Lançamento de livro sobre os "corações irritáveis" da guerra colonial
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“Este livro é uma ficção que fala da guerra porque a guerra tem tantas sequelas que até a democracia em Portugal é um resultado da guerra. Foi da guerra que apareceram os homens que fizeram a democracia. Mas há também muitos ‘corações irritáveis’ e feridas que nunca cicatrizaram”, disse à Lusa João Paulo Guerra, 74 anos, que cumpriu o serviço militar em Moçambique e que publicou, como jornalista, inúmeros trabalhos de investigação sobre a Guerra Colonial (1961-1974).
O novo romance “anda à volta do destino de sete homens e tem quatro mulheres como figuras principais” sobretudo a mulher do protagonista, que faz “detonar” o enredo que se desenrola em Lisboa durante os anos 1990 e que tem as memórias e as consequências do conflito colonial como situação central.
“No livro, há uma mulher que afirma que o sofrimento também é próprio dos seres humanos e todos têm o direito de se horrorizarem com o sofrimento que eles próprios possam ter causado ou possam ter vivido e outra mulher a quem lhe perguntam se o marido fez a guerra tendo ela respondido: ‘Não. A guerra é que fez o meu marido’”, explicou o autor.
O livro relata a inquietação e perturbação dos soldados e a forma como a guerra afetou a vida de cada um em tempo de paz mantendo, disse João Paulo Guerra, as “feridas invisíveis e as cicatrizes que não se vêm à vista desarmada”.
O autor escreve que as personagens são ficcionadas e que as atuações extremas são também do domínio ficcional, mas têm como base situações reais vividas durante os combates em África e que - no limite – deixou milhares de homens afetados por uma doença que demora a ser compreendida pela sociedade.
“Esta doença é real e quando foi identificada, no século XIX (nos Estados Unidos) chamaram-lhe ‘coração irritável’, explicou o autor, referindo-se ao título da obra.
No livro, João Paulo Guerra recordou que a Perturbação Pós-Stresse Traumático de guerra foi reconhecida em Portugal, como doença, vinte anos após o fim da guerra nas colónias sob administração portuguesa, em 1995, e que nesse ano foi também lançada a base para a criação de uma rede de apoio a esses doentes, “estimados então na ordem das dezenas de milhares”.
Em 1999, foi legislado o regime de apoio aos ex-combatentes mas a regulamentação, refere o autor, foi sempre adiada e “deitou para as calendas” a entrada em funcionamento da Rede Nacional de Apoio aos militares e ex-militares vítimas da doença.
“Quando, finalmente, passou a vigorar, a burocracia exigida para que a doença fosse reconhecida em cada caso e o doente começasse a ser assistido tornou-se labiríntica, chegando a demorar década e meia”, refere o autor no final do livro sobre as consequências do conflito e que, do ponto de vista pessoal, encerra “o ciclo da guerra”.
“Há guerras que não acabam e por muitos acordos de cessar-fogo que sejam assinados há sempre um cessar-fogo que cada um tem consigo próprio e que não é assinado mas este livro para mim é o meu cessar-fogo”, disse à Lusa João Paulo Guerra.
Jornalista de profissão, João Paulo Guerra, 74 anos, foi premiado várias vezes ao longo da carreira, trabalhou no Rádio Clube Português, TSF e Antena 1, nos jornais Diário de Lisboa, A Capital, O Diário, Público, semanário O Jornal e no Diário Económico.
É autor, entre outros, de livros de investigação jornalística e histórica como a “Memória das Guerras Coloniais”, “O Regresso das Caravelas” ou “Savimbi, Vida e Morte” e do livro de ficção “Romance de uma Conspiração”.
“Corações Irritáveis”, do Clube do Autor, é lançado em Lisboa, com apresentação do coronel Carlos Matos Gomes, escritor e historiador, estando prevista a leitura de excertos da obra pela atriz Maria do Céu Guerra.