Equipa do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ) é liderada pela epidemiologista Ana Azevedo

i3S lidera projeto europeu para encontrar melhores modelos de financiamento na Saúde

O projeto PREVENTABLE, liderado pela investigadora Carla Oliveira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), foi recentemente financiado com cinco milhões de euros pelo Programa Horizon Europe da Comissão Europeia. O projeto, que será desenvolvido durante os próximos três anos, tem como principal objetivo utilizar o conhecimento clínico especializado em síndromes tumorais hereditárias muito raras (RTRS), dados clínicos de famílias com estas doenças e a experiência de profissionais e doentes, para estimar o custo-benefício de intervenções preventivas e reduzir o risco de cancro.

O projeto, cujo nome original é «Cancer prevention vs cancer treatment: the rare tumour risk syndromes battle», pretende ainda delinear diretrizes para a comunicação entre equipas clínicas e entre clínicos e doentes. A ambição, acrescenta Carla Oliveira, é demonstrar que uma estratégia europeia de redução de risco em doentes com RTRS, baseada na prevenção e diagnóstico precoce, permitirá reduzir a elevada mortalidade associada a estas doenças e diminuir os custos dos sistemas de saúde.

Este projeto envolve uma equipa multidisciplinar de 15 parceiros europeus, dos quais cinco são portugueses, três espanhóis, dois franceses e os restantes da Noruega, Países Baixos, Alemanha, Reino Unido e Bélgica. Enquanto entidade coordenadora, o i3S irá receber 1,660 milhões, sendo que as restantes instituições nacionais receberão cerca de um milhão de euros: Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), NOVA Medical School da Universidade NOVA de Lisboa e Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI). O projeto conta ainda com a colaboração da EVITA - Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes Relacionados com Cancro Hereditário.

Um novo desafio para o i3S nas ciências da saúde

Trata-se de um projeto «sem precedentes, completamente inovador e abrangente» já que, pela primeira vez, um estudo deste género vai basear-se em dados clínicos reais complexos de doentes com oito síndromes raras, e não em modelos económicos preditivos. A mesma síndrome, explica Carla Oliveira, «pode causar muitas doenças diferentes na mesma pessoa e doenças diferentes em pessoas diferentes da mesma família. Vamos prever todos os cenários clínicos que podem acontecer no contexto de cada síndrome e, a seguir, vamos confirmar com os dados clínicos recolhidos pelos parceiros. Depois comparamos os cenários em que houve prevenção de doença com os cenários dos que receberam tratamento, para aferir se há vantagem, em termos económicos e em termos de sobrevida dos doentes, quando se aplicam medidas preventivas».

O PREVENTABLE nasce no seguimento do primeiro estudo sobre o modelo de custo-benefício em síndromes de cancro hereditário da mama e do ovário, também coordenado por Carla Oliveira e distinguido, em 2021, com o Prémio de Investigação Alfredo da Silva. «Já temos este piloto, pelo que será mais fácil trabalhar agora com as outras síndromes. Além disso, enquanto investigadores na área da Saúde, sentimos que é nosso dever demonstrar os grandes benefícios sociais e financeiros da prevenção, não só para os portadores e doentes com estas síndromes, mas também para os prestadores de cuidados de saúde, os cuidadores e para a sociedade em geral».

A equipa do i3S ficará também responsável por recolher os dados de duas síndromes, a que causa o cancro gástrico difuso (Carla Oliveira) e outra responsável por tumores gastrointestinais estromais (Paula Soares), e por desenvolver e implementar a infraestrutura informática onde serão inseridos e partilhados todos os dados recolhidos pelos parceiros do consórcio.

Sobre as síndromes tumorais hereditárias muito raras (RTRS)

As síndromes RTRS são doenças raras, que afetam entre 1:250.000 e 1:5.000 pessoas à nascença, e são causadas por variantes genéticas hereditárias. Quando não diagnosticados ou não examinados, muitos pacientes assintomáticos de famílias com estas síndromes desenvolvem cancros particularmente agressivos, levando à morte prematura. «Mas estes cancros podem ser prevenidos se os pacientes assintomáticos forem vigiados sistematicamente, se os órgãos propensos ao cancro forem removidos cirurgicamente (se possível) antes da doença se manifestar, ou se as lesões cancerosas ou pré-cancerosas muito pequenas forem removidas ou tratadas», sublinha a coordenadora do projeto.

O certo é que a maioria dos sistemas de saúde continua a optar pelo tratamento do cancro, apesar dos elevados custos que isso acarreta, em vez de seguir o caminho da prevenção ou do diagnóstico precoce e tratamento curativo. Como tal, esclarece Carla Oliveira, «é urgente demonstrar o custo-benefício da aplicação de medidas preventivas nas síndromes RTRS. No âmbito deste projeto vamos estimar quanto custa intervir precocemente e delinear diretrizes com o objetivo de implementar na Europa uma rede de cuidados centrados nestes doentes com uma boa relação custo-benefício».

As síndromes tumorais hereditárias muito raras (RTRS) constituem uma parte dos cancros hereditários que são raros e negligenciados, uma realidade reconhecida recentemente pela Comissão Europeia e que levou ao lançamento de uma Rede Europeia de Referência (ERN), em 2017, especialmente dedicada aos Síndromes de Risco de Tumor Genético (GENTURIS) e que em Portugal é liderada pela investigadora Carla Oliveira.

Nas oito síndromes raras de cancro consideradas nesta proposta existe uma predisposição elevada a muito elevada para desenvolver um ou vários cancros precoces. Uma vez que apenas 20-30% das pessoas com síndromes de risco de tumor genético foram diagnosticadas até à data, a ERN GENTURIS está a trabalhar para melhorar a sua identificação, minimizar a variação nos resultados clínicos, conceber e implementar diretrizes clínicas, desenvolver registos e biobancos, apoiar a investigação, melhorar a qualidade e interpretação dos testes genéticos, e a aumentar a participação dos doentes em programas de investigação clínica. A GENTURIS, acrescenta a investigadora, reúne centros de referência deste tipo de tumores em 23 países europeus e nove dos 15 parceiros do projeto PREVENTABLE são membros da GENTURIS.

Foco nos modelos de cuidados de saúde das RTRS

A investigação da NOVA Medical School da Universidade NOVA de Lisboa (NMS-UNL), parceira deste consórcio, vai focar-se na análise comportamental das tomadas de decisão em relação aos modelos de cuidados de saúde em síndromes RTRS.

Segundo a investigadora Marta Marques, co-PI da unidade EpiDoc no Comprehensive Health Research Centre (CHRC) da NMS-UNL, «usaremos uma abordagem metodológica mista: recolha de dados por questionário e grupos focais, nos vários países que constituem o consórcio. Especificamente, vamos utilizar como base os quadros conceptuais da ciência comportamental para identificar as barreiras e facilitadores à implementação de modelos de prestação de cuidados de saúde focados na prevenção das síndromes RTRS, com equipas clínicas, com os pacientes e com a sua rede de apoio».

Com base nos resultados deste trabalho, irão ser desenvolvidas recomendações para a comunicação dos modelos de prestação de cuidados de saúde neste contexto, utilizando uma abordagem centrada na pessoa.

Dar visibilidade às RTRS e estimular a prevenção

Enquanto parceiro deste consórcio, o Ipatimup, mais especificamente a Unidade de Prevenção de Cancro, fará uso da sua experiência na área com o objetivo de dar visibilidade às RTRS e estimular a prevenção. Segundo explica Nuno Teixeira Marcos, coordenador desta Unidade, «trata-se de um projeto sobre síndromes raras de cancro, e uma das dificuldades destas doenças de baixa incidência é que têm muito pouca visibilidade, tanto por parte do público, como da comunidade médica e dos policy makers. Mas é exatamente por serem raras, que estas síndromes precisam de uma abordagem dedicada, incisiva e criativa, para podermos ajudar os indivíduos de risco a tomarem decisões informadas, os médicos a estarem alerta para os critérios de risco e para as opções preventivas, e para fazer melhores políticas de gestão destas doenças».

O trabalho deste parceiro, acrescenta o investigador, «fará uso dos resultados gerados pela componente clínica do projeto, pela componente económica e pela componente sociológica, para criar um programa de informação especificamente segmentado para indivíduos de risco, médicos de primeira linha e decisores políticos».

Equipa do Hospital São João vai mapear trajetórias dos doentes

A equipa do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ) é liderada pela epidemiologista Ana Azevedo e inclui profissionais de múltiplas categorias (médicos, enfermeiros, geneticistas, técnico superior do registo oncológico, gestor, nutricionista e psicólogo) das seguintes áreas e serviços: Centro de Epidemiologia Hospitalar, Genética Médica, Oncogenética, Cirurgia Geral, Centro de Mama, Gastrenterologia, Oncologia Médica, Cirurgia Plástica, Anatomia Patológica, Planeamento e Controlo de Gestão, Nutrição, Psicologia, Registo Oncológico.

Enquanto instituição prestadora de cuidados de saúde reconhecida como membro efetivo da Rede Europeia de Referência GENTURIS, e incluindo os referidos especialistas, o CHUSJ vai mapear as trajetórias dos doentes diagnosticados e tratados com síndromes raras de cancro, e as medidas de prevenção primária e secundária que lhes foram aplicadas, bem como outros tipos de tratamento, os respetivos custos e os resultados clínicos daí decorrentes. «Trata-se de inputs fundamentais, de vida real, para a análise de custo-efetividade das diferentes alternativas para a gestão dos casos», explica Ana Azevedo.

Maximizar o impacto dos resultados e facilitar a inovação em medicina preventiva

A Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI), enquanto empresa de consultoria com ampla representatividade global por meio dos seus escritórios em Portugal, Espanha, USA e China, abraçou a missão de gerir projetos de inovação, investigação e desenvolvimento, e procura promover a cooperação internacional e a transferência de conhecimentos. Ambicionando expandir a sua área de atuação a projetos relacionados com a temática da saúde, a SPI tem procurado fortalecer a sua rede de cooperação e colabora com diferentes instituições de investigação no cenário internacional e nacional, como é o caso do i3S.

Enquanto parceiro deste consórcio, a SPI utilizará a sua vasta experiência em projetos financiados internacionalmente para atuar como agente facilitador da inovação. A SPI será responsável pela implementação das estratégias de comunicação e disseminação do projeto PREVENTABLE, de forma a assegurar uma divulgação adaptada e adequada aos diferentes públicos-alvo identificados. O projeto PREVENTABLE permitirá à SPI intervir em domínios da medicina preventiva, posicionando-se como multiplicador do impacto dos resultados de investigação e promovendo a sensibilização e a divulgação da importância da medicina preventiva na sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Fonte: 
i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde Universidade do Porto
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde Universidade do Porto