Modulação do microbioma intestinal pode ser a chave para atrasar a progressão da esclerose múltipla
O projeto de investigação, intitulado “Manipulação do microbioma para reduzir a psicopatologia na esclerose múltipla” é o vencedor da 4.ª edição da Bolsa Nacional para Projetos de Investigação em Microbiota, atribuída pela Biocodex Microbiota Foundation, e vai ser desenvolvido ao longo de ano e meio, ao abrigo de um financiamento atribuído em prémio de 25 mil euros.
De acordo com a professora Adelaide Fernandes*, os investigadores vão “modular o microbioma intestinal de ratinhos através de transplantação fecal para avaliar a melhoria da patogénese da doença e dos sintomas psicopatológicos”. O objetivo é alcançar um alívio dos sintomas e a redução da patogénese da doença, “o que pode ser um primeiro passo para melhorar a qualidade de vida dos doentes com esclerose múltipla, ao retardar ou parar a evolução da doença”.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde esta doença atinge 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo e cerca de oito mil em Portugal (Gisela Kobelt, 2009). A esclerose múltipla é uma doença neurodegenerativa autoimune crónica e a principal causa de incapacidade neurológica não traumática.
A professora Adelaide Fernandes explica que “apesar de acometer principalmente adultos jovens, a idade de início da doença é um fator determinante de piores episódios de recaída com um curso progressivo mais rápido e perda de eficácia terapêutica”.
Os doentes com esclerose múltipla, apesar da sintomatologia neurodegenerativa, também apresentam comprometimento cognitivo, ansiedade e depressão, que têm impacto na progressão e patogénese da doença. Estudos efetuados em animais confirmam que a idade é um fator preditor de pior progressão da doença acompanhada de maior acumulação de défices de saúde medidos pelo índice de fragilidade.
Diversos estudos clínicos e pré-clínicos começam agora a desvendar a relevância da interação entre o microbioma intestinal e o sistema nervoso em doenças autoimunes, como a esclerose múltipla. No entanto, existem ainda muitas lacunas que a investigação agora premiada vai explorar, como a alteração do microbioma em função da idade e o seu impacto no surgimento e progressão dos sintomas.
BMF – CINCO ANOS A DESVENDAR OS SEGREDOS DA MICROBIOTA
Esta é a quarta bolsa que a Biocodex Microbiota Foundation (BMF) atribui para premiar a investigação portuguesa em particular. Internacionalmente, e nos últimos cinco anos já distinguiu projetos na área das doenças inflamatórias intestinais e o papel crucial da microbiota; microbiota nas doenças hepáticas; sobre a relação entre a microbiota alterada e a obesidade infantil; microbiota e cancro e o eixo intestino-cérebro. Entre prémios nacionais e internacionais foram atribuídas mais de 30 bolsas.
Além das bolsas, a BMF lançou, em 2021, o Prémio Henri Boulard, que reconhece iniciativas locais que contribuem para a melhoria da saúde da população, moldando assim o futuro da medicina. Entre os projetos galardoados incluem-se uma campanha de sensibilização para a contraceção na Nigéria para redução da mortalidade materna e do abuso de antibióticos e um programa de epidemiologia com base em águas residuais na Tailândia.
Pode consultar aqui o relatório que resume a atividade e o contributo da BMF no âmbito da investigação em microbiota e sua interação com várias patologias.
*Adelaide Fernandes é Professora Auxiliar. Licenciou-se em Ciências Farmacêuticas em 2002 e doutorou-se em Farmácia (Bioquímica) em 2006, pela Universidade de Lisboa. A sua investigação centra-se em doenças associadas à inflamação. Os principais projetos abordam a interação inflamatória entre as células residentes do Sistema Nervoso Central, as células imunitárias e inflamação periférica em doenças neurodegenerativas, como a Esclerose Múltipla e Doença de Alzheimer. É autora de mais de 75 artigos, orientou vários estudantes de Mestrado e Doutoramento e obteve financiamento nacional e internacional. Faz parte da Comissão Executiva do Instituto de Investigação de Medicamentos (iMed.ULisboa).