E as desigualdades de género levam a atrasos no diagnóstico de doença nas mulheres

Desigualdades educacionais causam maior mortalidade do que o tabaco

As desigualdades educacionais matam mais que o tabaco. Esta é a conclusão devastadora a que chegou um grupo de investigadores que apresentou, esta quinta-feira, o seu trabalho no XLI Encontro Anual da Sociedade Espanhola da programação deste encontro científico com o objetivo de promover a perspetiva de género e socioeconómica no domínio da investigação epidemiológica e dos estudos relacionados com a saúde.

Relativamente às desigualdades na educação, utilizando o registo de mortalidade e os dados de exposição da população de Espanha para o período 2016-2019, os investigadores estimaram que ocorreram um total de 64.960 mortes anuais (35.920 homens e 29.040 mulheres) atribuíveis à desigualdade educativa, em comparação com as 54.772 mortes anuais atribuíveis ao tabagismo (45.865 homens e 8.907 mulheres). Ou seja, a mortalidade associada às desigualdades socioeconómicas, em Espanha, é superior à mortalidade por consumo de tabaco.

Tal como explica Sergi Trias-Llimós, investigador Ramón y Cajal do Centro de Estudos Demográficos de Barcelona e principal autor deste estudo, as pessoas com um nível educacional mais baixo apresentam taxas de mortalidade mais elevadas. Isto deve-se a múltiplos fatores, incluindo melhores rendimentos, mais recursos materiais e mais conhecimento sobre saúde e bem-estar. “Tudo isso contribui para que as classes sociais mais altas tenham melhor saúde e, portanto, maior expectativa de vida”, ressalta.

Na verdade, segundo os cálculos de Trias-Llimós, se não existissem desigualdades, se todos tivessem o nível educacional dos grupos sociais mais favorecidos, 15% das mortes associadas a esta desigualdade poderiam ser evitadas.

No caso dos homens, seriam evitadas principalmente as mortes causadas por doenças cardiovasculares, respiratórias, oncológicas e infeciosas. Quanto às mulheres, a maioria das mortes que seriam evitadas estariam relacionadas com doenças cardiovasculares, infeciosas e endócrinas.

“Estas desigualdades são um desafio para a saúde pública. Muitas vezes são estudados sob uma única perspetiva e devem ser analisados sob diferentes prismas para poder envolver quem implementa as políticas públicas”, considera o investigador. “Embora as políticas de saúde pública se tenham, maioritariamente, focado na mudança de estilos de vida, este estudo mostra que a eliminação das desigualdades estruturais teria um impacto muito relevante”, acrescenta.

Atrasos em diagnósticos que colocam em risco a saúde da mulher

Além da condição socioeconómica, o género é outro dos fatores determinantes das desigualdades em saúde. Não só determina as diferentes exposições aos riscos, mas também os comportamentos relacionados com a saúde, o acesso ao sistema de saúde e até o diagnóstico e tratamento.

Por exemplo, os trabalhos que exigem maior esforço físico são normalmente desempenhados por homens, o que os expõe a um maior risco de acidentes de trabalho. Em contrapartida, as mulheres realizam frequentemente tarefas relacionadas com cuidados, o que as expõe a produtos químicos relacionados com a limpeza ou movimentos repetidos.

"Homens e mulheres acedem ao sistema de saúde de forma diferente e o sistema de saúde também responde de forma diferente, uma vez que o conhecimento que é aplicado na prática clínica se baseia em estudos que priorizaram o conhecimento sobre a saúde dos homens e

perpetuaram estereótipos de género”, afirma Elisa Chilet, investigadora e professora da Universidade Miguel Hernández de Elche que, neste congresso, ministrou um curso sobre desigualdades em saúde com perspetiva de género.

Chilet expõe citando um estudo publicado em 2019 na Nature Comunicações que dizia que, em média, as mulheres são diagnosticadas até quatro anos depois dos homens, embora não se saiba se essas diferenças se devem à genética, ao ambiente, aos critérios diagnósticos ou a uma combinação de vários fatores. Mas os atrasos no diagnóstico não são as únicas consequências destas desigualdades, tal como o são o subtratamento nas doenças cardíacas, uma maior prescrição de analgésicos, mais diagnósticos de depressão e ansiedade e, inversamente, o subdiagnóstico de outras patologias mentais.

“Há uma tendência a interpretar os sintomas e queixas das mulheres como exagerados e a atribuí-los a causas psicossomáticas e não físicas”, explica a investigadora, que também se refere às dores incapacitantes que muitas mulheres sofrem durante a menstruação. “Elas têm que ouvir repetidamente que a menstruação dói e não foi considerado um problema de saúde importante para estudar”, afirma.

Da mesma forma, Chilet é muito crítico em relação à atitude paternalista com que, por vezes, o pessoal médico aborda o momento do parto. “Partem da premissa de que as mulheres devem ser estóicas durante o parto, apesar da dor”, diz ela.

Avanços importantes, mas lentos contra a desigualdade

Apesar destas desigualdades, considera que os profissionais de saúde estão cada vez mais conscientes de que a situação deve mudar, e diferentes iniciativas têm surgido na prática clínica para ter em conta as questões de género. “No entanto, tendo em conta que discutimos estes preconceitos há mais de 30 anos, o progresso é lento”, salienta.

Perante esta realidade, o especialista acredita que a epidemiologia pode desempenhar um papel fundamental ao fornecer informação sobre as diferenças na prevalência de doenças entre os sexos, nos comportamentos de risco ou no acesso a cuidados médicos por parte de homens e mulheres. “A investigação que não inclua a perspetiva de género será uma fotografia parcial da realidade que nos levará a soluções que não beneficiam equitativamente a população”, alerta.

Encontro que reúne cerca de 800 profissionais

Cerca de 800 profissionais estão reunidos, desde terça-feira, no Porto no âmbito do XLI Encontro Anual da Sociedade Espanhola de Epidemiologia e do XVIII Congresso da Associação Portuguesa de Epidemiologia (APE). Através de 16 mesas espontâneas e de mais de mil comunicações, estão a ser abordados e discutidos vários temas como o rastreio do do cancro, má conduta científica, saúde e vulnerabilidade social, saúde urbana e alterações climáticas, doenças infeciosas, COVID-19 e suas consequências, género e saúde, saúde materno-infantil, VIH/sida, saúde mental ou ecoansiedade.

Esta sexta-feira, 8 de setembro, às 12h00, terá lugar um painel sobre como a epidemiologia tem contribuído para as decisões políticas para a saúde, que será o tema de encerramento desta edição do congresso.

Fonte: 
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP)
Nota: 
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