Tomada de posição da APCP sobre o manifesto “Morrer com Dignidade”
O manifesto “Morrer com Dignidade” surge da preocupação dos signatários com o sofrimento dos doentes e apontam a eutanásia como a solução para este problema. A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) descredibiliza esta lógica de pensamento ao defender os cuidados paliativos como cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas físicos, psicológicos, sociais e espirituais.
“Onde estavam todos os signatários, inclusive os que exercem altos cargos na área da saúde em Portugal, quando a APCP e entidades independentes, como a Entidade Reguladora da Saúde e o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, tornaram público que mais de 90% dos doentes que precisavam de cuidados paliativos não tinham acesso a estes cuidados, que muitos (mais de 50%) morriam à espera de acesso a cuidados paliativos, que os profissionais que constituíam a maior parte das equipas eram em número insuficiente e inadequadamente formados? Não nos lembramos de nenhuma voz ter mostrado preocupação com essas pessoas, que tinham altas probabilidades de estar em sofrimento”, defende Manuel Luís Capelas.
Em Portugal existem entre 72 mil e 86 mil doentes a necessitar de cuidados paliativos. De acordo com um estudo apresentado pelo Observatório Português dos Cuidados Paliativos, em janeiro, cerca de 51% dos doentes internados nos hospitais eram doentes paliativos e cerca de 16% eram doentes paliativos com prognóstico de 15 dias de vida, no entanto, apenas 7%, dos primeiros, e 10%, dos segundos, estavam referenciados para equipas de cuidados paliativos. Isto porque, os seus médicos consideraram que ainda os conseguiam curar ou por estes ainda estarem a fazer o respetivo tratamento.
“Não será esta prática obstinação terapêutica? Será que perante este sofrimento o doente ao pedir a eutanásia, não estará antes a pedir que o deixem morrer, que não lhe prolonguem futilmente a sua vida? Porque é que a discussão gira em torno da eutanásia, e não sobre os mais de 80 mil doentes sem acesso a cuidados paliativos? Mais uma vez, quer atuar-se nas causas e nos cuidados que ajudam ao alívio do sofrimento, ou simular que se resolve o problema, matando ou ajudando a morrer quem sofre?”, adverte Manuel Luís Capelas.
A APCP, enquanto associação de profissionais que desenvolvem uma prática de cuidados paliativos e se preocupa com esta área científica e especializada do saber, defende que é fundamental, antes da discussão sobre a liberalização da eutanásia ou suicídio assistido, garantir o acesso em tempo útil aos cuidados paliativos e assegurar que são prestados por profissionais, técnica e cientificamente competentes e com formação, que consigam identificar e referenciar atempadamente o doente.
“Consideramos que deve existir um amplo e aprofundado debate público sobre a eutanásia, por forma a garantir uma total elucidação dos cidadãos. No entanto, é necessário uma pedagogia de valores e de princípios que norteiem o debate, para que o discurso não se superficialize em slogans populistas”, conclui Manuel Luís.
A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos será sempre um elemento ativo neste debate e deixa alguns desafios aos signatários:
- Que exista garantia na acessibilidade universal aos cuidados paliativos de qualidade, prestados por profissionais em número e com formação adequada;
- Que se reforcem as equipas atuais (que estão no limite da sua capacidade de resposta);
- Que conjuntamente reflitamos e trabalhemos na perspetiva de encontrar resposta para aqueles cujo sofrimento não consiga ser controlado pelos cuidados paliativos.
O tema “Sedação paliativa vs. Eutanásia” estará em debate no VIII Congresso Nacional de Cuidados Paliativos, que se realiza de 7 a 9 de Abril, na Universidade Católica de Lisboa.