Investigação da Universidade de Coimbra

Compaixão tem impacto positivo no relacionamento entre jovens e cuidadores em casas de acolhimento

Um programa de intervenção psicológica focado na compaixão, aplicado em casas de acolhimento residencial para crianças e jovens em Portugal, revelou ser eficaz para potenciar o relacionamento compassivo entre jovens e cuidadores (como educadores, psicólogos e assistentes sociais), contribuindo, assim, para a segurança emocional dos jovens e para comportamentos de suporte entre a equipa de profissionais.

O estudo, conduzido por uma equipa de investigação da Universidade de Coimbra (UC), teve como objetivo central testar o efeito deste programa desenvolvido pela UC, denominado Treino de Mente Compassiva para Cuidadores (TMC-C), na qualidade das relações estabelecidas entre cuidadores e jovens e no clima emocional das casas de acolhimento residencial, promovendo, em simultâneo, a qualidade de vida dos jovens e dos seus cuidadores.

«Um ambiente acolhedor, afiliativo e seguro é um pré-requisito para a criação de ambientes terapêuticos e para melhores resultados nas casas de acolhimento, podendo otimizar as intervenções psicológicas individualizadas oferecidas às crianças e jovens, e facilitar a mudança de perceção que as mesmas poderão ter vindo a desenvolver ao longo da vida sobre si, os outros e o mundo», destaca a investigadora do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), psicóloga clínica e primeira autora do estudo, Laura Santos.

Esta é uma das conclusões da pesquisa que tem vindo a ser conduzida no âmbito do projeto “Mentalidade afiliativa no acolhimento residencial de jovens: implementação e estudos de eficácia de um programa de treino da mente compassiva com cuidadores”, que está a ser desenvolvido no âmbito do doutoramento de Laura Santos, orientado pelos docentes da FPCEUC e investigadores do CINEICC, Daniel Rijo e Maria do Rosário Pinheiro.

Laura Santos explica que este projeto de doutoramento foi pensado com o objetivo de «disponibilizar às casas de acolhimento um programa de treino baseado num modelo teórico e com evidência empírica, respondendo à necessidade reportada na literatura ao nível da qualificação dos profissionais deste setor social». «A promoção de uma mentalidade afiliativa, operacionalizada através do desenvolvimento da compaixão, pretende ampliar o foco de atuação das casas de acolhimento, frequentemente criticadas por se direcionarem exclusivamente para a proteção da criança através da provisão assistencialista de recursos (como abrigo, refeição, higiene e educação), no sentido da promoção de um ambiente seguro, facilitador de segurança emocional e afiliativa, necessário à recuperação psicológica das crianças e jovens que ali residem», contextualiza a investigadora.

O ensaio clínico realizado no âmbito do projeto decorreu em 12 casas de acolhimento do centro de Portugal, tendo envolvido 127 cuidadores e 154 jovens e revelado o impacto positivo do TMC-C em três níveis: 1) ao nível individual, no desenvolvimento de (auto)compaixão e melhorias na qualidade de vida profissional e saúde mental dos cuidadores; 2) ao nível interpessoal, contribuindo para uma maior proximidade e ligação entre cuidadores e jovens, bem como entre colaboradores; 3) e também ao nível organizacional, contribuindo para um ambiente mais afiliativo e seguro na casa de acolhimento, tanto para jovens, como para cuidadores. Durante a intervenção, os investigadores desenvolveram atividades com os cuidadores para lhes transmitir, por exemplo, estratégias adaptativas de regulação emocional e conhecimentos sobre o funcionamento da mente humana.

Além do impacto da intervenção nos cuidadores que foi possível validar com este estudo, «destaca-se também que as mudanças relatadas pelos cuidadores foram percecionadas pelos jovens das casas de acolhimento, com impacto positivo ao nível do sentimento de ligação aos outros e na perceção de segurança e afiliação no clima emocional da casa de acolhimento», avança Laura Santos.

«Adicionalmente, os resultados mostram que quando não é oferecido treino, os cuidadores tendem a deteriorar tanto a motivação compassiva, como indicadores de qualidade de vida profissional e de saúde mental, podendo comprometer a qualidade da prestação de cuidados», acrescenta a investigadora.

Sobre a importância de centrar esta pesquisa no papel dos cuidadores, Laura Santos clarifica que «nas casas de acolhimento, os cuidadores são agentes fundamentais na intervenção diária». «Cuidar de crianças maltratadas, que exibem necessidades complexas, requer que a prestação de cuidados seja intencionalmente terapêutica, e não meramente assistencialista. Neste contexto, problemas associados à falta de formação especializada e à incidência de níveis elevados de stress ocupacional entre profissionais têm sido apontados como potenciais ameaças à qualidade da prestação de cuidados em contexto de acolhimento residencial», elucida.

A equipa da UC está também a conduzir outras intervenções no âmbito do projeto, em articulação com a Unidade de Psicologia Clínica Cognitivo-Comportamental da Universidade de Coimbra (UpC3), em casas de acolhimento da IGAXES (organização não governamental da Galiza, que atua na área do apoio a crianças e jovens em risco) e em todas as casas de acolhimento da Região Autónoma da Madeira, que envolvem atualmente mais de 200 participantes.

Sobre a replicação deste programa, a investigadora esclarece que o Treino de Mente Compassiva para Cuidadores «poderá constituir-se como um programa útil na formação especializadas das equipas das casas de acolhimento, recomendando-se que possa orientar a intervenção e a supervisão efetuadas nas instituições», tendo sido pensado para «complementar as intervenções especializadas dirigidas a crianças e jovens já existentes (como psicoterapia e aconselhamento) e não vir a substituí-las», sublinha Laura Santos.

«Esperamos que os resultados deste trabalho de investigação possam informar as decisões políticas, as práticas e os processos de acolhimento, tendo em vista a otimização e a adequação da prestação de cuidados alternativos às necessidades das crianças e jovens que deles carecem», conclui a investigadora.

Os resultados do ensaio clínico em casas de acolhimento situadas no centro de Portugal estão disponíveis no artigo científico "Fostering an affiliative environment in residential youth care: A cluster randomized trial of a compassionate mind training program for caregivers enrolling youth and their caregivers", publicado na revista Child Abuse & Neglect, em https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2023.106122.

Fonte: 
Universidade de Coimbra
Nota: 
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Foto: 
UC | Ana Bartolomeu