Lei da Eutanásia: APCP exige medidas concretas ao Estado relativamente aos cuidados paliativos
Em comunicado, a APCP, faz saber que defende “que a garantia do acompanhamento e/ou apoio por uma equipa especializada de cuidados paliativos para todos os doentes em situação de doença grave e provocadora de sofrimento tem de ser acautelada”.
Seis anos depois do primeiro plano estratégico de desenvolvimento para os Cuidados Paliativos (e mais 3 planos estratégicos), as equipas existentes continuam, segundo a APCP a não ser suficientes para as necessidades. Não só “pelo reduzido número de equipas, nomeadamente a nível domiciliário, quer pela escassez de recursos que constituem essas mesmas equipas”. Os últimos dados mostram que, em Portugal, existem cerca de 100 mil pessoas que necessitam de cuidados paliativos, sendo que, como revela a APCP, 70% dos quais “não tem acesso efetivo a esses cuidados”.
“Estamos, portanto, a falar de cerca de 70 000 pessoas em processo de intenso sofrimento que não tem acesso aos cuidados de que necessitam. Em paralelismo, se tivéssemos em idêntico número, pessoas com enfarte agudo do miocárdio, AVC ou doença oncológica sem acesso a equipas especializadas (cardiologia, neurologia, oncologia), qual seria a resposta dos nossos governantes?”, questiona.
A prioridade aos cuidados paliativos, reforça esta associação “deve ser a mesma que em todas as outras áreas especializadas da medicina – oferecer cuidados de qualidade a pessoas com doença avançada e em intenso sofrimento”.
Os doentes que chegam a equipas de cuidados paliativos apresentam muitas vezes o desalento, a tristeza, o cansaço do sofrimento que nunca foi abordado nem reconhecido por um sistema que esta muito mais focado na doença do que no doente.
“A literatura demonstra que doentes que ponderaram eutanásia, redefiniram as suas opções quando passaram a ter um acompanhamento focado na sua qualidade de vida, com rigor, competência e humanismo”, revela a APCP.
“Falamos de doentes que não teriam mudado de ideias sem acesso a uma equipa de cuidados paliativos e sabemos que a maioria não o terá. Mesmo em regiões do país onde existem equipas de cuidados paliativos nomeadas, estas não apresentam, na maior parte dos casos, os recursos nem as condições suficientes para disponibilizar os cuidados de qualidade a que temos direito garantido por uma lei que já existe há 10 anos”, afirma.
“Os profissionais de Cuidados Paliativos, que se dedicam diariamente a garantir cuidados aos doentes com sofrimento decorrente de doença avançada precisam de ser ouvidos e participar ativamente neste processo. O seu contributo servirá para uma discussão séria e responsável sobre propostas tão profundas que dizem respeito a doentes e profissionais”, acrescenta.
Desta forma, e como associação dedicada aos cuidados paliativos, a APCP exige que “o Estado se ocupe de garantir as condições para que se cumpram os direitos plasmados na legislação sobre cuidados de saúde e respostas sociais (Lei nº 52/2012, de 5 de setembro e Lei nº 31/2019, de 18 de junho)” e que os sucessivos planos estratégicos desenvolvidos pela Comissão Nacional de Cuidados Paliativos “sejam efetivos e consequentes, com alocação de profissionais nos rácios exigidos para equipas especializadas e reforçando a existência de Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos”.
Por outro lado, apela a que os Cuidados Paliativos “sejam encarados como qualquer outra área da medicina, cuja escassez de recursos deve ser uma das prioridades para este Governo” e que a obstinação terapêutica, “assumida na lei portuguesa como má prática clínica (e punível nos termos da legislação geral e deontológica), seja efetivamente combatida através de medidas concretas, nomeadamente ao nível de formação e treino dos profissionais de saúde na comunicação e processos de tomada de decisão ética”.
Para a APCP é de extrema importância ainda que o doente possa, de facto, participar nas decisões ao longo do seu processo de doença. “Possa exercer o seu direito ao consentimento informado. As intervenções às quais o doente é submetido devem estar enquadradas na boa prática clínica e na vontade do doente” e que os profissionais de saúde possam contar com condições de trabalho adequadas às funções “por forma a garantir qualidade dos cuidados que prestam”.
Igualmente premente é que “todos os doentes com sofrimento, vulnerabilidade ou dependência vejam as suas necessidades a serem adequadamente respondidas, independentemente da sua vontade relativamente ao momento e forma da sua morte”
“A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos continuará ao serviço dos doentes e dos profissionais que se dedicam a esta área clínica. Queremos contribuir para a sociedade mais participante e literada nesta área. Estamos ao dispor para colaborar com quem tem responsabilidade de decisão a nível nacional, para o desenvolvimento e construção de respostas justas, humanizadas, rigorosas, que sejam científicas e eticamente alicerçadas”, volta a reforçar.