Doença autoimune

Lúpus e a Gravidez

Atualizado: 
01/04/2019 - 13:09
O Lúpus é uma doença autoimune que pode afetar vários órgãos. Sem causa conhecida, o Lúpus Eritematoso Sistémico ocorre frequentemente em mulheres, em idade reprodutiva e, quando associado à gravidez, pode trazer problemas à saude materna e fetal. Hoje damos-lhe a conhecer dois casos que contrariam esta relação.

Caracterizando-se pela produção de anticorpos contra componentes do próprio organismo, responsável por criar lesões em diversos órgãos, o Lúpus Eritematoso Sistémico (LES) afeta, de acordo com os dados disponibilizados pela Sociedade Portuguesa de Reumatologia, cerca de 0,07 por cento da população portuguesa, com maior incidência entre as mulheres em idade reprodutiva.

Sem causa conhecida, em 75 por cento dos casos, desenvolve-se entre os 16 e os 49 anos de idade.

Embora sejam considerados mais raros, casos há em que a doença surge na infância ou após os 65 anos.

Alguns estudos demonstram que podem estar na sua origem fatores genéticos, hormonais, imunológicos ou ambientais, sendo que a exposição solar parece ter um papel crucial no despoletar da doença e, também, no desencadear das suas crises, contribuindo para o seu agravamento.

Embora os sintomas possam diferir de doente para doente, em 90 por cento dos casos a doença apresenta manifestações cutâneas ou articulares.

Os doentes podem apresentar, no entanto, outros sintomas como:

  • fadiga, febre, cansaço ou mialgias;
  • dor e/ou inflamação articular;
  • eritema, lesões cutâneas sensíveis ao sol, úlceras orais ou nasais dolorosas e queda de cabelo acentuada;
  • sintomas gastrointestinais, com alterações do trânsito intestinal, por exemplo, como consequência da medicação;

Em casos mais graves,

  • doença pulmonar: inflamação da pleura, pneumonite, doença intersticial do pulmão, hipertensão pulmonar e hemorragia alveolar;
  • secura ocular;
  • comprometimento das funções renais com hipertensão arterial ou edema dos membros inferiores;
  • anemia ou diminuição dos glóbulos brancos (leucopenia) e plaquetas (trombocitopenia);
  • doença cardiovascular com inflamação do pericárdio, do miocardio ou lesões das válvulas cardíacas.

Anti-inflamatórios não esteróides, corticosteróides, antipalúdicos de síntese ou imunossupressores são os medicamentos recomendados para controlo da atividade da doença, contribuindo para a sua remissão e, sobretudo, para a melhoria da qualidade de vida do doente.

Uma alimentação saudável e equilibrada, a prática de exercício físico regular, o uso de um protetor solar com elevado fator de proteção durante todo o ano são outros conselhos dados pelos especialistas.

Riscos na gravidez

Não há muitos anos, as mulheres que sofriam de Lúpus Eritematoso Sistémico eram aconselhadas a não engravidar. Há, aliás, registos que mostram que, na década de 50, a gravidez ocorria em uma mulher entre 1500 doentes.

Hoje, com um maior conhecimento da doença, a realidade é outra. No entanto, importa saber que uma mulher com LES que pretenda engravidar enfrenta alguns riscos para a sua saúde e para o seu bebé.

Havendo o desejo de engravidar, cabe a ela decidir em conjunto com o parecer médico a melhor altura para o fazer, já que uma exacerbação severa da doença poderá ser fatal para ambos, enquanto alguns dos fármacos usados são teratogénicos ou feto-tóxicos.

Os riscos envolvidos na gravidez podem, no entanto, ser minimizados por uma escolha do momento apropriado para engravidar e optimização da terapia previamente à concepção.

Pré-eclâmpsia, eclâmpsia ou morte materna constam dos riscos associados à grávida. Já as consequências sobre o feto, e que já foram relatadas, encontram-se o grande número de abortos espontâneos, a morte fetal,  a restrição do crescimento intrauterino, a prematuridade e a morte perinatal.

Joana Cabral e Maria Serrano são dois dos casos que contrariam esta tendência. Com gravidezes levadas até ao final do termo admitem que, apesar de terem vivido a experiência da maternidade com alguma ansiedade, este foi o período em que “sentiram” menos a doença.

“A doença foi-me diagnosticada com 17 anos. Eu tinha dores constantes nas articulações, os dedos muito inchados e o meu médico assistente aconselhou-me a ir a um reumatologista. Falou-me logo da possibilidade de ser Lúpus”, recorda Joana, enfermeira, hoje com 30 anos.

Maria, para além das dores articulares, apresentava ainda limitação de movimentos, perda de peso, febre, anemia e queda acentuada de cabelo. “Tive a sorte de ter ido logo ao Hospital São Francisco Xavier e ser vista na unidade de doenças imunes”, conta. “Eu tinha 31 anos quando tive o diagnóstico”, acrescenta.

Joana não sabia, na altura, que doença era esta. “Ninguém da minha famíia tinha Lúpus e não conhecia mais ninguem que tivesse a doença”, diz.

“Não foi fácil receber este diagnóstico porque foi acompanhado de muitas limitações. O não poder ir à praia, por exemplo. Recordo-me que, nessa altura, eu tinha uma viagem marcada e a médica disse-me que era melhor não ir porque não podia expor-me ao sol, não podia beber água sem ser engarrafada porque podia apanhar alguma bactéria”, conta admitindo que esta foi uma fase muito complicada. “Eu estive vários meses em negação. Em que negava a doença e até mesmo a medicação. Andava deprimida”, revela.

Joana, com todas as limitações que a médica lhe “impôs”, chegou mesmo a pensar que nunca poderia vir a ter filhos.

Já Maria, enquanto médica, conseguiu lidar melhor com a situação, embora admita ter sido um pouco “poupada” aos riscos que comportaria uma gravidez.

“Disseram-me que a partir daquele momento eu teria de passar a ser uma doente, a tomar a medicação, a ter cuidado com o sol, mas em relação à gravidez não me disseram nada”, conta.

Joana esteve um ano a lutar “contra a doença” até que decidiu voltar ao início e dar-se uma oportunidade de lidar com a sua condição. “Mudei de médico, foi a alternativa que arranjei. E este médico disse-me que eu podia fazer uma vida perfeitamente normal, que tinha de engravidar numa altura de remissão e descansou-me quanto à medicação, que não afetaria o bebé”, diz a jovem enfermeira.

Com a medicação, Joana e Maria, conseguiram controlar a atividade da doença e melhorar a qualidade vida.  Quando sentiram o desejo de serem mães procuraram conselho médico.

“Como não tinha sintomas há mais de seis meses, disseram-me que era a altura ideal para engravidar”, revela Maria Serrano, que foi mãe há cerca de um mês, pela primeira vez.

“Não foi uma gravidez tranquila. Foi uma gravidez de alto risco e há sempre o medo associado. Medo da perda da gravidez, do baixo peso ou da prematuridade”, confessa admitindo que lidou melhor com o diagnóstico da doença do que com a gravidez.

Também Joana viveu a sua primeira gravidez assustada. “Os dois ou três primeiros meses foram vividos com muita ansiedade. Parece que não conseguimos esquecer as palavras que nos dizem e achamos que vai tudo correr mal”, recorda.

“Os riscos durante a gravidez, como a pré-eclâmpsia, a hipertensão, a morte ou a possibilidade ter bebés prematuros, com problemas cardíacos, era um risco que não podia correr”, justifica.

Mas se a primeira custou, a segunda gravidez foi encarada com outra ligeireza. “A segunda gravidez já não foi assim. Já não pensei tanto nas coisas que podiam acontecer”, afirma.

Em ambos os casos, Joana e Maria levaram as gravidezes até ao final do termo e tiveram bebés saudáveis.

“Estive em remissão durante a gravidez. Algumas dores que ainda tinha melhoraram durante esta fase e o pós-parto também está a correr bem”, revela Maria.

Também Joana garante que durante a gravidez “foi o período que passou melhor”. “Acho que ainda há muitos mitos a respeito da doença. Não se fala muito sobre ela e as pessoas não conseguem perceber as limitações”, acrescenta. “Neste momento, já não preciso fazer medicação. Há seis anos que a doença está em remissão”, conclui Joana Cabral. 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ShutterStock