho Europeu de Investigação.

Financiado com 1,8 milhões de euros, o EOLinPLACE pretende contribuir para melhorar a prestação dos cuidados de saúde em fim de vida, ambicionando transformar a forma como se classificam os locais onde as pessoas são cuidadas no final da sua vida e onde acabam por morrer. Mais informações sobre o EOLinPLACE podem ser consultadas em www.eolinplace.com e na conta do X (antigo Twitter) do projeto.

O artigo científico está disponível em https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2023.102399.

 
Fonte: 
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Cottonbro Studio @ Pexels