Bactérias sensíveis aos medicamentos podem tornar-se resistentes quando em comunidade
Num estudo inédito, investigadores dos grupos Typas, Bork, Zimmermann e Savitski do EMBL Heidelberg, e muitos antigos alunos do EMBL, incluindo Kiran Patil (MRC Toxicology Unit Cambridge, Reino Unido), Sarela Garcia-Santamarina (ITQB, Portugal), André Mateus (Universidade de Umeå, Suécia), bem como Lisa Maier e Ana Rita Brochado (Universidade de Tübingen, Alemanha), compararam um grande número de interações droga-microbioma entre bactérias cultivadas isoladamente e as que fazem parte de uma comunidade microbiana complexa. As suas conclusões foram recentemente publicadas na revista Cell.
Para o seu estudo, a equipa investigou a forma como 30 medicamentos diferentes (incluindo os que visam doenças infeciosas ou não infeciosas) afetam 32 espécies bacterianas diferentes. Estas 32 espécies foram escolhidas como representativas do microbioma intestinal humano com base em dados disponíveis nos cinco continentes.
Descobriram que, quando juntas, certas bactérias resistentes aos medicamentos apresentam comportamentos comunitários que protegem outras bactérias sensíveis aos medicamentos. Este comportamento de “proteção cruzada” permite que essas bactérias sensíveis cresçam normalmente quando em comunidade, na presença de medicamentos que as teriam matado se estivessem isoladas.
“Não estávamos à espera de tanta resiliência”, disse Sarela Garcia-Santamarina, antiga pós-doutorada do grupo Typas e coautora do estudo, atualmente líder de um grupo no Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), Universidade Nova de Lisboa, Portugal. “Foi muito surpreendente verificar que, em metade dos casos em que uma espécie bacteriana foi afetada pelo medicamento quando cultivada isoladamente, não foi afetada na comunidade.”
Os investigadores aprofundaram então os mecanismos moleculares subjacentes a esta proteção cruzada. “As bactérias ajudam-se mutuamente, absorvendo ou decompondo os medicamentos”, explicou Michael Kuhn, investigador do Grupo Bork e coautor do estudo. “Estas estratégias são designadas por bioacumulação e biotransformação, respetivamente”.
“Estas descobertas mostram que as bactérias intestinais têm um potencial de transformação e acumulação de medicamentos maior do que se pensava”, afirmou Michael Zimmermann, chefe de grupo do EMBL Heidelberg e um dos colaboradores do estudo.
No entanto, há também um limite para a força desta comunidade. Os investigadores verificaram que concentrações elevadas de fármacos provocam o colapso das comunidades do microbioma e que as estratégias de proteção cruzada são substituídas pela “sensibilização cruzada”. Na sensibilização cruzada, as bactérias que normalmente seriam resistentes a certos medicamentos tornam-se sensíveis a eles quando estão numa comunidade - o oposto do que os autores viram acontecer em concentrações mais baixas de medicamentos.
“Isto significa que a composição da comunidade permanece robusta a baixas concentrações de fármacos, uma vez que os membros individuais da comunidade podem proteger espécies sensíveis”, afirmou Nassos Typas, líder do grupo EMBL e autor sénior do estudo. “Mas, quando a concentração do fármaco aumenta, a situação inverte-se. Não só mais espécies se tornam sensíveis à droga e a capacidade de proteção cruzada diminui, como também surgem interações negativas que sensibilizam outros membros da comunidade. Estamos interessados em compreender a natureza destes mecanismos de sensibilização cruzada no futuro”.
Tal como as bactérias que estudaram, os investigadores também adoptaram uma estratégia comunitária para este estudo, combinando os seus pontos fortes científicos. O Grupo Typas é especialista em abordagens experimentais de microbioma e microbiologia de alto rendimento, enquanto o Grupo Bork contribuiu com a sua experiência em bioinformática, o Grupo Zimmermann realizou estudos metabolómicos e o Grupo Savitski realizou as experiências proteómicas. Entre os colaboradores externos, o grupo do antigo aluno do EMBL Kiran Patil na Unidade de Toxicologia do Conselho de Investigação Médica, Universidade de Cambridge, Reino Unido, forneceu conhecimentos especializados em interações bacterianas intestinais e ecologia microbiana.
Como experiência prospetiva, os autores também utilizaram este novo conhecimento das interações de proteção cruzada para montar comunidades sintéticas que pudessem manter a sua composição intacta após o tratamento com medicamentos.
“Este estudo é um passo em frente para compreender como os medicamentos afectam o nosso microbioma intestinal. No futuro, poderemos utilizar este conhecimento para adaptar as receitas médicas de modo a reduzir os efeitos secundários dos medicamentos”, afirmou Peer Bork, chefe de grupo e diretor do EMBL Heidelberg.
“Para atingir este objetivo, estamos também a estudar a forma como as interações entre espécies são moldadas pelos nutrientes, de modo a podermos criar modelos ainda melhores para compreender as interações entre bactérias, medicamentos e o hospedeiro humano”, acrescentou Patil.