O impacto da Inteligência Artificial na evolução do setor da Saúde

Em 2030 podem existir menos 9,9 milhões de médicos, enfermeiro e parteiras, diz relatório

O mais recente relatório do EIT Health e da McKinsey & Company, “Transformar os cuidados de saúde com a IA: o impacto no mercado de trabalho e nas organizações”, demonstra a necessidade urgente de atrair, educar e formar com conhecimentos digitais uma geração de profissionais de saúde, ao mesmo tempo que se dotam as atuais equipas de trabalho dessas competências, no sentido de obter na sua plenitude todo o potencial que se reconhece na Inteligência Artificial (IA).

Prevê-se que até 2030 a economia global possa criar 40 milhões de novos empregos no setor da saúde. No entanto, no início da próxima década, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, a nível global poderão existir menos 9,9 milhões de médicos, enfermeiros e parteiras.

De acordo com o relatório do EIT Health e da McKinsey & Company, a Inteligência Artificial pode revolucionar a assistência médica, através de melhores resultados neste acompanhamento, na experiência do paciente e no acesso a serviços de saúde, através da melhoria da produtividade e eficiência. O relatório reforça que conhecimentos digitais básicos, ciência biomédica e de dados, análise de dados e fundamentos de genómica serão cruciais, isto se a IA e o machine learning entrarem nos serviços de saúde e apoiarem o respetivo mercado de trabalho. Em Portugal, a iLoF (Intelligent Lab on Fiber), a Abtrace e a Libra são exemplos de sucesso de start-ups que utilizam a IA nos seus projetos

Este relatório destaca a Agenda de Competências para a Europa, o documento que a Comissão Europeia apresentou a 1 de julho sob o mote de melhorar a competitividade sustentável, a resiliência, bem como garantir justiça social para todos. De acordo com a Agenda, em 2019 pelo menos 85% dos empregos exigiu algum nível de competências digitais, embora apenas 56% dos adultos possua um mínimo de conhecimento digitais básicos. Importante ainda de referir, que entre 2005 e 2016, 40% dos novos empregos tiveram origem em setores com exigências digitais intensivas. À medida que a Europa inicia o seu processo de recuperação, cresce a necessidade de melhorar e adaptar competências – e tal é amplamente salientado pelo EIT Health e o relatório da McKinsey & Company, no sentido de incentivar a aplicação de soluções de IA na área da saúde. De acordo com o documento, competências digitais básicas, ciência biomédica e de dados, análise de dados e os fundamentos da genómica serão críticos, caso a IA e o machine learning sejam crescentemente aplicados nos serviços de saúde.

“Estas disciplinas raramente são ensinadas nas ciências clínicas tradicionais. E, portanto, sem culpa alguma, o mercado de trabalho na área da Saúde ainda não está preparado para a adoção da IA. Por nos encontrarmos na vanguarda da inovação em saúde na Europa, verificamos a criação de um crescente número de soluções de IA tangíveis, impactantes e emocionantes. No entanto, precisamos unificar todas as novas tecnologias que permitem aliviar parte da pressão sobre os serviços de saúde e integrá-las ao nível da prestação de cuidados. É hora de colmatarmos estas lacunas, para que a Europa não fique para trás na aplicação da IA”, explica Jorge Fernández García, diretor de inovação do EIT Health e co-autor do relatório.

Os dados falam por si. A recente Escola de Verão HelloAIRIS sobre IA em saúde, organizada pela GE Healthcare, Leitat e KTH Royal Institute of Technology, em Estocolmo, numa colaboração com o EIT Health, resultou em 900 candidaturas apenas este ano, tendo sido selecionados 400 candidatos para frequentar este curso on-line exclusivo. O principal objetivo desta ação visou envolver talentos das regiões da Europa central, de leste ou do sul, e construir uma comunidade de elite especializada em IA e equipada com as competências necessárias para o futuro, com o certificado do EIT Health.

“As nossas experiências ao trabalhar com start-ups em regiões emergentes mostram que há uma enorme necessidade de profissionais com qualificação superior, bem como da otimização da alfabetização digital em saúde. O curso on-line de verão que desenvolvemos com os nossos parceiros demonstra bem a importância da IA para o futuro. E tal verificou-se na elevada procura pelos candidatos, bem acima das nossas expectativas”, refere Monika Toth, Gestora de Programas do EIT Health InnoStars RIS.

Que profissionais de saúde mais necessitam de competência em IA?

Atualmente, na área da Saúde a IA é, por norma, aplicada nos processos de diagnóstico. No entanto, nos próximos 5 a 10 anos os profissionais de saúde esperam que a tomada de decisões clínicas passe a ser a aplicação digital mais relevante, de acordo com o estudo do EIT Health e da McKinsey & Company – que inclui uma pesquisa com 175 técnicos da linha de frente nos cuidados de saúde, e entrevistas junto de 62 decisores do setor. Os autores do relatório destacam que é necessário, não apenas atrair, treinar e reter mais profissionais de saúde, mas também garantir que exercem funções em tarefas onde podem agregar mais valor aos pacientes. Apoiar a ampla adoção e o dimensionamento da IA ​​pode ajudar a aliviar os déficits de recursos, agora e no futuro. Com base na automação, a Inteligência Artificial tem condições para revolucionar a assistência médica: desde apoiar a melhorar a vida quotidiana dos profissionais, e com isso permitir que estes concentrem a sua energia nos pacientes, até gastar menos tempo em tarefas administrativas em detrimento da prestação direta de cuidados. Por exemplo, com um potencial que pode libertar 20% ou mais do tempo empregue por radiologistas em processos administrativos, as soluções de IA possibilitam que estes concentrem os seus esforços na leitura das radiografias, bem como na melhor forma de trabalhar com pacientes e equipas clínicas, com vista a uma maior personalização e melhor atendimento. A IA pode potenciar a velocidade de diagnósticos e, inclusivamente, a sua precisão. Como exemplo, em 2015 os algoritmos ultrapassaram os seres humanos no reconhecimento visual, isto no Concurso de Reconhecimento Visual em Larga Escala do ImageNet Challenge, ao melhorarem de uma taxa de erro de 28% em 2010 para 2,2% em 2017, quando comparados com a típica taxa de erro humana, que ronda os 5%.

E cada vez mais soluções baseadas em IA têm origem nos países de leste e sul da Europa

Em Portugal, a iLoF, a Abtrace e a Libra são excelentes exemplos de start-ups que desenvolvem os seus projetos com recursos à IA. A iLof, vencedora do programa EIT Health Jumpstarter 2019 e Wild Card 2019, criou uma base de dados em Cloud de impressões digitais óticas, alimentada por fotónica e IA, que fornece um rastreio não invasivo, triagem e estratificação para descoberta de medicamentos, com total adaptação às necessidades de cada ensaio clínico. Já a Abtrace usa técnicas de inteligência artificial para fornecer aos médicos as informações necessárias que lhes permitam escolher o antibiótico e a dosagem correta para cada paciente e cada prescrição. A inovação promete melhorar o tratamento para os pacientes, diminuir os custos financeiros e reduzir o consumo de antibióticos errados. Quanto à Libra, é uma plataforma digital que pretende promover e manter comportamentos saudáveis junto de pacientes propensos à obesidade. Esta solução oferece um contacto digital personalizado, coaching, recolhe dados dos pacientes e permite uma comunicação remota com profissionais de saúde.

A nível internacional, existem outros bons exemplos. A Brainscan é uma start-up da Polónia que usa Inteligência Artificial para melhorar a eficiência das interpretações de tomografias computadorizadas do cérebro, com a integração de ferramentas para classificar, localizar e comparar mudanças de patologia cerebral no fluxo de trabalho radiológico. Outro exemplo bem-sucedido do uso da IA é a PatchAi, uma start-up italiana acelerada pelo EIT Health, a primeira plataforma cognitiva para a recolha e análise preditiva de dados relatados por pacientes em ensaios clínicos, com a incorporação de um assistente virtual com inteligência artificial capaz de imitar conversas empáticas humanas; o seu objetivo é motivar os pacientes a aderir ao protocolo. Na Hungria, o InSimu desenvolveu uma solução onde médicos e estudantes de medicina praticam em pacientes virtuais, através do diagnóstico numa situação quase real. Já o também húngaro Sineko pretende revolucionar a telerradiologia internacional com o seu software GRAID, que traduz relatórios radiológicos.

“A inteligência artificial tem um papel importante no futuro da saúde. Na Universidade do Porto, juntamente com o EIT Health, estamos constantemente a trabalhar no sentido de apoiar projetos que se encontrem a desenvolver soluções inovadoras na área da saúde, incluindo na área digital. Acreditamos verdadeiramente que o tratamento e o diagnóstico podem ser mais precisos e eficientes com a ajuda da IA. É também uma questão de sustentabilidade dos sistemas de saúde”, diz Elísio Costa, Coordenador do EIT Health Hub Universidade do Porto.

Além do upskilling, também foi identificado como necessidade essencial um maior envolvimento dos profissionais de saúde nos estágios iniciais de evolução da IA. Entre os pesquisados, escolhidos pelo seu interesse na inovação na área da Saúde, 44% nunca esteve envolvido no desenvolvimento ou implementação de uma solução de IA.

“A IA tem um enorme potencial para melhorar a produtividade e a eficiência dos sistemas de saúde e torná-los mais sustentáveis. Mais importante, tem potencial para proporcionar melhores resultados de saúde junto dos pacientes. Isso pode ser feito de várias maneiras: desde permitir melhores cuidados preventivos, até possibilitar que os profissionais de saúde passem mais tempo no atendimento direto ao paciente. Este relatório fornece um conjunto de orientações aos decisores do setor, é uma oportunidade de estes definirem o seu nível de ambição em relação à IA, bem como para desenvolver e implementar a abordagem correta para a sua organização ou para o sistema de saúde”, assegura a Dra. Angela Spatharou, partner da McKinsey & Company e co-autora do relatório.

No decorrer das entrevistas com responsáveis na área da saúde, reconheceu-se a urgência no desenvolvimento e incremento de formação, assim como a sugestão de que os sistemas nacionais de saúde devem trabalhar em conjunto com os profissionais da área, a academia e a indústria, no sentido de apoiar os prestadores de cuidados de saúde, em particular aqueles que não têm dimensão para integrar individualmente esses programas. Foi igualmente enfatizada a importância de garantir que a IA seja ética, transparente e confiável. O relatório foi complementado com análises macroeconómicas dedicadas ao Futuro do Trabalho para os Sistemas Europeus de Saúde, com base no estudo do McKinsey Global Institute (MGI).

 

Fonte: 
Ipsis
Nota: 
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