XLI Reunião Anual da Sociedade Espanhola de Epidemiologia

José Ramón Repullo: “A descentralização da saúde aumentou o poder de decisão dos cidadãos”

Maior poder de decisão e maior proximidade institucional. Estes são apenas dois aspetos positivos que a descentralização dos cuidados de saúde trouxe aos cidadãos espanhóis. Um processo que culminou em 2001 e que permitiu reduzir as desigualdades existentes e planear melhor as ações com base nas necessidades de cada momento e de cada comunidade, mas que ainda apresenta muitos pontos que podem ser melhorados.

É o que o explica José Ramón Repullo , Professor Emérito de Planeamento e Economia da Saúde da Escola Nacional de Saúde (Instituto de Saúde Carlos III), que participará na mesa aberta ao público, que se realizará no dia 5 de setembro, no âmbito do XLI Reunião Anual da Sociedade Espanhola de Epidemiologia, sob o título “Aproximar as pessoas da saúde: ciência cidadã e epidemiologia para informar as decisões locais”.

Na sessão de debate aberto, que terá lugar às 17h00, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto, participarão também Catarina Araújo, vereadora da Saúde, Qualidade de Vida e Desporto da Câmara Municipal do Porto; Ricardo Mexia, Presidente da Junta de Freguesia do Lumiar; Eduarda Neves, representante da Associação APRe!; Emília Santos, vice-presidente da Câmara Municipal da Maia – Educação e Ciência/Saúde; Marco Santos, Presidente da Federação Nacional das Associações Juvenis; José Cavalheiro, Professor aposentado da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto; e José Ramón Repullo. O debate será moderado por Henrique Barros, Presidente da comissão científica do congresso e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.

Durante o painel, os especialistas irão refletir sobre como o conhecimento epidemiológico pode orientar ações e decisões políticas concretas, bem como o qual deve ser o papel da sociedade na tomada de decisões em saúde. Neste sentido, José Ramón Repullo considera que a descentralização dos cuidados de saúde em Espanha aumentou o poder de decisão dos cidadãos, tomando como exemplo a 'Maré Branca' de 2012 e a mobilização do Hospital Verín (Ourense) em 2019. No primeiro caso, a política de terceirização de hospitais e centros de saúde para o sector privado gerou uma ampla mobilização de profissionais de saúde e grupos de cidadãos, graças à qual o plano de privatização foi abandonado. No segundo, os poucos nascimentos levaram o governo regional a agendar, em 2019, a cessação da atividade obstétrica e o encaminhamento para o Hospital de Ourense, mas com os protestos, os cidadãos conseguiram que a medida fosse anulada.

“Há influência local na tomada de decisões. Além disso, as redes sociais facilitam a unificação das agendas dos meios de comunicação locais e centrais”, aponta José Ramón Repullo, que lembra ainda o papel que as associações de pacientes desempenharam em 2014 na compra de sofosbuvir e outros antivirais de ação direta para o tratamento de Hepatite C.

Segundo Repullo, outra das grandes vantagens da descentralização é a maior proximidade institucional com a sociedade: “É muito melhor do que depender de uma administração distante e impessoal ou de delegações locais com pouco poder de decisão”, destaca.

Além da tomada de decisões, o público em geral também desempenha um papel de liderança na ciência cidadã, entendida como ciência ou investigação que se realiza através da participação cidadã. “Ninguém melhor do que as pessoas ou as comunidades para conhecer os problemas verdadeiramente relevantes. Não pode haver saúde pública sem público”, lembra Henrique Barros. “Envolver os cidadãos em todo o processo de investigação epidemiológica é mais do que um desafio ou uma mudança de paradigma. Acima de tudo, é uma grande oportunidade para aproximar a ciência das necessidades sentidas pelas populações e pelas comunidades”, acrescenta.

Da mesma forma, Barros explica que, neste momento, o mundo da saúde enfrenta problemas importantes, como as dúvidas sobre vacinas, a necessidade de discutir uma nova regulamentação sanitária internacional ou de ter um tratado sobre pandemias. Em suma, é necessário redefinir a importância do conjunto de medidas a adotar em momentos excecionais, quando há crises sanitárias. Por isso, considera “fundamental” que os conhecimentos que os sustentam e a redação destes documentos “incorporem os cidadãos de uma forma muito ativa e muito representativa, porque desta forma a sociedade tomará como suas essas conclusões e ficará muito mais preparada para fazer parte da solução de qualquer crise sanitária.”

Voltando a um modelo centralizado, uma quimera

Em Espanha, nas últimas décadas, foram construídas e consolidadas dezassete instituições regionais, que constituem um bem essencial para o bem-estar dos cidadãos. Uma construção “desigual” de competências, mas que constitui o principal capital sobre o qual devem assentar futuras melhorias na governação da saúde. A desvantagem deste modelo, segundo Repullo, é a sua vulnerabilidade a interferências políticas e burocráticas. “A burocratização tornou a gestão lenta e pesada num serviço como o serviço de saúde, em que as exigências dos cidadãos e dos pacientes não admitem uma operação insensível às suas necessidades e preferências”, explica.

Neste sentido, Repullo é favorável à incorporação de uma melhor gestão do conhecimento no Sistema Nacional de Saúde, de mais recursos económicos para alocar aos programas, de sistemas de informação avançados, de avaliação de intervenções e de sistemas organizacionais modernos que apoiem o governo multinível. Da mesma forma, aponta a necessidade de contar o mais rápido possível com a Agência Estadual de Saúde Pública, cujo desenvolvimento foi adiado para a próxima legislatura.

No que diz respeito ao regresso a um modelo centralizado em que a competência sanitária é do Estado, proposta por certos partidos, Repullo considera que se trata de “uma proclamação política inviável”, uma quimera tendo em conta que a descentralização se baseia na Constituição e nos Estatutos de Autonomia. “O génio escapou da lâmpada há muitas décadas e não vai querer entrar novamente; trata-se de reeducar o génio para que ele se comporte da forma mais adequada e funcional possível”, conclui o especialista em relação ao sistema de saúde.

Próximas mesas

No dia 6 de setembro, pelas 11h30, terá lugar a Mesa de Abertura do XLI Encontro Anual da Sociedade Espanhola de Epidemiologia (SEE) e do XVIII Congresso da Associação Portuguesa de Epidemiologia (APE). Nela participarão Ana Isabel Ribeiro, Iván Martínez-Baz, Isabel Aguilar Palacio e Pello Latasa, que falarão sobre os desafios futuros que a epidemiologia terá de enfrentar.

Nesse mesmo dia 6 de setembro, às 14h30, realizar-se-á a mesa plenária “Que caminhos seguirão os métodos em epidemiologia?”.

Na quinta-feira, 7 de setembro, às 11h00, está marcada a segunda sessão plenária para falar sobre má conduta científica, como detetá-la e que papel desempenham as revistas e instituições científicas neste âmbito. À tarde, pelas 15h00, está marcada a terceira sessão plenária: “Registo eletrónico: uma ferramenta para a investigação clínica epidemiológica”. Discutirá o papel dos biobancos no estudo longitudinal de doenças crónicas não transmissíveis e a eficácia da vacina COVID-19, com base nos registos eletrónicos.

Na sexta-feira, 8 de setembro, às 12h00, uma mesa sobre como a epidemiologia tem contribuído para as decisões das políticas para saúde marcará o encerramento deste encontro científico.

 

 

Fonte: 
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP)
Nota: 
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