Médicos Dentistas desistem de Portugal ao fim de seis meses e vão para o estrangeiro
“O mercado de trabalho nacional está cada vez mais saturado, o que provoca uma progressiva precarização e desvalorização da profissão e o aumento dos fluxos migratórios para exercício da profissão em outros países, nomeadamente dos mais jovens”, alerta Miguel Pavão, bastonário da Ordem dos Médicos Dentista (OMD), sublinhando a importância “de se conhecer ao detalhe as razões para estes profissionais escolherem trabalhar no estrangeiro em detrimento de Portugal”.
Em 2022, dos 3438 médicos dentistas que responderam ao inquérito, 6,6% indicaram que exerciam a profissão no estrangeiro. Destes, 56,2 por cento emigraram já depois de trabalhar em Portugal. Mais de um terço (35,7%) decidiu abandonar o País ao fim de seis meses de trabalho como Médico Dentista. Quando a decisão é tomada em menos de dois anos, o valor dispara para 56,7%.
O número de emigrados é, certamente, superior, considerando as conclusões do relatório ‘Números da Ordem 2022’. A 31 de dezembro de 2021, 12,9% do total dos médicos dentistas eram membros com inscrição suspensa na OMD. A principal razão para isto acontecer é, precisamente, o exercício no estrangeiro (67%).
As razões pelas quais desistiram de exercer medicina dentária no País também não deixam margem para dúvidas: 58,9 % diz que não conseguia ter um rendimento satisfatório em Portugal e também que a profissão não é valorizada; 49,3 % não conseguia ter um salário estável; 32,4 % não conseguia um contrato de trabalho.
Quando chegam ao estrangeiro – o top 3 é liderado pela França (36,5%), seguindo-se Reino Unido (12,8%) e Suíça (8,2%) -, as condições encontradas contrastam com as que deixaram para trás. Os dados apurados permitem concluir que no estrangeiro 51 % têm um rendimento mensal bruto acima dos 3000 euros. Em Portugal, este valor fica-se pelos 11,9%. Também no estrangeiro, apenas 0,6% dos auferem menos de 1000€, quando em Portugal esta percentagem aumenta para 7,3.
Em termos de horário de trabalho, verifica-se que em Portugal quase metade dos médicos dentistas trabalham mais do que cinco dias por semana, ao contrário do que se verifica no estrangeiro. É, por isso, sintomático o valor (53,4%) de quem não quer voltar a exercer em Portugal.
“Portugal necessita de parar, pensar e decidir se queremos continuar a desperdiçar talento. Todos nós, que temos responsabilidade na formação das próximas gerações, temos de responder: investimos na formação de profissionais de excelência para quê e para quem? Para os exportar? Estas perguntas aplicam-se tanto no ensino da medina dentária como em outras áreas”, defende Miguel Pavão.
O estudo revela que a maioria dos médicos dentistas (60,9%) trabalham em clínicas ou consultórios de outrem. Dos profissionais que exercem no setor privado, 61,1% dos médicos dentistas apresentam rendimentos mensais variáveis (em 91,6% dos casos varia em função de uma percentagem dos tratamentos realizados).
Conclui-se também que apenas 3,7% exerciam a sua atividade num hospital ou centro de saúde do setor público ou social. Destes, quase metade (49,5%) diziam estar a recibos verdes, contratados diretamente pelas Administrações Regionais de Saúde (27,4%) ou através de empresas intermediárias (22,1%), e menos de um terço dos médicos (29,2%) estavam integrados como Técnicos Superiores do Regime Geral.
“Há sinais positivos de se querer melhorar alguma coisa no que diz respeito à saúde oral no SNS. A rede de consultórios nos centros de saúde, mas também a criação da carreira são disso exemplos. Só não podemos acrescentar precaridade àquela que já existe”, afirma Miguel Pavão, reforçando: “Sem a carreira no SNS e sem uma revisão profunda ao atual regime de contratação destes profissionais, não vamos ter condições para fixar os médicos dentistas que, assim, vão continuar à procura de reconhecimento e estabilidade no estrangeiro”.
Ao analisar o intervalo de tempo entre o final do curso e o início da atividade profissional, percebemos a dificuldade crescente de entrar no mercado de trabalho de medicina dentária. Entre quem se formou há mais de 10 anos, 94,1% conseguiu começar a trabalhar em menos de seis meses após a conclusão do curso. Este valor cai 11,9 pontos percentuais quando comparamos com quem terminou o curso há menos de 10 anos. Esta queda é tão ou mais evidente se olharmos só para quem conseguia emprego em menos de um mês, respetivamente, 27,4% Vs 7,4%.
“Ainda somos uma profissão de entrada rápida no mercado de trabalho, mas isto só acontece à custa do subemprego, do aumento da precariedade profissional, da dificuldade de ter um contrato de trabalho e de não haver uma carreira no SNS. Tudo condições que levam os jovens a emigrar”, explica Miguel Pavão.
Numa escala de 1 a 10, a satisfação com a situação profissional é avaliada em 5,87 e apenas 14% aparentam estar muito satisfeitos. Quando questionados, mais de um quarto dos médicos dentistas (26, 9%) são perentórios a referir que se fosse hoje não escolheriam fazer a mesma formação.
“Quem estuda medicina dentária sabe que não ver muitas alternativas a ser médico dentista. Não é por acaso que 96% exerce na vertente clínica. É o que chamamos de profissão de banda estreita, com poucos saídas profissionais”, acrescenta.
As preocupações dos médicos dentistas englobam diferentes vertentes. O facto de a medicina dentária não ser reconhecida como uma profissão de desgaste rápido é a mais referida (63,4%), o crescimento dos seguros e planos de saúde (58%) e os custos tributários e de licenciamento (taxas) associados à manutenção das clínicas (55,5%) foram frequentemente apontados.