Fundação Champalimaud recebe médicos e tecnologistas para uma conversa sobre inteligência artificial
Familiarizar os profissionais de saúde com as mais recentes ferramentas da inteligência artificial (IA), de forma a que possam aplicá-las na sua prática quotidiana em benefício dos doentes. Este é o objetivo da conferência MEDICA AI, que se vai realizar a 16 de Julho próximo na Fundação Champalimaud (FC). O evento é organizado pelo Digital Surgery Lab, uma equipa multidisciplinar liderada pelo cirurgião Pedro Gouveia e integrada na Unidade de Mama da FC.
Em geral, nos eventos relacionados com a IA, diz Gouveia, “os tecnologistas falam sempre com grande entusiasmo da democratização das ferramentas de IA, utilizáveis numa panóplia de indústrias”. Mas essa mensagem não passa como deveria para área da saúde, que é um mercado “cuja regulação é completamente diferente das demais indústrias”, e onde os erros podem prejudicar gravemente a saúde e o bem–estar das pessoas.
Embora já se tenha começado a observar, em diversas instituições de saúde, a implementação de ferramentas de IA para melhorar a produtividade e a eficiência de processos automatizáveis (tais como a escrita de relatórios médicos), a tecnologia ainda não está a ser utilizada no domínio clínico.
À especificidade da área da saúde vem juntar-se o facto que habitualmente, nas grandes conferências que abordam seriamente a temática da IA, há poucos profissionais de saúde. “Temos tido vários eventos relacionados com a inteligência artificial na Fundação, mas na verdade eles não têm sido eminentemente dirigidos a profissionais de saúde”, salienta Gouveia.
Isto leva, segundo ele, “a uma evidente falta de literacia tecnológica” [por parte dos profissionais de saúde], que “impede que eles acompanhem a evolução das melhores práticas dentro da área da saúde – práticas que, com a ajuda da tecnologia e em particular da IA, poderiam resultar em melhores decisões e tratamentos”.
Resultado: há um fosso comunicacional entre tecnologistas e médicos e, consequentemente, uma baixa adopção de IA em saúde. E é este fosso que a conferência MEDICA AI, na qual participam profissionais de saúde e tecnologistas, pretende agora colmatar. “Quisemos preencher este gap, que existe a nível nacional e até a nível internacional, e construir uma conferência cujo nome fala por si para abordarmos a inteligência artificial na medicina.”, afirma o cirurgião.
“Porque é que nós precisamos destas conferências?”, pergunta Gouveia. E responde: “porque, na verdade, na nossa forma de praticar medicina 50 anos volvidos desde a entrada dos computadores nos consultórios, a única coisa que mudou é que em vez de escrevermos os registos médicos em fichas em papel, agora temos editores de texto para o fazer [em formato digital].”
Na MEDICA AI, profissionais de saúde e engenheiros vão estar lado a lado a conversar. Mas a maioria dos cerca de 20 oradores convidados serão profissionais de saúde, médicos, “porque são eles os decisores que irão poder tomar a decisão de utilizar a tecnologia em prol dos doentes, prescrevendo intervenções que usem inteligência artificial – até para que esses mesmas intervenções seja reembolsadas pela entidade pagadora”, salienta ainda Gouveia. “Em termos de público-alvo, são profissionais de saúde, como é óbvio, mas também investigadores, a comunidade académica, investidores, empreendedores.”
Projetos médicos com IA
A manhã desta conferência de um dia será essencialmente dedicada, à exceção de um módulo sobre ética, a projectos da FC que utilizam inteligência artificial. “A ideia é mostrar que há médicos e investigadores, nomeadamente da Fundação Champalimaud, que já se iniciaram no caminho da literacia tecnológica ao tentarem implementar novas ferramentas com recurso à inteligência artificial nos seus projectos, de forma a permitir mais tarde a sua implementação clínica. E mostrá-lo a um público alargado de profissionais de saúde que não as usa ou não as conhece”, explica Gouveia.
Serão apresentados, por exemplo, o The Warehouse, uma iniciativa multidisciplinar da FC para criar um instituto de vanguarda na área do Digital Therapeutics.; o projecto de “Bloco Operatório do Futuro”, a ser desenvolvido pelo próprio Digital Surgery Lab; e ainda o projecto Cinderella, igualmente integrado na Unidade de Mama, que utiliza IA para permitir que as doentes com cancro da mama escolham o tipo de cirurgia conservadora da mama que preferem fazer do ponto de vista estético (https://fchampalimaud.org/pt-pt/news/projecto-cinderella-o-direito-de-olhar-noespelho-e-de-gostar-do-que-se-ve).
À tarde, várias startups e um especialista clínico da Google Health – Dillon Obika – irão falar daquilo que acontece “fora do ecossistema da Fundação Champalimaud”, diz Gouveia. “Vamos assistir a uma série de casos de estudo, de casos de sucesso da inteligência artificial em saúde, tanto no domínio da investigação aplicada como da translação para produtos médicos, alguns dos quais já estão no mercado, outros em diferentes fases de maturação”, salienta. Entre os vários projetos que serão apresentados durante a MEDICA AI destacam-se: oacompanhamento remoto de pacientes crónicos com novas tecnologias de telemedicina; o apoio à tomada de decisão na gestão hospitalar; e o uso da realidade aumentada para planeamento cirúrgico e melhoria da precisão das cirurgias no bloco operatório. Em todos estes projetos, o uso da IA surge como uma tecnologia fulcral.
Ainda de notar, a intervenção de Miguel Melo, do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, que falará da introdução da tecnologia na monitorizaçao contínua e em rede do doente diabético – que permitiria, graças à inteligência artifical, prever hipoglicémias ou complicações desta doença. “Aqui, a falta de implementação da inovação tecnológica faz aumentar os custos que esta doença acarreta, tanto para as pessoas como para os sistemas de saúde”, diz Gouveia.
Também João Eurico Fonseca, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Lisbon School of Medicine em inglês) apresentará o projeto MedTech NEXT, que visa promover a digitalização e a modernização do ensino da medicina.
“A opção de termos uma grande maioria de oradores médicos”, diz pelo seu lado João Santinha, especialista de inteligência artificial aplicada às imagens médicas do Digital Surgery Lab, “tem também como objetivo fomentar a educação pelos pares. É pelo exemplo que os outros profissionais de saúde, ao verem que há médicos que já falam destas temáticas, já versam nelas e tentam introduzi-las no dia-a-dia da clínica, vão poder perceber que as tecnologias e a IA não são assim tão intangíveis” quanto podem parecer, explica.
“Uma coisa importante de referir”, diz Tiago Marques, neurocientista e especialista em visão artificial (computer vision), que também pertence ao Digital Surgery Lab, é que “nenhuma das aplicações de inteligência artificial que vão ser apresentadas tem como objetivo substituir o trabalho dos médicos. O objetivo é sempre aumentar as capacidades dos médicos, para se tornarem mais eficientes e eficazes no tratamento dos doentes. A inteligência artificial vem facilitar o trabalho dos médicos para melhorar os cuidados de saúde, levando por fim a uma melhoria da qualidade de vida dos doentes.”