Descoberto mecanismo de alteração da perceção visual provocada por psicadélicos
No artigo científico Rapid effects of tryptamine psychedelics on perceptual distortions and early visual cortical population receptive fields – recentemente publicado numa das revistas de maior renome da área da imagem cerebral, a NeuroImage – a equipa de investigação liderada pelo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e coordenador científico do Centro de Imagem Biomédica e Investigação Translacional (CIBIT) do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) da UC, Miguel Castelo-Branco, estudou a ação da dimetiltriptamina (de forma inalada, com ação breve), conhecida como DMT, em diversos participantes. A DMT é uma substância psicadélica natural que simula os efeitos de um neurotransmissor cerebral, a serotonina (que regula o humor, a sensibilidade sensorial, o sono, o apetite, a sexualidade, a resposta ao stress, a memória e outras funções cognitivas).
Na alteração da perceção que os cientistas identificaram, “o centro do campo visual pode aparecer como definido de forma muito precisa e a periferia de forma obscura e difusa”, explica Miguel Castelo-Branco. É como se “as pessoas com ação deste psicadélico tivessem pixels maiores no cérebro visual, o que diminui a resolução, que gera, por exemplo, distorção de objetos, sobretudo na periferia”, acrescenta.
Para conduzir esta investigação, foi usada a ressonância magnética funcional, técnica para estudar a atividade cerebral e as alterações funcionais das regiões que processam informação visual. Desta forma, os investigadores conseguiram “mapear modificações das propriedades de resposta das regiões do cérebro que respondem a estímulos visuais”, avança o neurocientista.
Imagens de ressonância magnética mostram o “alargamento” dos “pixels” com a DMT
“A identificação de uma relação entre alterações dos mapas visuais e experiências percetuais surpreendentes, como a que aconteceu neste nosso estudo, abre as portas para relacionar alterações precisas dos mapas sensoriais com a emergência de fenómenos, como determinadas formas de alucinação incluindo alterações da perceção do espaço”, elucida Miguel Castelo-Branco.
Este estudo original no contexto português – que tem como primeira autora a estudante de doutoramento e investigadora do ICNAS, Marta Lapo Pais – insere-se num trabalho de investigação que Miguel Castelo-Branco lidera, que tem procurado “estudar os mecanismos de ação dos psicadélicos, a fenomenologia da perceção, os estados mentais envolvidos, e os seus potenciais efeitos terapêuticos”, avança o neurocientista.
“Pretendemos com esta investigação abrir novos caminhos para o entendimento do impacto dos psicadélicos nas dimensões afetivas, espirituais e cognitivas das pessoas, as respostas cerebrais que originam e os seus possíveis impactos do ponto de vista terapêutico”, sublinha o docente da UC.
Colaboraram também neste artigo outras investigadoras: Marta Teixeira (CIBIT e ICNAS), Carla Soares (CIBIT e ICNAS), Gisela Lima (ICNAS, FMUC e Universidade de Maastricht), Célia Cabral (Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia, Instituto de Investigação Clínica e Biomédica de Coimbra, FMUC e Centro de Ecologia Funcional do Departamento de Ciências da Vida da UC) e Patrícia Rijo (Instituto de Investigação do Medicamento - Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e Centro de Investigação em Biociências e Tecnologias da Saúde e da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias).
O artigo científico está disponível em https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2024.120718.