Doentes com cancro de mama avançado sem oportunidades para participar em ensaios clínicos
Segundo Lesley Stephen, na reunião virtual da Sexta Conferência Internacional de Consenso sobre Cancro de Mama Avançado (ABC 6): "Clínicos e a comunidade científica em geral, incluindo a indústria farmacêutica, precisam trabalhar melhor juntos para permitir que doentes com cancro de mama metastático sejam incluídos em ensaios clínicos".
Os doentes tendem a evoluir melhor se forem incluídos em ensaios clínicos, independentemente do tratamento que recebem. Apesar disso, Lesley Stephen refere que muitos doentes com cancro da mama metastático nunca falaram sobre ensaios clínicos com seus médicos. E explica: "estou num ensaio clínico há quase seis anos, e isso deu-me seis anos de vida que eu nunca esperei ter. Desde o meu diagnóstico e depois de falar com outras doentes apercebi-me que a maioria nunca tinha tido uma conversa com o seu oncologista sobre um ensaio clínico”. Assim, uniu-se ao Professor Carlo Palmieri, consultor em oncologia médica no Clatterbridge Cancer Centre, e à Universidade de Liverpool, Reino Unido, à Professora Janet Dunn, chefe da unidade Warwick Clinical Trials da Universidade de Warwick, Reino Unido, e à Dra. Ellen Copson, professora associada de oncologia médica na Universidade de Southampton, Reino Unido, para conduzir este estudo em todo o Reino Unido.
O estudo que envolveu doentes, clínicos e investigadores foi lançado em maio de 2021. Até 23 de agosto tinham 627 respostas (626 mulheres, 1 homem). O estudo permanece aberto, mas a Sra. Stephen e seus colegas não esperam que as principais mensagens mudem. [3] A análise continua e mais dados estarão disponíveis no início de 2022.
A análise das respostas até o momento mostra que 77% dos pacientes nunca tinham sido convidados a participar num ensaio clínico (466 de 627), e 69% (433) não tinham perguntado ao seu clínico sobre os ensaios. Apenas 14% (90) tinham sido recrutados para um ensaio; destes, 80% (72) acharam que foi uma experiência positiva. Os 31% dos pacientes (189) que perguntaram sobre os ensaios receberam uma variedade de respostas, que variaram de positivas e de apoio a "vagas e negativas".
Os doentes fizeram os seguintes comentários ao estudo: "Ainda à espera de uma resposta. Falar com o meu oncologista é como gritar para dentro de uma caverna. Tudo o que recebo de volta é a minha própria voz"; "Foi-me dito que eu seria informado se houvesse um ensaio clínico apropriado"; "O oncologista deu muito pouco apoio". Ela disse que a maioria dos ensaios falha e que deveriam ser apenas um último recurso"; "Eu não sabia que podia viajar para outro hospital para ter acesso a um ensaio, pensei que precisaria de participar localmente". Quando questionados sobre viajar para entrar num ensaio clínico, 56% (350) estavam dispostos a viajar dos quais 37% (211) até um máximo de 2 horas para outro hospital e 43% (248) estavam dispostos a viajar para outro país. Quando questionados sobre financiamento para viajar, o valor que poderiam suportar, variou entre zero até 150 euros, com 25% (138) podendo suportar mais de 150 euros por mês. Se os custos das viagens fossem reembolsados, a proporção de doentes dispostos a viajar para participar num ensaio clínico aumentava para 61% (381).
Quando questionados sobre os benefícios em participar em ensaios clínicos, 93% (586) pensam que perante ter acesso mais precoce a novos tratamentos e 90% (565) pensam que é benéfico para futuros doentes. Contudo, 63% (392) mostraram-se preocupados com os potenciais efeitos secundários dos tratamentos do ensaio e 43% (268) estavam inseguros quanto aos seus benefícios. Trinta e um por cento (192) dos doentes estavam preocupados em não compreender o objectivo do ensaio e 8% (48) tinha outras preocupações, como por exemplo receberem um placebo. A maioria dos doentes (78%) prefere obter informação sobre ensaios clínicos de fonte fidedigna como profissionais de saúde, e 90% (535) pesquisariam uma base de dados se fosse fácil de utilizar. Dos doentes que procuraram informação sobre ensaios, 57% (78) não encontraram a informação que procuravam.
A Sra. Stephen disse: “O nosso estudo tem várias conclusões importantes: os doentes com cancro de mama avançado não têm muitas oportunidades para participar em ensaios clínicos; bases de dados de fácil utilização são urgentemente necessárias; e muitos doentes estão dispostos a viajar para participar num ensaio, sobretudo se tiverem apoio financeiro.”
Segundo Stephen "Os médicos agem como porteiros e este estudo mostra que muitas vezes não mencionam ou discutem ensaios e, se o fazem, tendem a procurar apenas ensaios locais e não perguntam aos seus pacientes se estão dispostos e aptos a viajar. Eles têm muito poder no relacionamento e precisamos encorajá-los a discutir ensaios como uma opção de tratamento com os seus doentes”. No entanto, os médicos não podem fazer isto sozinhos; a indústria farmacêutica também precisa de ajudar. Os doentes devem ser educados sobre ensaios clínicos e ser proactivos na busca dessa oportunidade.
Presidente da conferência do ABC 6, Fatima Cardoso, Diretora da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud em Lisboa, Portugal, que não esteve envolvida na investigação, disse: "Este estudo levanta algumas questões importantes sobre o acesso a ensaios clínicos para doentes com cancro da mama em estado avançado. Os ensaios clínicos são a única forma de fazer avançar o conhecimento sobre como tratar o cancro e de provar o valor de novas terapias. Todos nós - clínicos, investigadores, indústria farmacêutica, grupos académicos e financiadores - precisamos trabalhar juntos para reverter esta situação. Este não é um problema apenas no Reino Unido; na maioria dos países é difícil para os pacientes com cancro da mama avançado participar em ensaios clínicos e, em alguns países, é impossível. Isto precisa de mudar urgentemente para que possamos encontrar novas terapias e proporcionar melhores cuidados a estes doentes”.