Clínica da Performance

Músicos têm no Porto um M.Ou.Co. que dá ouvidos às dores que a pandemia agravou

Espaço cultural, que é também um hotel, dispõe de um serviço inovador especializado em melhorar o desempenho de intérpretes de diferentes especialidades musicais. Vários artistas nacionais já recorreram à Clínica da Performance, que os ajuda a perceber os riscos dos instrumentos e a transformar a dor numa “amiga”.

Além das dores financeiras, por conta dos lockdowns da pandemia, dois anos de quase inatividade profissional também deixaram mossa nos músculos e nas articulações – e não só - dos músicos portugueses. E a intermitência da retoma trouxe à tona stress acumulado e ansiedades variadas em muitos deles. Que estão a recorrer a ajuda clínica para ultrapassar dores recentes e antigas.

Quem o nota é Flora Vezzá, uma doutorada em saúde pública que faz da fisioterapia preventiva e da ergonomia a sua especialidade e arte, em prol da comunidade musical que recorre às valências da Clínica da Performance do M.Ou.Co..

Segundo a diretora do departamento de Música e Saúde deste espaço multicultural (com hotel dentro) que estreou no Porto há quase oito meses, o desconfinamento agravou as queixas decorrentes dos desequilíbrios, sobrecargas e/ou assimetrias corporais ditadas pelos gestos e posições a que os instrumentos “obrigam” os intérpretes.

Mas a Clínica da Performance do M.Ou.Co. sabe bem que tem de atuar em vários domínios, até sobre “as rotinas e os rituais que os músicos utilizam para aplacar demónios e inquietações prévias às atuações”, sublinha a especialista, habituada a ver menorizados pormenores tão simples como os aquecimentos e as pausas. “Não são desperdício de tempo. O nosso corpo é um sistema e qualquer má postura pode afetar a respiração. Inclusive de músicos muito experientes, que nos chegam cheios de queixas e desassossegos. A pandemia, notámos, veio agravar tudo”, enfatiza Flora Vezzá.

Costumamos endeusá-los, e até a vê-los como imortais. Mas os músicos que admiramos são profissionais de alta performance que no dia-a-dia sofrem tanto física como psicologicamente, inclusive de uma forma exponenciada. Tudo por causa das (nada) simples circunstâncias da profissão. Que dos ensaios aos palcos não só não lhes “ensina” a correta ergonomia dos movimentos (que vão deixando mossa pela repetição e exaustão) como também os canaliza na busca de um incessante perfecionismo e a uma exposição permanente do seu mundo interior. Resultado: uma grande parte acaba extremamente sensível ao erro e com crises que podem gerar depressões, sentimentos rotineiros quantas vezes deitados para trás das costas pela voragem do show business…

Ora bem, uma unidade hoteleira com uma sensibilidade tamanha que a leva a criar um departamento dedicado à saúde do músico parece “futurologia”, mas o M.Ou.Co. assumiu desde a génese um direito à diferença que, além de tudo mais, o fez meter mãos à obra de uma realidade onde “ainda existem muitos tabus”, reconhece Flora Vezzá. É que, complementa, “muitos músicos evitam falar destes temas publicamente”, para que eles “não afetem as respetivas carreiras”.

Músicos e outros artistas trabalham durante anos para aperfeiçoar os movimentos e alcançar uma técnica corporal sofisticada e eficiente. É um processo longo até chegarem à mestria e atingirem os resultados que procuram: a precisão do som puro, do ritmo perfeito, da interpretação desejada. Há momentos, porém, em que o músico não está na melhor condição, sofrendo de traumas, lesões e dores decorrentes do desempenho, ou que têm impactos sobre ele.

Queixas não conhecem fronteiras artísticas e atingem inclusive nomes sonantes

A Clínica foi planeada para ir ao encontro das dores dos músicos e fundamenta-se em princípios da ergonomia e das ciências da performance. Ela oferece um estudo sistemático das relações do executante com o seu instrumento e a sua prática musical.

E, de facto, a aposta do M.Ou.Co. parece estar a fazer a diferença e a dar resultados, pois que, revela Flora Vezzá, têm sido vários os profissionais, “alguns de grande projeção nacional”, a recorrer aos serviços disponibilizados há quatro meses no gabinete localizado na área exterior ajardinada do complexo. Precisamente na parte mais alta e com uma visão quase a 360 graus da envolvência.

Por sigilo profissional, a responsável, que chegou ao Porto já depois de trabalho desenvolvido em Londres (Inglaterra), Paris (França) e São Paulo (Brasil), não avança nomes, “até porque as queixas” a que dá seguimento, essas sim, “são as mais importantes”. Elas não conhecem fronteiras artísticas e provêm quer de executantes de música erudita (de vários instrumentos) quer de profissionais de sonoridades mais roqueiras, de bateristas a guitarristas, e igualmente vocalistas.

“Fazemos uma abordagem ao músico no desempenho do instrumento, tanto para atuar preventivamente e evitar sintomas, como para resolver as causas das manifestações”, explica Flora Vezzá.

O processo é simples e começa com uma entrevista inicial, para se conhecer o núcleo e a orla do problema em toda a sua extensão, perceber o historial da maleita e aferir os eventuais efeitos de abordagens ou tratamentos anteriores.

O modus operandi contempla também o registo videográfico do intérprete em desempenho instrumental, ao que se segue uma análise técnica sobre os gestos, as posturas e demais fatores, para localizar os focos e os riscos causadores dos sintomas. É nesta fase que as assimetrias, os desequilíbrios e as sobrecargas corporais - diagnósticos muito comuns - vêm à tona. As soluções ergonómicas que permitem contornar ou suplantar as queixas estão na relação entre o instrumentista, seu instrumento e o ambiente. E são disciplinadamente espoletadas com a sua ajuda, numa lógica de correção.

Este projeto do M.Ou.Co., no entanto, não se fica por aqui, dado que quer ter uma palavra a dizer – e a fazer - para fortalecer o papel da música na saúde da comunidade envolvente.

“Queremos estimular a realização de programas inovadores que articulem grupos da população e instituições locais (universidades, serviços de saúde, entidades de bairro, escolas e o poder público) no M.Ou.Co., para que a música e outras artes sejam elementos ao serviço da cultura, da saúde coletiva e do desenvolvimento social”, revela a especialista.

Na planificação para os próximos tempos entram, por isso, masterclasses interdisciplinares (para estimular a troca de conhecimentos na fronteira entre música e saúde), encontros de instrumentistas (para debater as particularidades, as exigências e os truques de cada especialidade musical) e oficinas formativas, para que a arte atue como ferramenta junto da comunidade local, numa lógica de educação e inclusão.

Fonte: 
MS Impacto
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
MS Impacto