Gentrificação: o problema de saúde pública que afeta a cidade do Porto

O projeto HUG: Os efeitos na saúde da gentrificação, da relocalização e da insegurança residencial nas cidades – liderado pela investigadora Ana Isabel Ribeiro, coordenadora do Laboratório Saúde e Território, da Unidade de Investigação em Epidemiologia do ISPUP e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) – surgiu com o objetivo de estudar de que forma a gentrificação urbana, a insegurança habitacional e o deslocamento forçado afetam a saúde física e mental da população.
Más condições habitacionais comprometem o envelhecimento saudável
A gentrificação caminha lado a lado com a insegurança habitacional, um conceito que reflete a dificuldade em garantir uma habitação estável, acessível e com condições adequadas. Assim, através de um estudo quantitativo, coordenado por Cláudia Jardim Santos e que envolveu 600 participantes da coorte EPIPorto, procurou-se estabelecer uma relação entre fatores como as condições de habitação, a acessibilidade económica, a habitabilidade e segurança e a estabilidade residencial e os seus impactos em marcadores chave da saúde das pessoas mais velhas, tais como a solidão, a qualidade de vida, a função cognitiva, a perceção do envelhecimento saudável e a qualidade do sono.
O estudo revelou que condições habitacionais precárias, como a falta de aquecimento, infiltrações, humidade e iluminação insuficiente, são muito prevalentes e estão associadas a maiores níveis de solidão e a uma pior qualidade de vida entre adultos mais velhos. Viver em áreas com elevado nível de ruído, poluição e criminalidade também contribui para o aumento da solidão e reduz a perceção de um envelhecimento saudável. Além disso, a ausência de instalações sanitárias adequadas e o deslocamento forçado comprometem a função cognitiva. A insegurança habitacional, caracterizada por dificuldades financeiras, despejos e mudanças frequentes de residência, também deteriora a qualidade de vida, intensifica a solidão e está associada a uma pior função cognitiva.
Para uma criança até aos 10 anos, cada mudança de residência corresponde a uma redução significativa no desempenho cognitivo
Um outro estudo, que incluiu mais de 6000 crianças da coorte Geração XXI, desenvolvido no âmbito da tese de mestrado em Saúde Pública do estudante Obinna Ezedei, investigou de que forma as mudanças frequentes de residência até aos 10 anos de idade afetam a saúde e o bem-estar infantil.
Os resultados sugerem que a instabilidade residencial está associada a um maior risco de vitimização por bullying e a comportamentos agressivos. Além disso, cada mudança de residência corresponde a uma redução significativa no desempenho cognitivo, especialmente no Índice de Velocidade de Processamento e no Quociente de Inteligência Verbal. No entanto, alguns destes efeitos variam de acordo com o destino da mudança: crianças que se mudam para áreas com pior qualidade ambiental tendem a apresentar desfechos de saúde mais negativos. Por outro lado, a mudança para regiões com melhor qualidade ambiental está associada a indicadores de saúde mais favoráveis. É, por isso, fundamental promover a estabilidade residencial para famílias com crianças pequenas e garantir que os ambientes onde vivem sejam verdadeiramente salutogénicos, ou seja, propícios à saúde e ao bem-estar.
Moradores forçados a deixar as suas casas revelam ansiedade, dificuldade em dormir e dizem sentir-se deprimidos
Uma das consequências mais severas da gentrificação é o deslocamento forçado da população, muitas vezes causado pelo aumento das rendas ou pela não renovação dos contratos de arrendamento. Neste contexto, foi levado a cabo um estudo sobre deslocamento direto – a remoção de um agregado familiar da sua casa, por motivos não controlados por ele e preenchendo as anteriores condições necessárias para ocupar o alojamento – no contexto da crise habitacional do Porto, recorrendo a uma amostra de 12 voluntários que, tendo vivido em casas arrendadas, se viram “obrigados” a sair.
O estudo, liderado por José Pedro Silva, revelou que a relocalização forçada tem impactos significativos na saúde física e mental, além de contribuir para a modificação de comportamentos de saúde.
A angústia e a incerteza causadas pela iminência do deslocamento afetam os indivíduos antes mesmo da relocalização, com sintomas de ansiedade e depressão a poderem manifestar-se desde o momento em que surge a ameaça de despejo, e mantêm-se ao longo de todo o processo. Numa fase posterior, em que já se verificou a deslocação para um novo alojamento, são frequentes os sentimentos de tristeza, impotência e ressentimento, por vezes também associados a sintomas como ansiedade, dificuldade em dormir e sentir-se deprimido. Além disso, a mudança de residência, geralmente para áreas menos centrais ou até para outras localidades, leva a uma reconfiguração do espaço onde se desenrola o quotidiano, implicando deslocações maiores e mais frequentes e mudança de hábitos relevantes para a saúde, por exemplo, a prática de atividade física. A mudança de residência tem também implicações no que diz respeito aos laços sociais e interações, porque provoca mudanças na vida social das pessoas deslocadas: as interações com algumas pessoas tornam-se menos espontâneas e mais raras, ou deixam mesmo de existir, levando à retração de redes sociais e de suporte. Além disso, as novas relações de vizinhança podem revelar-se mais conflituosas do que as anteriores. Finalmente, o ambiente residencial também muda frequentemente, podendo, por vezes, prejudicar a saúde, em casos em que a mudança é feita para uma casa sem conforto térmico, com problemas de humidade ou exposta ao ruído. Tudo isto acontece num contexto habitacional de elevada pressão – marcado pela falta de habitações disponíveis e pelos preços elevados – que diminui as opções para as pessoas que precisam de encontrar um novo sítio para morar.